A executiva Sheynna Hakim, CEO da BNP Paribas Cardif no Brasil, nas últimas semanas dividiu seu tempo entre administrar a maior companhia de seguros massificados do País e monitorar os desdobramentos da catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul. Com faturamento de R$ 3,1 bilhões no Brasil em 2023, ela tem se dedicado a entender os impactos das mudanças climáticas na indústria de seguros e a calcular os efeitos de eventos como estes sobre as operações da companhia. “A precificação dos seguros é baseada nos pilares de frequência e severidade. Por isso, com certeza haverá efeitos negativos e positivos sobre o setor de seguros no País nos próximos anos”, afirmou Sheynna, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. Ela é coautora do livro Mulheres na Tecnologia e integra grupos de mentoria como Mulheres para Conselhos, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e Cherie Blair Foundation for Women. Atuando há 10 anos no mercado de seguros, em março de 2022 Sheynna assumiu como a primeira CEO mulher na história da BNP Paribas Cardif no Brasil. Acompanhe, a seguir:

DINHEIRO — Como a companhia avalia a tragédia do Rio Grande do Sul?
SHEYNNA HAKIM — Ainda estamos acompanhando os desdobramentos lá. É cedo para entender as dimensões do estrago. Temos funcionários lá. Famílias de funcionários. Muitas cidades, com parceiros e clientes afetados. Lojas fechadas. Vendedores, gestores das lojas e assistências técnicas. Tudo parado. Adotamos um modelo de gestão de crise com bastante cuidado, mas com celeridade. Temos mais de 300 lojas no Rio Grande do Sul. Entre 10% e 12% da nossa rede de atendimento também nessa região. É a hora da verdade.

Hora da verdade?
Nessas horas é que a gente precisa estar com toda a empresa azeitada e preparada para proativamente fazer algumas ações. É um momento de tristeza e de atenção especial para essa região. Teremos muita demanda nos próximos dias. A gente opera o Apple Care aqui no Brasil [assistência técnica global da Apple]. O Magalu, que é nacional, tem mais de 100 lojas lá na região Sul. Todos os nossos parceiros de automóvel.

“Foram R$ 7 bilhões em indenizações de seguro de vida na Covid. Sofremos em resultado, mas temos bastante orgulho legado em termos social’’

E residência?
A gente tem o produto residencial. A gente paga quando tem algum problema na residência, paga o aluguel e a estadia em algum outro lugar enquanto conserta a residência. Temos cobertura própria de danos. Então, estamos proativamente tentando entender o que a gente pode fazer para cada um lá. Hoje, mesmo sem Boletim de Ocorrência, inspeção, ou qualquer outro comprovante do desastre, estamos indenizando os clientes e acelerando o pagamento. O que antes demorava de 72 horas a uma semana, estamos liberando em 24 horas. Essa agilidade é fundamental em situação de catástrofe. É uma força-tarefa natural e imediata.

A maior frequência desses efeitos climáticos vai gerar prejuízos para as seguradoras?
Assim como a Covid, os eventos climáticos vão transformar o mercado de seguros no País. A pandemia causou mais de 700 mil mortes e o mercado segurador indenizou 183 mil famílias. Então, quase um terço das mortes tiveram algum tipo de indenização, algo bem surpreendente em um país onde a penetração de seguro é 3,4%. Foram quase R$ 7 bilhões em indenizações de seguro de vida e seguro prestamista na Covid. Então, nós sofremos em termos de resultado, mas temos bastante orgulho legado em termos social.

Ficou mais fácil vender seguro de vida depois da Covid?
Com certeza. A gente estava aqui quando os clientes mais precisaram. Mesmo em apólice com cláusula de exclusão de pandemia, demos cobertura. O mesmo está acontecendo no Rio Grande do Sul agora. Estamos flexibilizando as coberturas e estendendo os prazos de vencimentos das apólices. Ainda não temos os números para compartilhar, mas será algo que vai movimentar o mercado segurador.

Movimentar para melhor ou pior?
Estou vendo o mercado segurador num movimento muito positivo desde pandemia. As seguradoras têm sido muito proativas com tudo o que tem acontecido no Brasil. Basta a gente relembrar o que aconteceu no ano passado no litoral de São Paulo, em Minas Gerais e agora no Rio Grande do Sul. A pandemia e todos esses eventos climáticos ajudam a educar a população sobre o papel do seguro. A gente está aqui para momentos imprevistos. Ninguém nunca acha que vai acontecer alguma coisa dessas. O seguro existe para essas horas.

Mas se o aumento dos custos com pagamento de indenizações não preocupa?
Esse é um ponto importante. No caso da nossa companhia, hoje mais de 80% do meu prêmio vem de produtos conectados a proteção financeira e a garantia estendida, que são não totalmente associados ou impactados por essas mudanças climáticas. O residencial é um dos meus produtos que representa uma fatia pequena.

Esses eventos climáticos vão mudar a forma como as seguradoras definem seus modelos de negócios?
Creio que sim. Antes, a gente estava acostumado a acompanhar taxa de juros, inflação e câmbio. Clima não era algo que impactava. Tudo isso é algo novo. Agora impacta. Como é que a gente vai incorporar isso, é a grande questão. As seguradoras que fazem seguro total, seguro rural e outros produtos mais expostos ao clima, vão ter que refazer as contas.

O seguro tende a ficar mais barato, com a entrada de muitos novos clientes, ou mais caro com o aumento do pagamento de indenizações?
Vai depender de cada segmento. Para todos nós, esse é um assunto ainda novo. Mas já está muito claro que vai fazer diferença na precificação. De qualquer forma, as apólices têm o Limite Máximo de Indenização (LMI), que protege a empresa de situações extremas. Nosso produto residencial, hoje em parceria com o Magalu, por exemplo, tem um limite máximo de indenização de R$ 3,5 mil para inundações, alagamentos e tudo mais. Certamente, a maioria das pessoas que foram afetadas no Rio Grande do Sul não perderam mais do que isso.

Uma casa alagada, com prejuízo de menos de R$ 3,5 mil?
Talvez algumas sejam esse valor, mas algumas sejam mais. Mas a característica do seguro massificado é que há um limite máximo de indenização. É a nossa proteção. Mas é uma discussão super relevante e que a gente tem que fazer. As próximas contratações precisarão levar em conta novos valores, talvez. Buscar um novo equilíbrio.

Foi isso o que aconteceu no pós-pandemia?
Exatamente isso. O seguro de vida subiu a outro patamar depois da Covid. Foi um aprendizado. A venda de seguro de vida pós-pandemia tem sido muito relevante. Por consciência de que podemos morrer, muita gente passou a buscar um seguro acessível. Hoje tenho na Cardif seguro de vida de R$ 10 ou R$ 15 reais por mês. Isso faz com que, em caso de morte, a família não fique totalmente desamparada. É uma realidade positiva para o mercado de seguros, de um jeito ruim. Mas é essa a realidade. Com essas mudanças climáticas, os segmentos ligados a bens também vão buscar equilíbrio. Como seguradora, nosso propósito é oferecer acessibilidade para que todos possam ter cobertura.

Acessibilidade é o mesmo que lançar novos serviços?
As seguradoras se adaptam às demandas do mercado. Se existe demanda, criamos o produto. A gente começou só com prestamista, depois criamos seguro franquia. Aí veio uma demanda nova, e criamos o seguro garantia estendida de três anos e cinco anos. Criamos um seguro para chaves. E a gente foi criando. Até placas solares temos cobertura hoje. Temos o residencial e a proteção de conta. Fomos a primeira seguradora a lançar o seguro Pix há três anos. Logo depois que o Pix foi lançado e começaram a acontecer alguns sequestros. Ou seja, junto com nossos parceiros, vemos o que faz sentido. Temos de proteger a maior quantidade de brasileiros possíveis. E eu queria que todos soubessem que eles podem ter proteção. Seguro não é algo para rico, seguro é algo para todos. É para isso que a gente trabalha.

A ideia é ampliar em quais serviços?
Estamos estudando. Hoje a telemedicina é vista no setor de saúde como o grande legado da pandemia. Diante da demanda, lançamos um seguro voltado para clientes entre 70 e 85 anos. E temos uma proteção saúde. Não opero nem saúde nem previdência, mas criamos esse produto despesa de internação hospitalar, com telemedicina junto, para atender a um público específico. A ideia é continuar crescendo nesse formato de crescimento. Tem muita oportunidade de crescimento só expandindo onde estou. Hoje tenho 23 milhões de certificados ativos [apólices de seguro]. Todo mês, vendemos 1,2 milhão de novas apólices.

Antes, a gente estava acostumado a acompanhar taxa de juros, inflação e câmbio. Clima não era algo que impactava. Agora impacta’’

A telemedicina emplacou?
Muito. Hoje, não preciso ir ao hospital por qualquer resfriado, por uma manchinha na pele. Faz esse primeiro o atendimento por telemedicina. Se for alguma coisa grave, o médico vai te encaminhar para o postinho. Essa triagem digital tem tido muita utilização. Por isso, temos muitos clientes que estão dando o seguro proteção saúde como presente. Telemedicina é acessibilidade.

Quais são os principais parceiros da companhia?
Temos vários. Volkswagen, Magalu, Neon… Aliás, o Neon tem sido um parceiro muito legal. Tem uma cabeça muito conectada no propósito de querer tornar as contas acessíveis. A gente tem o apetite de testar coisas novas, de ser acessível. Mais do que apetite, temos o propósito.

A conjuntura econômica no Brasil favorece o crescimento do mercado de seguros?
Guerra e inflação impactaram a todos, no mundo todo. Mas um terço do crescimento da companhia no mundo veio do Brasil. Com o País, estamos otimistas, vendo um ano em 2024 melhor do que 2023. Esperamos um crescimento relevante neste ano. Se a gente compara com venda de automóvel do ano passado, os números hoje estão 20% maiores. Na parte do varejo também os crescimentos não estão em duplo dígito. O Magalu, por exemplo, voltando à lucratividade e com boas previsões para esse ano. Mesmo com a diminuição das expectativas, otimismo continua.