18/02/2025 - 6:00
Campanhas russas de desinformação miram partidos do centro político e favorecem ultradireitista AfD, com objetivo de fomentar incerteza e polarizar os eleitores.Assim como na eleição para o Bundestag (parlamento alemão) de 2021, também em 2025 a Rússia tenta influenciar os eleitores por meio de desinformação. Especialistas estão observando campanhas russas em larga escala para a eleição de 23 de fevereiro, visando desacreditar sobretudo os partidos do centro.
A maioria das fake news “são direcionadas contra o Partido Verde, a União Democrata Cristã e o Partido Social-Democrata (SPD) e seus candidatos à chanceler federal. A Alternativa para a Alemanha (AfD) raramente é mencionada, e quando o é, de forma positiva”, constata a analista Lea Frühwirth, do Centro de Monitoramento, Análise e Estratégia (Cemas), organização sem fins lucrativos que se dedica a pesquisar temas como teorias da conspiração, antissemitismo e extremismo de direita.
Dois exemplos atuais: desde o início de fevereiro, usuários do X têm compartilhado um vídeo sobre um suposto colapso mental do candidato a chanceler federal da CDU/CSU, Friedrich Merz. Segundo o vídeo, ele teria atentado contra a própria vida em 2017. Uma das postagens foi visualizada mais de 5,4 milhões de vezes em apenas dez dias.
Como “prova” são apresentados o depoimento de um suposto psiquiatra chamado Albert Mertens e um formulário médico. Um carimbo no formulário apresenta Mertens como um “psicoterapeuta psicológico”. Na Alemanha, psicoterapeuta e psiquiatra são profissões distintas. A associação federal de psicoterapeutas comunicou à DW que nenhum de seus membros do estado da Renânia do Norte-Vestfália está registrado com esse nome. Além disso, no endereço apresentado no vídeo não há nenhum consultório autorizado a emitir tais formulários.
O vídeo foi publicado originalmente no canal Wochenüberblick aus München (Resumo semanal a partir de Munique). Um detalhe chama a atenção: ao compartilhar o vídeo, é apontado que Merz defende o envio de mísseis Taurus para a Ucrânia.
O candidato do Partido Verde, Robert Habeck, e sua colega de partido Claudia Roth também foram recentemente vítimas de fake news: de acordo com um artigo e um vídeo no site Narrativ, ambos estariam envolvidos num escândalo de corrupção no valor de 100 milhões de euros. Pinturas pertencentes à Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano supostamente teriam ido parar na Ucrânia, sendo depois vendidas a colecionadores particulares. Todas as alegações no vídeo são falsas, confirmou a fundação à DW.
Esses dois casos têm em comum terem sido produzidos dentro do mesmo padrão, com declarações falsas de testemunhas e documentos falsificados. E publicadas inicialmente em sites que parecem plataformas de notícias, mas que na verdade espalham desinformação. Essas são características típicas da campanha de desinformação russa conhecida como Tempestade-1516, explica um integrante do projeto de pesquisa online Gnida.
Imitação de sites conhecidos
Em cooperação com os sites Correctiv e NewsGuard, o projeto Gnida mapeou mais de 100 sites em língua alemã que, inicialmente, estavam cheios de conteúdo pró-Rússia gerado por inteligência artificial. Depois passaram a publicar notícias falsas, que, por sua vez, influenciadores compartilham em redes sociais como X e Telegram.
A campanha conhecida como Doppelgänger (Sósia) funciona de maneira semelhante. Desde que invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, Moscou vem espalhando “narrativas e desinformação pró-Rússia, visando, em particular, desacreditar a política externa ocidental de um modo geral, e o apoio à Ucrânia em particular”, afirma o Ministério do Exterior da Alemanha.
A Doppelgänger passou a ser assim chamada porque originalmente imitava sites e vídeos de veículos de comunicação conhecidos, como a DW ou a Spiegel Online. Algumas dessas falsificações são fáceis de detectar, mas “é mais uma questão de quantidade do que de qualidade”, diz Lea Frühwirth, do Cemas.
Outra campanha é conhecida pelo nome de Matryoshka. Nela, um exército de bots “inunda” jornalistas com alertas de supostas notícias falsas e pede que elas sejam verificadas. Essa tática acaba por disseminar ainda mais essas alegações e ocupar o tempo dos verificadores de fatos, relata a agência de notícias francesa AFP.
No fim de janeiro, os bots da campanha Matryoshka espalharam pelo menos 15 vídeos falsos em poucos dias, informa o projeto de mídia independente russo Agentstwo. Alguns vídeos são semelhantes aos da DW e do jornal popular alemão Bild. Há relatos falsos em inglês, francês e espanhol de que a Alemanha estaria às voltas com a ameaça do terrorismo, o aumento da criminalidade e o medo dos eleitores antes da eleição.
Partidos alemães favorecidos pelas campanhas
Os objetivos da Rússia são fomentar incertezas e polarizar os eleitores, explica Leonie Pfaller, da NewsGuard. Chama a atenção a quantidade de reportagens positivas sobre o partido populista de direita AfD e sua candidata à Chancelaria Federal, Alice Weidel.
Já em 2024, pesquisas revelaram que a campanha Doppelgänger tinha como objetivo aumentar o percentual de votos na AfD para pelo menos 20%. Pesquisas atuais colocam o partido nesse patamar, há menos de uma semana da eleição. Uma relação de causalidade não pode ser provada.
Na campanha eleitoral, os ultradireitistas se apresentam como mais favoráveis à Rússia do que os demais partidos bem posicionados nas pesquisas eleitorais. Em seu programa eleitoral, eles reivindicam o fim das sanções econômicas decorrentes da invasão da Ucrânia – pela qual as lideranças da AfD não condenam o Kremlin.
Frühwirth menciona outra legenda favorecida pela propaganda russa: a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW). Em seu programa eleitoral, ela descreve a invasão da Ucrânia como uma guerra por procuração entre a Rússia e os Estados Unidos que poderia ter sido evitada. Além disso, o partido quer que a Alemanha volte a importar gás natural russo.
Para o especialista digital Felix Kartte, o pior risco é a estratégia de longo prazo da Rússia e não a eleição de 2025, uma vez que “esses temas e narrativas que o Kremlin há anos vem tentando impor de fato se tornaram dominantes no debate público alemão”.
Por exemplo, as alegações de que todos os governos na Europa são corruptos e reprimem a liberdade de expressão são também narrativas disseminadas por partidos de extrema direita da Europa.
Como Alemanha se defende da desinformação russa?
A disseminação de desinformação “por agências governamentais estrangeiras na Alemanha não é, em si, uma infração criminal”, afirma o Ministério do Interior. No entanto, de acordo com o ministério, um grupo de trabalho está lidando com esse tipo de ameaças.
O foco está em sensibilizar o público sobre a desinformação e promover a educação midiática em todas as faixas etárias. O governo também está em contato com outros países e com as redes sociais para combater em conjunto a desinformação russa.
Este texto foi produzido em cooperação entre os grupos de checagem de fatos da DW e das TVs ARD e BR24.