21/04/2022 - 12:36
Uma fita verde na mochila, uma vestimenta azul e amarela, alguns panfletos em banheiros. Ativistas em Kazan protestam contra a guerra na Ucrânia, muitas vezes de forma silenciosa, e sofrem prisões, violência e processos.A lei contra “desacreditar em público as Forças Armadas” está em vigor há pouco mais de um mês na Rússia. Nesse período, tribunais em todo o país já analisaram mais de 300 casos, e pelo menos 21 processos criminais foram abertos. Em alguns episódios, os acusados pediram a paz e o fim do derramamento de sangue na Ucrânia. Em outros, protestaram silenciosamente contra a guerra.
“Há uma delegacia perto de onde trabalho e sempre passo por ela. Faço isso há um ano e meio, e nunca nenhum policial havia se interessado por mim. Isso ocorreu por um mês, enquanto eu levava uma fita verde na mochila”, conta Alexei, cujo nome foi alterado a seu pedido. Ele mora em Kazan, uma cidade a 800 quilômetros a leste de Moscou.
“Símbolo de um protesto ilegal”
Desde a invasão russa na Ucrânia, ativistas têm realizado protestos pela paz em várias cidades do país. Eles penduram fitas verdes em locais públicos ou as usam como protesto silencioso contra a guerra.
Alexei foi preso no centro de Kazan, capital da república russa do Tartaristão. Ele diz que a fita verde em sua mochila era originalmente um sinal de apoio à luta contra o câncer de rim. Mas Alexei não esconde o fato de que agora também está mostrando solidariedade aos que se opõem à invasão russa na Ucrânia.
“Testemunhei uma situação muito interessante na delegacia. O chefe do departamento ligava para alguém para combinar sobre o que eu deveria ser acusado. Primeiro foi elaborado um boletim de ocorrência, depois outro e, finalmente, tudo foi reescrito”, diz Alexei.
No final, ele foi acusado de minar a confiança nas Forças Armadas russas “na presença de cidadãos”. De acordo com o boletim de ocorrência, Alexey levava uma mochila preta com uma fita verde – e isso seria um protesto não autorizado.
Intensificação de prisões nas ruas
Azat Sabirov e Irina Badertdinova foram presos em Kazan há alguns dias. Eles substituíram as etiquetas de preço em lojas por mensagens contra a guerra na Ucrânia. Por exemplo, lia-se em uma prateleira de café: “O Exército russo bombardeou a escola de artes em Mariupol, onde cerca de 400 pessoas tentavam escapar do bombardeio”.
Ambos agora também são acusados de “minar a confiança nas Forças Armadas da Federação Russa”. Em seus casos, bem como no de Alexei, no entanto, nenhuma audiência foi realizada com um juiz.
Enquanto isso, moradores de Kazan relatam que nos últimos dias a polícia intensificou a prisão de pessoas nas ruas. Um homem, que pediu para não ser identificado, afirmou que foi detido por usar um lenço azul e uma jaqueta amarela, que são as cores da bandeira ucraniana.
Outra moradora da cidade disse que foi presa por colocar panfletos contra a guerra em banheiros públicos. Outro homem relatou ter sido detido por carregar um buquê de flores azuis e amarelas.
“Quando a guerra começou, fui a uma vigília. Dois policiais se aproximaram, e nós conversamos. Tínhamos opiniões diferentes, mas eles não tentaram me convencer”, contou outro homem. “Quando fui parar na delegacia algumas semanas depois, não houve mais conversa. Eles fizeram um boletim de ocorrência e ficaram felizes por receber um bônus por isso.”
Nenhum dos policiais usou a palavra “guerra” – todos eles apenas falavam sobre uma “operação especial” do Exército russo na Ucrânia.
Buscas e processos criminais
Antes do início das prisões, as autoridades cumpriram mandados de busca em casas e locais de trabalho de jornalistas, ativistas e estudantes em Kazan nos dias 6, 17 e 25 de março. Muitos dos afetados se queixam de terem sido vítimas de violência policial.
“As autoridades perpetraram insultos horríveis, humilhações, ameaças e golpes na cabeça e nas costas durante as buscas. Colocaram-nos algemas e tivemos que ficar ajoelhados de três a quatro horas. Eles ameaçaram despir minha mãe de 69 anos se eu não lhes dissesse onde estava meu celular”, escreveu o ativista Andrei Boyarzhinov, que também mora em Kazan.
Boyarzhinov, que está num centro de detenção provisória, é acusado pelas autoridades de convocar publicamente atividades terroristas. Ele nega as acusações.
Após as buscas, três outros cidadãos de Kazan – Marina Ionova, Timur Tukhvatullin e Ruslan Terentyev – foram acusados de organizar distúrbios em massa. Em um chat no Telegram do movimento de protesto de Kazan, um usuário com o apelido Mickey Mouse teria pedido violência durante os protestos.
No entanto, a postagem desapareceu. Os ativistas, que ainda estão foragidos, e seus advogados acreditam que as alegações foram fabricadas. “Não posso dizer se todas essas mensagens e postagens são reais. Eu só vi uma captura de tela, mas também não está claro onde ela foi feita”, disse Ruslan Ignatiev, advogado de Timur Tukhvatullin.
Pessoas devem ser “silenciadas”
Histórias semelhantes são contadas por moradores de diferentes regiões da Rússia – de Kaliningrado a Magadan. Folhetos antiguerra, grafites e o uso de roupas com as cores da bandeira ucraniana desacreditam o Exército russo, afirmam as autoridades.
“Tais perseguições estão realmente acontecendo em massa. As pessoas que se opõem à operação militar com mais frequência e mais ruidosamente do que outras estão envolvidas de várias maneiras em processos criminais que já estão em tramitação”, contou a ativista de direitos humanos Elsa Nisanbekova.
E ela acrescentou: “Tudo isso, claro, é apenas para intimidar. As autoridades acreditam que revistas e processos criminais podem silenciar as pessoas”.
Na maioria dos casos, os acusados de “desacreditar o Exército russo” são multados. Entretanto, qualquer pessoa que protesta novamente contra a guerra – até um ano após pagar a multa – enfrenta um processo judicial.