25/02/2009 - 7:00
Celso Amorim compara o livre comércio a andar de bicicleta. “É preciso pedalar e sempre andar para a frente para não cair”, diz ele.
ABANDEIRA DO LIVRE COMÉRCIO NÃO É NOVA PARA O MINISTRO DAS RElações Exteriores, Celso Amorim. Desde que a Rodada de Doha começou a fazer água, há alguns anos, ele participou de incontáveis reuniões e deu centenas de telefonemas para seus colegas de outros países tentando convencê-los a reabrir negociações para reduzir as barreiras ao comércio externo. “Livre comércio é como bicicleta. Tem que sempre andar para a frente para não cair. Não pode parar”, sintetiza o ministro. A verdade dessa avaliação ficou evidente nos últimos meses.
A crise econômica mundial levou vários países a adotar medidas protecionistas para, teoricamente, proteger suas empresas e os empregos dos seus cidadãos. O risco deste recurso, diz o ministro, é que o que parece ser um remédio é na verdade um veneno que corrói as relações comerciais entre os países. O alerta contra o risco do fechamento das fronteiras tem ocupado boa parte da atenção do ministro atualmente. “O protecionismo infelizmente é a tendência natural, mas não é uma tendência boa”, afirma Amorim. E a ação do Itamaraty se dá em duas frentes: política, na condenação pública, e técnica, na análise das ações em relação à Organização Mundial do Comércio, a OMC.
Amorim debate com ministros da Argentina uma forma de rever licenças aos produtos brasileiros
A frente política é liderada pessoalmente por Amorim, que na semana passada se reuniu em Brasília com ministros do governo argentino e nesta Quarta-Feira de Cinzas se encontra em Washington com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. A pauta oficial é a preparação do encontro entre os presidentes Barack Obama e Luiz Inácio Lula da Silva, em março, mas Amorim deve levar à secretária americana a preocupação do governo brasileiro com o Buy American Act, lei que dá preferência a produtos americanos e pode prejudicar a importação de aço brasileiro.
O lado técnico, por sua vez, é tocado por dezenas de diplomatas que, por ordem de Amorim, vêm se dedicando nas últimas semanas a estudar em profundidade – e ler nas entrelinhas – as novas leis para avaliar se elas estão em conformidade com as regras da OMC. Elas são coordenadas, em Brasília, pelo chefe do Departamento Econômico, Carlos Márcio Cozendey; na missão junto à OMC, em Genebra, pelo embaixador Roberto Azevedo; e na embaixada de Washington pelo embaixador Antonio Patriota. Na capital americana, um diplomata e dois economistas estão dedicados integralmente à análise do Buy American.
Em Genebra, pelo menos quatro dos 14 diplomatas estão debruçados sobre a análise jurídica das principais medidas anunciadas nos últimos meses, como as de proteção do setor automotivo da França. Além disso, aqui perto, o Itamaraty estuda contestar a exigência de licença prévia para importações argentinas e o estabelecimento de cotas de importação pelo Equador, alegando desequilíbrio na balança de pagamentos. A frente antiprotecionista já começa até a gerar ações concretas. Na semana passada, Azevedo reclamou de barreiras impostas pelo Japão a produtos brasileiros, tanto agrícolas quanto industrializados.
O caso pode ser levado à OMC. “Ainda estamos analisando se as medidas são legais ou ilegais. Temos que reforçar a importância das regras e fazer pressão política dizendo que esse fenômeno protecionista não é bom para o sistema como um todo”, disse à DINHEIRO o embaixador Carlos Márcio Cozendey.
A análise preliminar dos especialistas do governo mostra que há espaço para questionamento de medidas não-tarifárias, aquelas que não envolvem alíquotas maiores. As barreiras são basicamente burocráticas. “Ao contrário do que aconteceu nos anos 30, quando as tarifas de importação foram elevadas, com efeitos negativos para o crescimento mundial, hoje o protecionismo é mais sofisticado”, disse à DINHEIRO Azevedo. “Muitas vezes é disfarçado de medidas de estímulo à economia”, afirma.
É o caso do Buy American. Pacotes de estímulo que ainda estão em estudo no Itamaraty também foram anunciados pelos governos da Grã- Bretanha e Alemanha. Depois de verificar a ilegalidade de uma medida, o governo ainda precisa avaliar se vale a pena comprar briga tanto do ponto de vista do custo quando do impacto sistêmico. Entrar com um processo na OMC custa caro e toma tempo. Além disso, pode ser melhor para o Brasil fechar os olhos para uma medida protecionista que vai estimular o crescimento da economia americana ou de outro país e beneficiar as exportações brasileiras de um modo geral, em vez de aplicar a lei ao pé da letra.
Quando os diplomatas identificam uma medida prejudicial aos interesses brasileiros, o primeiro passo é tentar uma solução bilateral. A reunião com ministros do governo argentino em Brasília, na quarta-feira passada, foi uma tentativa, por enquanto infrutífera, de reverter a decisão argentina de exigir licenças prévias de importação para produtos brasileiros que antes eram importados com menos burocracia. “Vamos tentar resolver os problemas no plano bilateral.
Quando não der, o Brasil levará o caso para os foros internacionais”, disse à DINHEIRO o secretário de Comércio Exterior do Ministério de Desenvolvimento, Welber Barral, que participa das negociações junto com o Itamaraty, Ministério da Fazenda, e dependendo do produto, da Agricultura. A preocupação com o protecionismo não é só do Brasil. Em conversa com outros embaixadores da OMC, em Genebra, ºAzevedo sente um clima de grande apreensão sobre os rumos do comércio mundial e o risco de retrocesso na legislação vigente. “Todo mundo sabe como esse processo começa, mas ninguém sabe como termina”, alerta.