16/12/2021 - 5:21
De jovem burocrata do partido a líder indiscutível, cavalgando entre montanhas de neve. Durante sua década no poder, a Coreia do Norte tentou retratar Kim Jong Un como um governante poderoso, mas também popular.
A Coreia do Norte é uma das sociedades mais isoladas e censuradas do planeta, na qual a mídia estatal controla o que as pessoas podem ver e ouvir.
Três gerações da família Kim controlaram o país com absoluta autoridade desde 1948. Durante esse tempo, o governo usou as imagens para legitimar seu poder, segundo analistas.
No cenário internacional, Kim é visto como um tirano implacável, obcecado em desenvolver o arsenal nuclear do país, mesmo ao custo de deixar sua população passando fome.
Mas a mídia estatal norte-coreana oferece uma faceta muito mais humana: Kim acariciando órfãos entre lágrimas, rodeado por mulheres soldados ou sorrindo para uma pilha de batatas.
“As imagens que o governo escolhe para divulgar e entrelaçar a hagiografia de Kim falam muito sobre como Kim imagina o futuro da Coreia do Norte e seu lugar nele”, escreveu em 2018 Jung Pak, atualmente subsecretária adjunta do Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Em suas frequentes aparições públicas, Kim está presente em audiências militares, econômicas e sociais, como faziam seu pai e avô.
Mas também há imagens suas limpando arbustos, se divertindo em montanhas-russas, operando um tanque ou andando a cavalo.
“Kim parece querer reforçar a impressão de que é jovem, vigoroso, ativo, qualidades que também atribui ao seu país”, disse Pak em um relatório da Brookings Institution.
As fotos e vídeos cuidadosamente preparados são “uma parte universal da política” para ganhar apoio público, mas a propaganda norte-coreana obedece a motivos diferentes, comenta Michael Madden, pesquisador do Stimson Center.
“Na Coreia do Norte, não se trata de ser receptivo com a opinião pública e sim de influenciar como (…) os cidadãos veem ou contemplam o líder”, acrescenta.
– Cavalo branco –
A imagem pública foi “particularmente importante” para Kim quando assumiu precipitadamente o poder após a morte de seu pai Kim Jong Il em 17 de dezembro de 2011, explica Jean Lee, analista do Wilson Center.
“Herdou a liderança em um momento em que era jovem e virtualmente desconhecido pelo seu próprio povo”, afirma.
Madden acrescenta que o governo lançou uma “campanha de emulação” logo depois, com o jovem líder adotando a vestimenta e até o corte de cabelo de seu avô, o fundador da Coreia do Norte, Kim Il Sung.
A aparência surpreendente entre ambos alimentou inclusive especulações internacionais de que o jovem Kim havia engordado de propósito para aumentar a semelhança.
“A estratégia era apresentá-lo como a reencarnação moderna de seu muito querido avô – na aparência, personalidade e na política – para justificar seu direito a comandar” o país, afirma Lee.
No entanto, os analistas consideram que as imagens divulgadas pela agência de notícias KCNA ou pelo jornal Rodong Sinmun têm um objetivo que vai além da estética.
Em outubro de 2019, os jornais norte-coreanos publicaram imagens de Kim andando em um cavalo branco em uma paisagem nevada até a cúpula do sagrado monte Paektu.
É um motivo recorrente nas imagens dos antecessores de Kim, mas os observadores da Coreia do Norte o interpretaram como um sinal de uma nova direção política.
As fotos foram publicadas enquanto as negociações entre Washington e Pyongyang estavam em ponto morto após a fracassada cúpula entre Kim e Donald Trump. Para Madden, representaram “um imaginário anti-imperialista”.
As fotos diziam que “a Coreia do Norte não será abalada ou intimidada pelas grandes potências”, afirma.
– Tempos de adversidades –
O país empobrecido está imerso em múltiplas sanções internacionais pelo seu programa de armas nucleares e mísseis balísticos e sofreu escassez crônica de comida.
O país enfrenta sua pior crise econômica em anos, impactado pelas sanções ou pelo bloqueio autoimposto devido ao coronavírus.
Fotos do líder nos últimos meses mostram uma perda de peso significativa, “favorecendo uma imagem de Kim mais responsável para a população”, afirma Jenny Town, pesquisadora do Stimson Center.
A televisão oficial exibiu uma entrevista incomum de um cidadão anônimo afirmando que a população estava “de coração partido” por esta mudança física e que “todo o mundo começou a chorar” pelo emagrecimento de Kim.
As imagens buscam “mostrar que ele está fazendo sacrifícios em um momento difícil para o país”, disse Town, embora duvide de sua eficácia.
“Quanto mais essas adversidades durarem, menos chamativas serão as imagens do líder”, afirma.
