24/01/2025 - 12:29
País está profundamente dividido sobre acordo para pôr fim ao conflito e libertar reféns. Maioria dos israelenses quer que a guerra acabe; outros, como os ultradireitistas do governo, insistem em combater até o fim.Na semana passada, dezenas de caixões envoltos em bandeiras israelenses foram colocados em frente ao gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Eles faziam parte de um protesto de pessoas que defendem a continuidade da ação militar na Faixa de Gaza até a vitória ao invés do acordo atual de cessar-fogo e de libertação de reféns.
Após alguns atrasos, o acordo de cessar-fogo de três etapas entrou em vigor na manhã do último domingo (19/01). Naquela mesma tarde, as três primeiras reféns foram libertadas em troca de 90 palestinos, a maioria mulheres ou menores que estavam detidos em prisões israelenses. Mais quatro reféns deverão ser libertadas neste sábado (25/01).
O acordo, porém, deixou os israelenses divididos.
Membros do governo israelense e, em particular Netanyahu, declararam durante a guerra que um de seus principais objetivos era remover o grupo extremista Hamas do poder em Gaza.
Em 7 de outubro de 2023, o Hamas realizou um ataque terrorista massivo no sul de Israel, deixando cerca de 1,2 mil mortos, e sequestrou quase 250 pessoas. O evento desencadeou a guerra em Gaza, com uma brutal ofensiva militar israelense no território palestino.
Agora, 15 meses depois, os compromissos alcançados em Doha, onde o acordo foi negociado com a intermediação de representantes do Catar, Egito e de ambos os governos dos EUA – do ex-presidente Joe Biden e do atual mandatário, Donald Trump –, aumentaram as esperanças de que pelo menos alguns dos 97 reféns que ainda permanecem nas mãos do Hamas possam em breve retornar para suas casas.
“Capitulação perante o Hamas”
Aqueles que se opõem ao acordo o veem como uma capitulação perante o Hamas e uma recompensa por suas táticas violentas. De acordo com uma pesquisa de janeiro do diário israelense Ma’ariv, 19% dos israelenses são contra o acordo de cessar-fogo, que inclui o retorno dos reféns ainda mantidos em Gaza.
Uma dessas pessoas contrárias ao acordo é Avi, cujo nome verdadeiro não pode ser revelado por que ele é um soldado da ativa. Ao mesmo tempo em que ele diz que seu coração está com os reféns e suas famílias, ele afirma que derrotar o Hamas é muito mais importante.
“A sociedade aceita vítimas e pessoas sendo feridas muito mais facilmente do que reféns”, disse Ari à DW, acrescentando que, em sua opinião, a sociedade israelense precisa debater qual preço está disposta a pagar pela liberdade dos reféns.
“Muitos dos prisioneiros libertados retornarão ao terrorismo, o que custará mais vidas israelense”, argumenta Ariel, um advogado de Tel Aviv que deseja não ser identificado e também se opõe ao acordo.
Para o advogado, acordos assim encorajam grupos militantes a fazer mais reféns como um meio de atingir seus objetivos. “O Hamas tem uma ideologia assassina que continuará a perseguir enquanto tiver território para isso.”
Maioria quer fim da guerra e volta dos reféns
No entanto, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Instituto de Democracia de Israel em janeiro, a maioria dos israelenses (57%) apoia um acordo abrangente para a libertação de todos os reféns em troca do fim da guerra em Gaza.
Alguns deles podem ser encontrados nos protestos semanais de sábado à noite em Jerusalém. Na véspera do cessar-fogo, a atmosfera era solene e ligeiramente ansiosa. Havia uma sensação de que, embora o acordo não fosse perfeito, havia pelo menos um vislumbre de esperança de que ele pudesse trazer os reféns para casa.
Eshel esteve em quase todos os protestos de sábado à noite, pedindo ao governo que trabalhasse para a libertação dos reféns. “Só temos que esperar pelo melhor. Que dure até a segunda fase.”
Radicais de direita, porém, ameaçam derrubar o governo se a guerra não for retomada.
Governo sob ameaça
É somente na segunda fase do acordo que os 64 reféns restantes serão libertados. Mas essa fase terá que ser negociada entre os dois lados a partir do 16º dia do cessar-fogo temporário, com o objetivo de negociar um cessar-fogo permanente.
Ainda assim, dentro do gabinete ultradireitista religioso de Israel, o ministro das Finanças Bezalel Smotrich, do partido Sionismo Religioso, já deixou claro que deixará o governo se a guerra para desmantelar o Hamas não for retomada. Itamar Ben Gvir, até domingo ministro da Segurança Nacional, abandonou o governo junto com seu partido ultranacionalista Otzma Yehudit (Poder Judaico) e prometeu retornar apenas se a guerra for retomada.
“Netanyahu se recusa a entender o que todo israelense entende: esse acordo tem um preço, e o preço é alto. Um líder nacional precisa admitir o preço de tudo isso e lidar com ele”, escreveu o analista israelense Nahum Barnea esta semana no jornal diário Yedioth Ahronoth, referindo-se aos parceiros de coalizão do primeiro-ministro.
Apoiadores do acordo de cessar-fogo há muito acusam Netanyahu, que enfrenta acusações de corrupção, de atrasar qualquer acordo para garantir sua própria sobrevivência política e manter sua coalizão de governo intacta.
Cálculo político “incompreensível”
Após as três primeiras reféns libertadas através do acordo chegarem ao território israelense, Netanyahu divulgou uma declaração dizendo que “a nação inteira os abraça, bem-vindos ao lar”.
“A nação inteira os abraçou, Netanyahu, mas não o governo inteiro”, escreveu a jornalista israelense Sima Kadmon um dia após a libertação. “Sabemos quantos meses elas permaneceram lá desnecessariamente por causa de sua hesitação, anulação, procrastinação e covardia, e porque você capitulou às ameaças feitas por Ben Gvir, que desde então disse explicitamente como ele atrasou com sucesso um acordo de reféns por meses por razões políticas.”
Não está claro se a coalizão de Netanyahu entrará em colapso durante a segunda fase do acordo, mas este pode ser o começo do fim a longo prazo. Se Smotrich deixar o cargo, os partidos da oposição ofereceram uma rede de segurança para sustentar o governo durante a duração do acordo em fases. Depois disso, no entanto, eleições poderão estar próximas.
Para os que defendem o acordo, o cálculo político de Netanyahu é difícil de entender. Michael, que também estava no protesto de sábado, é próximo da família Horn, cujos dois filhos, Yair e Eitan, são reféns. Apenas um deles está na lista de reféns a serem libertados na primeira fase.
“É disso que estamos com medo. Acho que esse é o próximo embate político”, disse Michael à DW. “Temos que protestar para que eles cheguem até o fim a um acordo e tragam todos para casa, e respeitem todos os acordos. Porque se isso não acontecer, alguns dos reféns serão deixados para trás.”