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LUIZ CEZAR FERNANDES Está abrindo seu terceiro banco de investimentos. Os outros dois (o Garantia e o Pactual) foram criados em 1971, quando a Bovespa praticamente derreteu, e em 1983, o ano em que o Brasil mergulhou na crise da dívida externa e marcou o

 

 AOS 62 ANOS, O BANQUEIRO LUIZ CEZAR FERNANDES, um homem já rico e realizado, está saindo da toca. Depois de vários anos criando ovelhas na sua Fazenda Marambaia, na região serrana do Rio de Janeiro, ele passou a sentir o que define como uma “coceira” para voltar ao mercado. Cezar tem passado boa parte da semana na rua Líbero Badaró, um dos corações financeiros de São Paulo, na sede do Finabank, que tem uma das principais corretoras da Bovespa e da BM&F. É lá que ele organiza a criação de um novo banco de investimentos, que nascerá com capital entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões, tendo como sócios, além do Finabank, investidores institucionais da Ásia. A inspiração vem da lembrança de uma conversa que teve com Sandy Weill, excontrolador do Citibank, quando ele visitou sua fazenda há mais de dez anos. Weill lhe disse que criou o grupo Travelers, que veio a adquirir o Citi, depois de ser demitido da American Express, também aos 62 anos.

“Em casa, ele morreria de tédio”, diz Cezar. Há, porém, um fator adicional de motivação. “A oportunidade para um novo banco de investimentos nunca foi tão grande no Brasil”, diz ele.

“Essa é a hora de pegar o mercado no contrapé”.

Num momento em que as ações dos bancos de investimento derretem e em que o próprio modelo de negócio dessas instituições é questionado, a aposta de Luiz Cezar pode parecer uma estultice, uma espécie de suicídio coletivo. Crises profundas destroem o valor de ativos, inibem o consumo, travam investimentos e levam empresas à bancarrota – e a história do capitalismo está recheada de exemplos desse tipo. Mas também se constituem em um celeiro de oportunidades – e também não faltam casos de sucesso nesse departamento. Em 1932, quando a economia norte-americana atingiu o fundo do poço, empurrada pelo crash de 1929, as ações da IBM voltaram ao patamar de 1921. Em seu comando estava Thomas J. Watson, visionário para uns, maluco para outros. “E o que fez o sr. Watson em tempos de crise?”, pergunta o professor Silvio Meira, em um artigo publicado recentemente em seu blog. Motivou os funcionários, com a concessão de benefícios sociais, e ousou investir o equivalente a 6% do faturamento da empresa na construção do mais avançado laboratório de pesquisa e desenvolvimento daquela época. Assim, quando o governo americano aprovou no Congresso a lei do seguro social, em 1935, a IBM era a única companhia com capacidade para processar os registros dos 26 milhões de americanos beneficiados pela nova legislação.

 

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THOMAS J. WATSON O lendário executivo da IBM investiu 6% do faturamento da companhia em um centro de pesquisas no auge da recessão provocada pelo crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Com isso, tornou-se a única empresa capaz de processar os dados do serviço social americano, criado em 1935

 

 A empresa saiu da crise maior do que entrou, porque Watson farejou as oportunidades certas e investiu para aproveitá-las. “Essas oportunidades não são óbvias e não estão disponíveis em cada esquina. Identificá-las exige talento empreendedor e disposição para riscos”, afirma o consultor Almiro dos Reis Neto, da FranQuality. “Os resultados, porém, são recompensadores.” Um dos segredos é conciliar ações para superar os problemas gerados pela crise com o planejamento dos investimentos futuros. “É como apagar o incêndio e, ao mesmo tempo, fazer o projeto da nova casa”, compara Reis Neto.

Trata-se da receita utilizada por Fernandes.

“A recessão trará uma onda de consolidação e várias empresas brasileiras, que estão capitalizadas, terão oportunidades de internacionalização”, prevê. Além disso, ele diz que está havendo uma seleção natural no mercado financeiro. Como os bancos estrangeiros estão sendo capitalizados por governos que limitarão os ganhos dos executivos, os melhores sairão. Isso significa que as filiais brasileiras estarão subordinadas a comandos conservadores nas matrizes, com grande aversão ao risco.

Com a volta ao mercado prevista para acontecer ainda neste ano, logo após a compra de uma distribuidora de títulos de valores mobiliários, Luiz Cezar estará remando contra a corrente pela terceira vez em sua vida. Em 1971, ele foi um dos três fundadores da corretora Garantia, ao lado do lendário Jorge Paulo Lemann e do investidor José Carlos Ramos da Silva, depois de tomarem um empréstimo de US$ 1 milhão com o empresário Adolfo Gentil. Isso aconteceu em outubro, dois meses depois do primeiro crash de proporções catastróficas na Bovespa. “Eu me lembro de gente se suicidando naquela época, porque tinha vendido casa, carro e terreno para investir em ações”, lembra Cezar. Além disso, o próprio nome Garantia parecia agourento, porque corretoras com marcas como “Segurança” e “Confiança” estavam quebrando. A saída foi fazer jus à palavra garantia, passando a operar cada vez mais no mercado de renda fixa – em poucos meses, o Garantia se tornou a principal corretora de papéis como as ORTNs, os antigos títulos do Tesouro brasileiro.

 

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SERGIO AMOROSO Viu oportunidade onde todos enxergavam tragédia. A inflação subia e as empresas sofriam com o custo financeiro dos estoques. Em 1982, ele começou a operar em just-in-time, o que possibilitou a redução dos estoques dos clientes em 90%. Era o embrião do Grupo Or sa, que fatura R$ 1,4 bilhão

 

Cezar ficou no Garantia até o fim dos anos 80, mas decidiu partir para um outro vôo em 1983, logo após a moratória da dívida externa brasileira. “Era um tempo em que todos diziam que o Brasil estava morto; era só colocar na cova”, diz ele. O banqueiro tomou um empréstimo de US$ 400 mil junto ao Crédit Lyonnais e financiou dois amigos, o economista Paulo Guedes e o operador André Jacursky, e assim nasceu o Pactual. Naquele momento de crise e desconfiança aguda, também havia uma grande oportunidade. “As pessoas estavam atordoadas com a maxidesvalorização e com a inflação do Delfim Netto”, diz Cezar. “Nós achávamos que havia espaço para uma asset management, lastreada numa boa análise macroeconômica, num momento em que ninguém sabia o que isso significava”, diz ele. Em 1986, com uma filosofia de rentabilidade e preservação de capital, o Pactual já tinha US$ 3 bilhões em sua carteira.

Na maioria das vezes, as oportunidades encontram- se “escondidas” atrás dos obstáculos criados por uma crise. Quem poderia dizer, por exemplo, que a escalada inflacionária do início dos anos 80 seria um bom negócio? O empresário Sergio Amoroso acreditou que sim e, a partir daí, criou o Grupo Orsa, hoje um gigante do setor de embalagens de papel. Em 1982, ele notou que a inflação criara uma dor de cabeça na logística das empresas: a remarcação diária de preços ao consumidor as forçava a manter grandes estoques, o que gerava aumento significativo dos custos operacionais. Amoroso decidiu então arriscar. Passou a oferecer o então inédito sistema japonês just-in-time, que permitia redução dos estoques de 30 para apenas três dias, com preço preestabelecido e prazo de pagamento de um mês. Loucura? Parecia. Mas o primeiro cliente, a Nestlé, apostou na idéia e se deu bem. Logo no primeiro ano de uso do sistema, a multinacional obteve economia de US$ 2 milhões na fábrica de biscoitos São Luiz. “Foi a primeira vez que o cliente me chamou para uma reunião e pagou o almoço”, relembra Amoroso. “Surgimos graças à hiperinflação.” Apesar da estréia bem-sucedida, os amigos de Amoroso tentaram convencer o empresário de que não era hora de apostar. Sem sucesso.

“Adotei o pensamento que hoje é usado pelas classes C e D. Quando falavam em crise, eu dizia ‘isso não é comigo.'” Na contramão da lógica, ele decidiu diversificar os negócios. Entrou para o segmento de embalagens – um dos fiéis termômetros da atividade econômica – e não parou mais de crescer. O Grupo Orsa faturou no ano passado R$ 1,4 bilhão – 40% veio do mercado externo – e deve, no mínimo, ampliar em 10% o desempenho de 2008. “A crise atual é grave, é verdade. O mercado secou e, sem dinheiro, tudo pára. Mas, em tempos de crise, se o horizonte é nebuloso, olhe para o lado. Geralmente, é onde está a oportunidade.”

Pode ser uma decisão mais rentável do que tentar fugir da recessão. “Quando há uma crise, todo mundo vai embora. Isso abre janelas de oportunidades aos que decidem ficar”, afirma o diretor de marketing da LG no Brasil, Eduardo Toni. Em 1997, diante da maior crise financeira da Ásia desde a Segunda Guerra, a sul-coreana LG Electronics tomou o caminho contrário. A companhia desembarcou no Brasil naquele mesmo ano em busca de alternativas à tempestade que empurrava os tigres asiáticos ao poço, mesmo sabendo que os efeitos da crise de lá também eram assustadores por aqui.

Logo de cara, ergueu dois complexos industriais de R$ 350 milhões (um na Zona Franca de Manaus e outro em Taubaté (SP) e contratou três mil pessoas. Em menos de cinco anos, a marca já despontava entre as líderes em produção de telefones celulares e televisores de plasma e LCD, segmento em que a LG foi pioneira no mercado nacional. Sempre apostou em aparelhos inovadores, em contrapartida aos concorrentes, que, por conta da crise, pouco renovavam seu portfólio de produtos ou deixaram o País. “O custo de ir embora e depois voltar é muito mais alto do que ficar até a crise passar.”

O argumento do executivo faz sentido. A aposta nos mercados da América Latina, principalmente o Brasil, foi decisivo para garantir saúde financeira à companhia em meio ao terremoto que sacudia as economias asiáticas. Hoje, com faturamento de US$ 3 bilhões, o Brasil é o segundo principal mercado para a LG, atrás somente dos EUA. Os riscos de recessão na terra de Bush podem colocar o País no topo do ranking dos 110 mercados em que a LG atua. Embora reconheça que a atual crise global seja uma ameaça aos negócios no curto prazo, a LG incorpora a postura adotada em turbulências anteriores: vai aumentar os investimentos e as contratações, que já somam 5,5 mil trabalhadores. “Vamos reforçar a ofensiva nos segmentos de informática e celulares. Como está mais fácil acertar na Mega Sena do que adivinhar o que vai acontecer nos próximos meses, vamos nos preparar para o futuro, sem temer ou subestimar a crise atual”, diz Toni.

 

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DUARDO TONI A crise asiática atingiu em cheio a coreana LG. No meio da tormenta, a empresa decidiu jogar suas fichas no Brasil, onde os efeitos da crise também tinham derrubado a economia. Em 1998, ergueu duas fábricas no País para produzir eletrônicos. Hoje é líder nacional em TVs de plasma

 

A advertência de Toni é fundamental. Tempestades como a atual devem ser monitoradas com olhos de lince. É como dirigir no nevoeiro: a cautela deve ser redobrada, mas a freada brusca provoca acidentes graves. “Há dois tipos de empresa na crise: a que adota um excesso de reação e a que fica em estado de inércia. As duas estão erradas. Em geral, decisões exageradas para mais ou para menos agravam o problema”, diz Roy Martelanc, professor de finanças do curso de administração FEA-USP. A Ideiasnet é hoje a maior holding de internet do País, embora tenha nascido no ventre do mais feroz maremoto que atingiu o setor. Seu lançamento ocorreu em dezembro de 1999, três meses antes do estouro da bolha da internet. O IPO, o primeiro de uma pontocom no Brasil, estava previsto para junho de 2000. Uma empresa mais conservadora congelaria o projeto, assim que a bolha tivesse estourado. “Decidimos tocá-lo em frente”, diz Luis Reátegui, presidente da Ideiasnet. Ao mesmo tempo que tomou a decisão arrojada, a holding começou a passar um pente-fino no portfólio de investimentos. Negócios deficitários foram abandonados. Dos 19 projetos existentes em 2000, apenas dez chegaram a 2004. Empresas com forte geração de caixa foram privilegiadas.

Os custos administrativos também passaram pela tesoura. Todas as sinergias possíveis foram implementadas. Por exemplo: quatro empresas com similaridades foram reunidas debaixo de uma sub-holding. “Foi um ajuste duríssimo que nos custou muito”, afirma Rodin Spilmann, diretor financeiro. As ações cujo preço de lançamento bateu em R$ 11 chegaram ao fundo do poço em maio de 2003, com valor de R$ 0,20. A partir daí, recuperaram-se até voltar ao patamar dos R$ 10. A valorização deve-se não apenas à retomada, diz Reátegui. “Ao longo de todo esse tempo, continuamos a buscar novas oportunidades”, conta ele. Hoje, a Ideiasnet reúne 18 empresas com atuação na web. Somadas, suas receitas batem em R$ 1 bilhão. A mesma receita será utilizada na crise dos dias de hoje. A companhia possui em caixa R$ 100 milhões, recursos arrematados em uma nova emissão de ações em maio deste ano. “Os ativos estão ficando baratos e vamos aproveitar esse cenário”, garante Reátegui. “Vamos às compras.”

 

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TERESA VERNAGLIA Motivada pelo advento da internet, a AES, gigante de energia elétrica, passou a oferecer infra-estrutura para a rede. Mas, a partir de 2000, com a superoferta desse serviço, todas as concorrentes foram parar nas mãos de operadoras de telefonia. A AES Telecom é a única independente do setor

 

 É certo, e até compreensível, que o sentimento de Reátegui não seja predominante no mundo corporativo nestas últimas semanas. Para alguns economistas, porém, embora a cautela seja obrigatória, é possível atravessar a turbulência e sair mais forte dela.“Esse medo vem de fora”, afirma Martelanc, da FEA/USP. “Passamos quase três décadas em crise. Chegamos a estranhar o crescimento econômico. Então, mesmo que a crise nos atinja, a economia e as empresas estão mais preparadas.” É o mesmo raciocínio desenvolvido nos corredores da AES Eletropaulo Telecom – braço de telecomunicações da distribuidora de energia. Em 1998, na fase das grandes privatizações, a AES percebeu que havia um nicho a ser explorado também na área de telefonia. Sem infra-estrutura, o País se abria a investimentos estrangeiros, mas não possuía redes que pudessem atender ao crescimento da demanda. Era como comprar um carro novo num país sem ruas e estradas.

 

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LUIS REÁTEGUI A bolha da internet acabara de estourar e a Ideiasnet, holding de empresas vir tuais, manteve os planos de fazer seu IPO. Era o ano 2000. As ações sofreram, mas dali surgiu um grupo com faturamento de R$ 1 bilhão e caixa de R$ 100 milhões para compra de companhias que, com a crise, ficarão baratas

 

A AES tinha a concessão elétrica e assumiu a responsabilidade da manutenção dos postes de rua. Por isso, bastaria criar uma rede de fibras óticas para as operadoras de telefonia fixa e móvel. Foi o que ela fez, assim como algumas outras empresas, entre elas Metro Rede, AT&T e Pegasus. Mas os planos não saíram como se imaginava. Com o estouro da bolha da internet, dois anos depois, muitas companhias que haviam investido no País quebraram. A Metro Rede foi absorvida pela Brasil Telecom, a rede da AT&T pela Telmex e o cabeamento da Pegasus pela Telemar. Pronto. Tudo indicava que a AES Eletropaulo Telecom teria o mesmo destino. “O período foi duro para o setor. Não havia liquidez, era pior do que está hoje, e o nível do endividamento era grande”, recorda a diretora-geral, Teresa Vernaglia. Mas, em vez de fechar as portas, como sugeriam os acionistas da AES Eletropaulo, a empresa de telecomunicações traçou plano anticrise, colocou novos profissionais em cargos de comando e renegociou a dívida, que superava US$ 1,2 bilhão. Em 2003, a empresa entrou no azul pela primeira vez. Desde então, cresce a uma taxa média de 20% ao ano e deve fechar 2008 com faturamento superior a R$ 75 milhões. “Por termos passado por uma grande crise logo no início, aprendemos a sobreviver em períodos difíceis. Graças à experiência, temos hoje uma operação enxuta, racional e que nos dá mais segurança em fases de transição, como agora”, completa Teresa. O braço carioca do grupo, a AES Comunications, passou pelo mesmo sufoco. “A gente aprendeu nas crises anteriores. Por isso, criamos uma disciplina financeira extremamente rígida. Os investimentos são muito seletivos. Agora a empresa está mais bem preparada para tempos difíceis, como o que está por vir”, acrescenta Sergio Pepe, presidente da AES Comunications.

 

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ANDRÉ ESTEVES O epicentro desta crise reside no setor financeiro. Isso não impediu que o ex-sócio do Pactual abrisse um banco, o BRT, meses atrás, e, em pleno outubro de 2008, no auge da crise, adquirisse a operação brasileira do Lehman Brothers, o banco americano que sucumbiu à falta de liquidez

 

Os exemplos de dirigentes como Pepe podem influenciar uma nova geração de empreendedores e ajudar o País a atravessar a crise sem se machucar demais. Curiosamente, o banqueiro que sucedeu Luiz Cezar Fernandes (o homem que criou dois bancos de sucesso em meio a dois terremotos financeiros) no comando do Pactual, o jovem André Esteves, também está criando uma nova casa bancária. Com sócios como Persio Arida e Winston Fritsch, dois dos principais economistas do Plano Real, ele está criando a BTG – Banking and Trading Group. De quebra, na semana passada, anunciou a compra da operação brasileira do Lehman Brothers, uma das primeiras vítimas do derretimento do sistema financeiro americano. “Este é o momento ideal para o que pretendemos fazer”, diz ele. Embora não possa competir diretamente com seu ex-empregador, o UBS, que comprou o Pactual por US$ 3,1 bilhões, Esteves terá fundos com capital estimado em até US$ 3 bilhões para atuar em private equity, na compra de participações em empresas brasileiras, e também na gestão de recursos. Como o mercado se fechou para novas emissões de ações, justamente o movimento que foi liderado pelo Pactual na gestão Esteves, ele aposta que agora será a vez do private equity. Além disso, como teve a sorte de se capitalizar bem antes do crash, ele tem hoje um ativo raro no mundo: liquidez. Sua fortuna pessoal é estimada em mais de US$ 1 bilhão e foi forjada em um país, o Brasil, que, segundo muitos olhares, vive numa crise permanente.