Os latinos de língua espanhola usam, com frequência, a expressão “darse un gusto”, que poderia ser traduzida para “fazer-se um gosto”, no sentido de expressar o ato de autopresentear-se, sem motivo aparente. 

 

Comprar um produto mais caro que o convencional, fazer uma viagem especial, trocar de carro. Tudo aquilo que funcione apenas para o deleite próprio. 

 

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No Brasil, em vários momentos de bo-nança econômica recente, o consumidor deixou fluir esse prazer. Foi assim em 1994, com o fim da inflação que corroía a renda, e tem sido assim nos últimos anos, com a expansão do crédito. 

 

É uma espécie de compensação pelos anos de dinheiro restrito, suficiente apenas para as obrigações insossas da vida, como pagar as contas do mês. 

 

Pois esse comportamento não passa incólume pelo mercado, que se apressa em oferecer melhores produtos e serviços. Mas infelizmente também… maiores preços. 

 

Num momento em que a inflação volta à baila por motivos reais – alta internacional de commodities, pressão de demanda em setores com baixa oferta – há uma parcela dos aumentos de preços no mercado que não se justifica. Em alguns pontos do País há o que o sociólogo Bernardo Sorj, especialista em consumo, chama de “delírio de preços”.

 

“Um café no Rio de Janeiro hoje é mais caro do que na Itália, assim como um croissant em São Paulo está mais caro do que em Paris”, afirma. 

 

“Isso não faz o menor sentido”. Esses preços só existem, porém, porque há uma conivência com eles, explica Sorj, que é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

 

O comodismo natural de frequentar os mesmos lugares, principalmente entre aqueles que são mais abonados, tem sustentado essa alta. Pelo menos, por enquanto. 

 

Os 30 milhões de brasileiros que ascenderam à classe C incluíram o deleite em seus orçamentos e, portanto, não vão abrir mão desse direito tão facilmente. “Está caro, não compro” é uma linha de corte pragmática em suas vidas. 

 

Quem está numa faixa de renda um pouco acima também já começou a fazer contas. E se pergunta por que a inflação dos alimentos influencia o preço da tinturaria.  O próximo passo é trocar de tintureiro.

 

Há, nesse gesto do consumidor, uma brecha que pode ajudar a quebrar parte da inércia inflacionária. E ou-tros elos da cadeia do consumo também se prontificam a cortar o mal pela raiz. 

 

É o caso do varejo, que já entendeu que inflação e boas vendas não combinam. “Sempre tivemos o papel de vigilantes do preço”, diz Hugo Bethlem, vice-presidente do Grupo Pão de Açúcar. 

 

De fato, em 1999, os supermercadistas tiveram papel decisivo ao usar o poder de barganha com a indústria para não repassar aumentos depois da desvalorização cambial daquele ano. 

 

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chamou a indústria a também fazer a sua parte em prol da estabilidade de preços. 

 

Durante a reunião do Grupo de Avanço para a Competitividade, o ministro pediu aos empresários que evitem a remarcação de preços. 

 

A platéia ouviu atentamente ao pedido. Mas não deixou de lembrar o ministro que o governo também tem uma parte que lhe cade nesse latifúndio. 

 

Compete ao poder público acelerar as prometidas medidas de desoneração tributária, para compensar as pressões reais da inflação.