Setor de apostas no Brasil gasta bem acima da média mundial em publicidade. Segundo especialistas, regulação insuficiente no país também abriu porta para práticas agressivas para manter usuários presos a apostas.Na atual Copa do Mundo de Clubes, um dos principais destaques é a onipresença das propagandas das casas de apostas. Observando as estratégias das plataformas, o investimento faz total sentido: levantamento do setor apontou que, ao longo da vida, cada cliente conquistado pelas bets rende, em média, quase sete vezes o que se gastou para atraí-lo.

Apesar da regulamentação, as plataformas seguem com estratégias e um marketing pesado para fazer com que os apostadores sigam jogando, algo criticado por especialistas.

No ano passado, um relatório do Itaú Unibanco estimou os gastos do setor com marketing no Brasil entre R$ 5,8 e 8,8 bilhões. Como resultado, a hipótese do banco é a de que as empresas do setor gastem entre 45% e 75% de suas receitas com publicidade, algo impensável para outros setores. Em 2023, a estimativa é de que 3,5 bilhões destes gastos tenham sido direcionados ao ambiente esportivo.

As camisas de clubes são o efeito mais visível deste cenário no Brasil. Atualmente, todas as equipes da primeira divisão do país contam com casas de apostas como seus principais patrocinadores. Agentes de outros setores alegam que as plataformas inflacionaram o mercado e fizeram com que fosse inviável seguir no meio.

“Há uma particularidade destas plataformas, que é a de envolver muito retorno com um serviço que demanda custo de manutenção muito baixo, o que ajuda a explicar como o foco da receita vai para o marketing, já que trazer novos usuários é o principal”, afirma Eric Messa, professor de Midia Digital e coordenador dos cursos de Publicidade e Relações Públicas do Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP).

Em comparação com a média mundial, os investimentos em publicidade no Brasil se destacam. Segundo o levantamento do Itaú Unibanco, no Reino Unido, o gasto com marketing tem se situado em torno de 20% da receita bruta das empresas.

Nos Estados Unidos, onde o mercado de apostas também está em fase de expansão, as empresas gastam próximo a 30% de suas receitas. “No Brasil, as empresas se aproveitam de um consumidor ainda muito inexperiente. Uma sociedade mais madura para o tema talvez já não gaste tanto com apostas”, avalia Messa.

Lucratividade do mercado

No ano passado, relatório da OpenBet, empresa que presta serviços ao setor, apontou que cada usuário tem custo em média de aquisição para a plataforma de R$ 354, mas que, ao longo da vida, rende R$ 2.735 para a casa.

Na visão de Messa, trata-se de uma grande reversão, e que explica como o setor pode gastar tanto em comunicação. “Chega a desequilibrar os valores do mercado, como é o caso que vemos nos patrocínios esportivos. Os espaços vão priorizar as casas de apostas, já que outras empresas não terão como pagar o mesmo”, aponta.

Deste público, a maior parte, com 39%, gasta entre R$ 10 e R$ 50 por semana com apostas, enquanto uma menor parcela, 7%, faz aportes superiores a R$ 200.

Cerca de 50% dos apostadores de esportes online apostam semanalmente, enquanto 21% apostam diariamente. Até 2026, a expectativa é de que o país tenha 39 milhões de contas ativas e que, cada uma, gere, em média, R$ 745 em receita bruta em jogos (GGR, na sigla em inglês), que representa o valor que recebido pela plataforma, mas descontado dos prêmios pagos aos ganhadores.

Efeitos da regulamentação

No começo de 2025, passou a valer a regulamentação para o setor no país, que criou algumas medidas elogiadas por especialistas, como a proibição de afirmar que apostas são um meio de se obter renda extra e os chamados “bônus de boas-vindas”, que serviam para atrair novos usuários. O marketing dirigido a menores de idade também foi amplamente restrito.

“Entre 2018 e 2023, houve a falha de deixar correr solta a publicidade, com um cenário de caos, com o jogador sendo estimulado a apostar cada vez mais”, afirma Christian Printes, gerente jurídico do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

Por sua vez, o modelo atual, focado na autorregulamentação, é ineficiente em sua visão, já que tende a favorecer os prestadores de serviços sem abordar o consumidor em posição vulnerável.

Ele lembra que as restrições a menores não impedem que os jovens sigam convivendo com a publicidade durante transmissões esportivas, ou nas próprias redes sociais, que, apesar dos termos de uso, muitas vezes contam com utilizadores com menos de 18 anos.

A visão é compartilhada por Ivelise Fortim, professora de psicologia e de tecnologia em jogos digitais da PUC-SP, que avalia que houve pouca mudança na prática com a regulamentação. “Muitos influenciadores seguem fazendo a publicidade, enquanto o futebol normaliza a prática”, pontua.

Além disso, em sua visão, o fato de as apostas serem apontadas como produtos para adultos responsabiliza as famílias pelo eventual envolvimento dos jovens com o jogo, o que frequentemente é difícil controlar no ambiente digital.

“Jogue agora e ganhe”

Fortim destaca ainda uma série de mecanismos utilizados pelas plataformas para estimular os usuários a jogarem mais, incluindo ofertas de bônus e promoções anunciadas como temporárias que ofertam supostas vantagens caso os usuários usem a plataforma naquele período de tempo delimitado pela empresa.

A DW fez uma ampla busca pelas redes sociais das plataformas regulamentadas no país, e encontrou que a oferta de bônus, normalmente chamadas de “rodadas grátis” ou “giros” para cassinos se tornou uma das principais formas de atração para que os usuários sigam apostando.

“Este tipo de oferta, como as rodadas grátis, pode ser visto como prática abusiva das empresas, uma vez que prevalecem da ignorância do consumidor para impingir um produto”, avalia Printes.

Na visão de Printes, é importante avaliar o modelo de negócios destas empresas, o que ajudaria na compreensão dos riscos de tais ofertas. “Pelas chances, você vai mais perder do que ganhar pela própria dinâmica da aposta que é feita ali. Sabemos que é incompatível com o que é prometido. Ou o próprio negócio não existiria, já que a conta não fecharia”, ressalta.

“Temos que ver com muita parcimônia esse estímulo para que o consumidor siga jogando. Estão sempre ali tentando empurrar um produto para alguém que muitas vezes não tem a capacidade de entender todos os termos do que aquilo significa”, pondera.

Outro elemento em questão é a exibição das chamadas “odds” nas transmissões, as probabilidades que as equipes possuem, e, consequentemente, o rendimento de cada aposta. Recentemente, se tornou comum que os canais esportivos exibam estas informações no Brasil. “As odds estimulam a jogar naquele momento, e instigam ao jogo, sendo uma publicidade que não deveria ocorrer”, pontua Printes.

No Senado, um projeto de restrição da publicidade de apostas esportivas proíbe a exibição das odds. Aprovado na Casa, a proposta ainda deve ser votada na Câmara.

Em ao menos três casos, a reportagem encontrou conteúdos nos stories do Instagram que violam as regras da regulamentação. Nestes casos, jogadores se gravavam jogando nas plataformas e conseguiam ganhos que diziam ser fáceis, sem nunca perder. A prática que foi recorrente entre muitos influenciadores, com alguns confessando o uso de logins falsos e programados para as reproduções viciadas.

“Que pancada, meu amigo. Aumentei a bet, acho que tem seis símbolos ali, do melhor símbolo do jogo. São R$ 2 mil com o mega ganho. Se liga no próximo stories que tem link para vocês do nosso Fortune Tiger”, afirma o autor de um dos vídeos, no qual aparece jogando o cassino online que se popularizou no país como “jogo do Tigrinho”.

O próprio uso de figuras como o tigrinho e a do foguetinho, outro cassino online popular no país, fazem parte de uma estratégia conhecida como “gamificação” das apostas, aponta Fortim. Segundo a especialista, o design manipulativo nestes casos é uma tática recorrente das empresas do setor, e que conta com especial apelo junto aos jovens. Na visão Printes, barrar a publicidade deste tipo de animação seria outro passo importante na regulamentação do setor.