Com ações a R$ 0,84, a Americanas S.A. (AMER3) amarga um ano desde o anúncio do escândalo envolvendo inconsistência contábil de R$ 20 bilhões – corrigidos depois para um rombo que, com a dívida bruta da companhia, somavam R$ 40 bilhões. 

Mais de 5,5 mil demissões até o final de 2023 e 95 lojas fechadas fazem parte do espólio do escândalo. A holding tenta se recuperar no mercado financeiro, em paralelo com a aprovação do plano de recuperação judicial fechando 2023. Para analistas, o PRJ aprovado deu fôlego, mas a imagem da Americanas está cada vez mais distante de um retorno ao clube das maiores varejistas do país.

Resumo

  • Americanas entrou com recuperação judicial em janeiro de 2023 após escândalo de rombo e fraude;
  • Em junho, um relatório emitido pela própria companhia apontou bilhões de reais em fraudes e lançamentos indevidos;
  • Em novembro, a empresa demitiu, no período de uma semana, mais de 5,5 mil colaboradores.
  • A empresa admitiu que ainda possuía R$ 21,1 bilhões em dívidas, sem contar o endividamento bancário.
  • Até setembro de 2023, a varejista fechou 95 lojas.

“Neste momento a [possibilidade de] falência está afastada, principalmente com a aprovação do plano de recuperação judicial que foi realizado agora em dezembro. Pela própria natureza da recuperação judicial, será necessário acompanharmos as ideias, processos e procedimentos que nela foram estabelecidos e postos em prática”, explica Rafael Zuanazzi, advogado empresarial e sócio da Russell Bedford Brasil.

No plano de recuperação judicial proposto, os bancos passarão a ser acionistas do negócio, pela conversão de R$ 12 bilhões de dívidas em ações. “Há uma grande complexidade sobre a forma do aceite da recuperação, mas aparentemente a relação está normalizada, dentro de um novo contexto”, reforça Zuanazzi.

Para Daniel Nogueira, sales de Renda Variável InvestSmart XP, existe uma dificuldade grande de posição por parte das casas de research para o papel, além da complicada projeção dos números e aplicação dos modelos matemáticos. “Temos uma empresa em que os reais números dos últimos anos vieram à tona há pouco tempo, uma imagem fragilizada frente ao público por conta da fraude e um cenário ainda difícil de juros altos, mesmo que em tendência de queda”, afirma.

Anúncio do rombo e renúncia de CEO: relembre o caso

A fraude veio à tona em 11 de janeiro de 2023, por meio de fato relevante, anunciando a inconsistência contábil de R$ 20 bilhões e a saída de Sergio Rial, CEO da empresa, que deixou o cargo após 10 dias na holding, seguido de André Covre (diretor financeiro e de relações com investidores), que também “abandonou o barco”.

No dia 13, a agência Fitch de classificação de risco rebaixou o rating de crédito da Americanas “AA+(bra)” para “CC(bra)”; a sigla representava o risco alto de calote no mercado.

O BTG Pactual, então na lista dos principais credores, apresentou uma liminar para derrubar a Tutela de Urgência, garantida pela Americanas no dia anterior. Tratava-se de um pedido de proteção judicial para ‘segurar’ o prazo de pagamento de dívidas, já reclamadas por acionistas, por 30 dias. A medida também garantia que somente após esse prazo seja apresentado um pedido de recuperação judicial.

Logo em seguida, a Justiça do Rio negou o pedido do BTG, que afirmava, em petição, se referindo a Lemann, Sicupira e Telles:

“Os três homens mais ricos do Brasil (com patrimônio avaliado em R$ 180 bilhões), ungidos como uma espécie de semideuses do capitalismo mundial “do bem”, são pegos com a mão no caixa daquela que, desde 1982, é uma das principais companhias do trio.

No dia 19 de janeiro de 2023, a Americanas ingressou na justiça buscando proteção via recuperação judicial, relatando dívida de R$ 40 bilhões. A empresa afirmava ter R$ 100 milhões em caixa; o 3G Capital anunciava, na mesma época, uma possível ajuda de R$ 6 bilhões.

As ações das Americanas (AMER3) caíram de R$ 10,41 em 6 de janeiro de 2023 para R$ 0,84 em 10 de janeiro de 2024. A desvalorização passou dos 90%.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada em 17 de maio de 2023 para investigar as operações e práticas comerciais da varejista. Porém concluiu os trabalhos sem apontar responsáveis pelo rombo bilionário. Parte do colegiado apontou “blindagem” ao trio do 3G Capital, e o relator, deputado Carlos Chiodini (MDB-SC), afirmou não haver provas suficientes para responsabilizar os culpados.

Fraude comprovada

Em 14 de junho, a Americanas admitiu a fraude nas contas da empresa. O documento confirmava também que o ex-presidente-executivo Miguel Gutierrez, fora da holding desde dezembro de 2022, fez parte do rombo.

Por meio de fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a varejista notificou que as fraudes vinham de contratos fictícios de Verba de Propaganda Cooperada (VPC), uma quantia negociada entre fornecedores e varejo para cobrir eventuais custos com publicidade e propaganda. O comunicado informava:

  • Diversos contratos de VPC artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da companhia atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022;
  • Ausência de lançamentos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado da companhia ao longo do tempo, totalizando o saldo de R$ 3,6 bilhões em 30 de setembro de 2022. Portanto, no que diz respeito aos resultados da companhia ao longo do tempo, a fraude descrita ajudou a incrementá-lo em R$ 25,3 bilhões.

“Com a saída de nomes da diretoria e a contratação de empresa independente para analisar o fato, foi divulgado comunicado ao mercado relatando que as tais inconsistências eram fraude, sendo no mesmo documento estabelecido que a antiga diretoria tinha conhecimento do ocorrido, porém isentou os conselheiros e acionistas de qualquer participação”, recorda Zuanazzi.

O que vem por aí

Quase um ano depois, a Americanas recebe, em julgamento do plano de recuperação judicial, um aporte de R$ 24 bilhões com a aprovação em Assembleia Geral de Credores. O pagamento será dividido entre os três principais acionistas e os bancos credores. Hoje, a empresa é comandada por Leonardo Coelho, no cargo de CEO, e Camille Faria, como CFO.

Em comunicado para a Dinheiro, a varejista reforça que o plano dará “início ao pagamento das dívidas e à capitalização de R$ 24 bilhões, com aporte de R$ 12 bilhões pelos acionistas de referência e conversão de dívidas de R$ 12 bilhões pelos credores financeiros”.

“O objetivo da companhia para os próximos anos é continuar a ser o operador de varejo mais simples e diverso do país, com presença em todo o Brasil, suporte de uma robusta malha logística, um marketplace que privilegia a experiência de consumidores e sellers e o relacionamento próximo com seus milhares de clientes. Esta base sustentará o sucesso da implementação do Plano Estratégico de Negócios, que possibilitará atingir, em 2025, Ebitda superior a R$ 2,2 bilhões, com caixa e recebíveis na ordem de R$ 2,5 bilhões e dívida financeira bruta de até R$ 1,5 bilhão.”

O PRJ aguarda homologação, que deve ocorrer ainda em janeiro de 2024. Instituições como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, fundos do Itaú, BTG e Banco Votorantin estão entre os credores que acordaram previamente em apoiar o plano.

“2024 é o ano em que vai ser visto se o plano tem sucesso ou não. Deve haver um bom relacionamento, principalmente da diretoria executiva da empresa, um conselho muito bem formado com visão do momento que a empresa está passando; as relações entre os três principais acionistas, os bancos, os credores têm que ser muito bem administradas. Se passar dessa forma, com alinhamento entre uma excelente gestão e relação tripartite, aí a partir de 2025 é que a empresa pode sim dar o seu salto e se reerguer”, avalia Roberto Gonzalez, especialista em governança corporativa.