26/06/2025 - 14:18
O regime dos mulás no Irã está em crise. Mas Trump não parece ter planos de derrubá-lo. Ainda assim, as relações entre Teerã e Washington podem estar em um ponto de virada. Não seria a primeira vez.Passados doze dias, a guerra entre Israel e Irã parece ter chegado ao fim. O cessar-fogo foi imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quase 48 horas após ele interceder em favor de Tel Aviv e bombardear instalações nucleares de Teerã.
Por ora, é difícil avaliar quão enfraquecido o regime iraniano está. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirma que a missão de aniquilar os programas nuclear e de mísseis iraniano, “duas ameaças existenciais e imediatas”, foi cumprida.
Nos Estados Unidos, contudo, há dúvidas sobre a extensão dos danos ao programa nuclear. A questão é relevante também para as relações entre Washington e Teerã, que nos últimos anos têm sido tensas. Mas nem sempre foi assim.
Antes de 1951: Irã, semente da Guerra Fria?
Até o final da Segunda Guerra Mundial, o Irã foi, muitas vezes, um joguete nas mãos de potências estrangeiras – sobretudo do Reino Unido e da União Soviética.
Em 1941, tropas soviéticas e britânicas invadiram o Irã e forçaram o xá (monarca) a transferir o governo para seu filho de 22 anos, Mohammad Reza Pahlavi. O principal objetivo era evitar que os campos de petróleo iraniano caíssem nas mãos dos alemães e assegurar uma rota de abastecimento pelo “Corredor Persa”.
A disputa sobre o fim da ocupação desencadeou, no final de 1945, a chamada Crise do Irã, provocada pela intenção dos soviéticos de se apoderarem permanentemente de uma fatia do país. A saída dos soviéticos só ocorreu após pressão do presidente dos EUA, Harry Truman. Autoridades no assunto, como o cientista político George Lenczowski (1915-2000), consideram que essa crise foi um dos episódios que marcou o início da Guerra Fria, porque foi “catalisador” de uma “reorientação radical da política externa americana”.
1951-1953: Golpe patrocinado pelos EUA e Reino Unido
Em 1951, sob a liderança do primeiro-ministro iraniano Mohammad Mossadegh – o primeiro eleito democraticamente no país –, o parlamento iraniano aprovou a estatização do setor de petróleo.
Desde 1909, o Reino Unido detinha praticamente o monopólio do petróleo no país e repartia uma fração ínfima dos lucros com o Irã. Mossadegh, que originalmente era contrário a estatizações, acabou se provando irredutível nas negociações.
Contrariados, os britânicos quiseram intervir militarmente para assegurar os interesses da Anglo-Iranian Oil Company, hoje British Petrol (BP), mas foram freados pelos Estados Unidos.
Paralelo a isso, houve uma disputa de poder entre Mossadegh e o xá Pahlavi. Foi aí que, temendo que o Irã se alinhasse à União Soviética, EUA e Reino Unido se uniram para derrubar o primeiro-ministro.
“O golpe contra Mossadegh provavelmente plantou em grande parte da população iraniana a semente dos ressentimentos antiamericanos que mais tarde viriam à tona, especialmente durante a Revolução Islâmica”, explica Benjamin Friedman, do think tank americano Defense Priorities.
1953-1979: A Revolução Branca e a crise do petróleo
Com a intervenção ocidental, o setor do petróleo foi dominado por um consórcio anglo-americano e o Irã passou a receber mais lucros, tornando-se um dos parceiros mais importantes dos Estados Unidos no Oriente Médio, ao lado de Arábia Saudita e Israel. Com a parceria, Teerã ganhou a ajuda de Washington para desenvolver um programa nuclear civil.
O golpe consolidou o poder de Pahlavi, cuja monarquia tornou-se cada vez mais autoritária, com a condescendência dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o xá modernizou o país com sua “Revolução Branca” em 1963. Mulheres passaram a poder votar e se candidatar, houve uma ampla reforma agrária, a indústria foi privatizada e uma campanha de alfabetização foi lançada.
Desde 1979: Revolução Islâmica e duas guerras do Golfo
Em janeiro de 1979, Estados Unidos, França e Reino Unido deixaram de apoiar o xá, levando o monarca a fugir do Irã duas semanas depois. Mais duas semanas depois, o aiatolá Ruhollah Khomeini voltou do exílio na França e foi entusiasticamente recebido em Teerã por milhões. Nascia ali a Revolução Islâmica.
Gravemente doente, Pahlavi se refugiou nos Estados Unidos. O Irã exigiu que ele fosse extraditado. No final de 1979, estudantes iranianos ocuparam a embaixada americana em Teerã e fizeram reféns 52 cidadãos americanos por 444 dias, levando os EUA a romperem as relações diplomáticas.
Quando o Iraque atacou o Irã em 1980, Washington se aliou a Bagdá e apoiou o ditador Saddam Hussein até o fim da guerra, em 1988.
Ao longo do conflito, o Irã ergueu o Hezbollah no Líbano. Entre as primeiras ações atribuídas ao grupo estão dois atentados a bomba em 1983 que visaram a embaixada americana e uma base militar franco-americana, com mais de 250 mortos. Em resposta, o Departamento de Estado americano classificou o Irã como apoiador do terrorismo e impôs as primeiras sanções contra o regime dos mulás.
1998-2001: Clima entre EUA e Irã melhora
Anos depois, o presidente iraniano Mohammad Chatami adotou um tom conciliador em relação aos EUA, e a chefe da diplomacia americana Madeleine Albright admitiu o envolvimento da Casa Branca no golpe contra Mossadegh em 1953. Segundo Albright, a política de Washington em relação a Teerã havia sido até então “lamentavelmente míope”.
Após o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas em Nova York, Irã e EUA chegaram até mesmo a formar uma aliança contra os islamistas da Al Qaeda e do Talibã. Mas a reaproximação cautelosa não durou muito.
2002-2005: Vácuo de poder após a terceira guerra do Golfo
Em seu discurso à nação no início de 2002, o presidente americano George W. Bush usou pela primeira vez a expressão “Eixo do Mal” para se referir a países como o Iraque, a Coreia do Norte e o Irã, a quem acusou de apoiarem o terrorismo, buscarem armas de destruição em massa e oprimirem a população.
Quando a aliança liderada por Bush derrubou Saddam Hussein pouco depois no Iraque, o Irã se aproveitou do vácuo de poder deixado pelos americanos para tentar influenciar a população de maioria xiita. E enquanto os EUA tentavam estabelecer um governo pró-Ocidente em Bagdá e apoiavam dissidentes do regime no Irã, o Irã ampliava seu raio de influência no Oriente Médio ajudando a criar os houthis no Iêmen e o Hamas na Faixa de Gaza.
2005 até 2025: Briga nuclear e ódio a Israel
Em 2005, o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, relembrou ao público internacional um elemento recorrente da retórica iraniana ao declarar que Israel – um dos aliados mais próximos dos EUA – deveria ser “varrido do mapa”. Também por isso, o programa nuclear iraniano tornou-se o principal ponto de discórdia com o Ocidente, que temia que os mulás pudessem desvirtuar a tecnologia herdada do xá para construir uma bomba atômica.
Em 2014, o Irã selou um acordo com Estados Unidos, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha que previa a supervisão de seu programa nuclear pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em troca da suspensão gradual das pesadas sanções a que estava sujeito.
A curta fase de calmaria terminou em 2018, quando o presidente Donald Trump abandonou o acordo em seu primeiro mandato e retomou as sanções. Em 2020, o Irã anunciou que também desistiria do tratado, após os Estados Unidos assassinarem o general iraniano Qasem Soleimani durante visita dele ao Iraque.
Após o atentado terrorista do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023 e o início da guerra na Faixa de Gaza, as tensões entre Israel e Irã, Hezbollah e houthis também voltaram a crescer, culminando no bombardeio massivo de instalações nucleares do Irã por Israel em 13 de junho de 2025.