02/09/2025 - 20:48
Moraes e Gonet abrem a primeira sessão do julgamento do ex-presidente e de outros sete réus. Grupo é acusado de compor núcleo central de organização que tentou um golpe de Estado no país após as eleições de 2022.Teve início nesta terça-feira (02/09) no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus acusados de formar o núcleo central do grupo acusado de tentar um golpe de Estado após as eleições de 2022.
Além de Bolsonaro, os demais réus no julgamento são:
• Tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro
• General Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ex-vice na chapa de Bolsonaro em 2022
• Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)
• Almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
• General Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
• General Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça
A sessão na Primeira Turma do STF teve início com a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes, seguida da sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Em seguida, advogados de quatro dos oito acusados apresentaram seus argumentos. A previsão é que o julgamento se estenda até o dia 12 de setembro.
O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, afirmou nesta terça-feira que o ex-presidente “não está bem de saúde”.
Em prisão domiciliar por determinação de Moraes, Bolsonaro teria crises de soluço constantes, o que teria sido determinante para a decisão de acompanhar em casa o julgamento.
Moraes sai em defesa da soberania nacional
Antes de dar início à leitura do relatório, Moraes fez uma forte defesa do STF e do processo contra a tentativa de golpe de Estado, ressaltando a competência do Supremo para julgar o caso.
O magistrado destacou que em meio ao processo houve condutas dolosas e conscientes de “coagir o Judiciário e o STF” e de submeter o funcionamento do Tribunal a uma pressão imposta por um Estado estrangeiro – numa referência às medidas adotadas pelo governo do presidente dos EUA, Donald Trump, contra o Brasil – dizendo que esse tipo de ação jamais teria êxito em interferir no processo.
Em sua fala, o ministro citou diversas vezes a defesa da soberania nacional que, segundo disse, não pode ser “vilipendiada, negociada ou extorquida”, por se tratar de um dos fundamentos da República. “O STF sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional, em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, Estado de Direito, a independência do Poder Judiciário nacional e os princípios constitucionais brasileiros.”
“Um país e a Suprema Corte só têm a lamentar que se tenha tentado de novo um golpe de Estado, pretendendo-se um estado de exceção e uma verdadeira ditadura. As instituições mostraram sua força e sua resiliência em que pese uma radical polarização política, todos nós devemos afastar com todas as nossas forças e empenho a tentativa de qualquer quebra da institucionalidade”, disse Moraes.
“A pacificação do país é desejo de todos nós, mas depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição federal. E mais, significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado”, afirmou.
Gonet refuta hipótese de “vandalismo” no 8 de janeiro
Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defendeu a condenação dos réus afirmando que “os golpes [de Estado] podem vir de fora da estrutura existente de poder como podem ser engendrados pela perversão dela própria”.
Dessa forma, ele tentou contraditar um dos principais argumentos da defesa de Bolsonaro, de que não havia um documento assinado por ele que o ligasse à tentativa de golpe. “Não é indispensável que haja ordem assinada pelo presidente da República”, mas que a ação se revela “nos atos dedicados ao propósito”.
Em sua fala, Gonet rejeitou a ideia de que os eventos que resultaram na trama golpista advieram de “devaneios utópicos”, como sustentam algumas das defesas. Ele destacou que a tentativa de golpe de Estado já é a consumação do crime contra a democracia, e mencionou também uma composição geral de eventos entrelaçados pelo “desígnio da quebra da normalidade democrática”.
“Se a intentona vence pela ameaça do poderio armado ou sua efetiva utilização, não há o que a ordem jurídica possa contrapor. Mas a ordem jurídica encontra espaço para se avantajar quando o ataque contra ela não se consuma”, afirmou.
“Punir a tentativa frustrada de tentativa de ruptura é imperativo, opera como elemento dissuasório contra o ânimo de aventuras golpistas”, disse o procurador-geral.
Gonet refutou a tese defendida por algumas das defesas de que os atentados de 8 de janeiro teriam sido atos não planejados resultantes da ação da vândalos, destacando o uso de técnicas de guerrilha, como a utilização de mangueiras de incêndio dissipar gases e de grades de segurança como escadas.
“A identificação de técnicas de guerrilha aponta para uma ação muito mais complexa do que a de uma mera explosão improvisada desconexa e amadora de um genérico descontentamento popular”, afirmou.
PGR defende acordo da delação de Cid
O procurador-geral defendeu a validade do acordo de delação do tenente-coronel Mauro Cid, mas deixou claro que é errada a compreensão de que ele não teria participado da trama golpista.
“Não custa recordar que não existe entre nós a figura da mera ‘testemunha premiada'”, disse, lembrando que a Procuradoria-Geral da República reafirmou a validade do acordo de colaboração premiada celebrada por Mauro Cid na Polícia Federal.
“Os relatos de Mauro Cid foram úteis para o esclarecimento dos fatos relacionados à investigação. Embora a Polícia Federal tenha descoberto a maior parte dos eventos descritos na denúncia de forma independente, a colaboração de Mauro Cid acrescentou-lhes profundidade.”
Após as manifestações de Moraes e Gonet, foi a vez dos advogados.
Advogado defende benefícios de Cid
A defesa de Mauro Cid argumentou em prol da manutenção dos benefícios concedidos a ele pelo acordo de delação premiada, cuja redução vem sendo defendida pela PGR.
O advogado Jair Ferreira disse que a redução dos benefícios da delação representaria na prática o fim do instituto da colaboração premiada. Ele discordou do pedido de condenação da PGR e do relatório da Polícia Federal sobre seu cliente e
O advogado negou que Cid teria sido coagido ao firmar o acordo de delação premiada, e que as queixas de seu cliente a respeito da PF e do próprio Alexandre de Moraes – publicadas em reportagem da revista Veja – não podem ser entendidas como coação.
Pereira tentou justificar omissões na delação de Cid como atos de boa-fé, dizendo que ele estava sob muita pressão emocional e que as lacunas seriam apenas “escorregadas”.
Segundo a defesa, não haveria provas de que Cid teria cometido algum dos crimes pelos quais é acusado. Ele, por exemplo, não teria participado de atos de invasão ou comandado alguma ação militar.
A defesa também negou acusações de que Cid teria usado uma conta de Instagram para se comunicar com um advogado de outro réu – argumento utilizado pela defesa de Bolsonaro para questionar a validade da delação.
Ramagem “não era ensaísta de Bolsonaro”, diz defesa
O advogado de Alexandre Ramagem Paulo Cintra disse que seu cliente não fazia mais parte do governo federal na época em que o Ministério Público data a atuação núcleo central da trama golpista, do qual ele faria parte.
Ele negou ainda que Ramagem tenha atuado na elaboração de mensagem de descrédito nas urnas. “Ramagem não atuou para orientar, não era ensaísta de Jair Bolsonaro, ele compilava pensamentos do presidente. Isso aconteceu nesse documento, presidente.docx e também no documento presidenteinformatse.docx”, afirmou.
Cintra negou que Ramagem tenha usado a Abin para monitorar autoridades, como o próprio Alexandre de Moraes.
O advogado ainda levou uma bronca da ministra Cármen Lúcia, que defendeu o processo eletrônico de votação.
Em sua fala, Cintra dissera que o grupo político de Bolsonaro articulava a adoção do “voto auditável” através da votação impressa. Cármen Lúcia destacou que o voto eletrônico já é auditável e que não é necessário mudar o sistema de votação para confirmar a segurança das urnas.
Ela disse que o advogado “repetiu [a defesa do voto impresso] como se fossem sinônimos, e não é. O processo é amplamente auditável no Brasil, para que não fique para quem assiste [o julgamento] a ideia de que não é auditável”.
Cintra se defendeu dizendo que apenas usou expressões adotadas por Ramagem, mas que conhece a segurança das urnas.
Advogado de Garnier pede anulação da delação de Cid
O ex-senador Demóstenes Torres, advogado do ex-comandante da Marinha Almir Garnier, gastou os primeiros 21 minutos do seu tempo fazendo uma série de elocubrações e elogios aos ministros da corte, antes de entrar na defesa de seu cliente.
Pouco depois, o ex-senador argumentou que não havia ligação entre conduta de Garnier e as ações ilícitas relatadas pela acusação. “No caso daqueles que supostamente fazem parte desse núcleo, tem que deixar claro exatamente o que foi que eles fizeram.” Ele pediu ainda a anulação da delação de Mauro Cid.
Demóstenes Torres teve seu mandato no Senado cassado em 2012, após ser flagrado em escutas pela Polícia Federal em situações que sugeriram o uso do cargo em benefício do contraventor Carlinhos Cachoeira.
Tese contra Torres é “ponto fora da curva”, diz defesa
O advogado de Anderson Torres, Eumar Novacki, negou que o ex-ministro tenha se ausentado propositalmente de Brasília durante os ataques de 8 de janeiro. À época, Torres era o secretário de segurança do Distrito Federal, mas viajou para os EUA dias antes dos atos golpistas.
Torres é acusado de colaborar com uma organização criminosa e de guardar minuta do golpe, que foi encontrada durante buscas da PF em sua residência.
Novacki disse que a tese acusatória é um “ponto fora da curva” e alegou que a ida aos EUA era uma viagem de férias com a família que havia sido programada “com muita antecedência, apresentando em um telão alguns documentos, como a emissão de uma passagem comprada em novembro de 2022.
Sobre a minuta do golpe apreendida na casa de Torres, o advogado disse que o documento circulava na internet mesmo antes de ser encontrado no imóvel. “Era uma minuta apócrifa, que não fazia qualquer sentido”. O documento, segundo o advogado, não teria sido escrito pelo ex-ministro.
Após a manifestação da defesa de Torres, o ministro Cristiano Zanin suspendeu a sessão, que será retomada nesta quarta-feira com os depoimentos das defesas de Bolsonaro e dos demais réus.
rc (ots)