Antônio Ambrósio Evangelista mora num barraco de fundos na periferia de Brasília, ganha um salário de R$ 385 mensais numa pastelaria de rodoviária e desde a semana passada ocupa o centro das atenções do Palácio do Planalto. Antônio Ambrósio, o Tonhão, é empresário. Pelo menos no papel. Ele é sócio majoritário da FR Comércio, Serviço e Representação Ltda., empresa que se tornou fornecedora oficial da Presidência da República. Fornece cartuchos de impressoras. Ou melhor, fornece notas fiscais onde consta a venda de cartuchos para a Presidência. Mas a FR do pasteleiro Tonhão está sendo acusada de fornecer notas fiscais frias (e falsas) para justificar os saques em dinheiro vivo com os cartões de crédito corporativos do Palácio do Planalto. A empresa tem sede legal em um apartamento residencial (vazio) na cidade-satélite de Taguatinga, não possui funcionários, o telefone foi cortado por falta de pagamento e é controlada de fato, por procuração, por um certo Francisco Ramalho, dono das iniciais FR, que até dias atrás podia ser encontrado pelos funcionários do Planalto através de um celular pré-pago ? mas agora está foragido da polícia. Enfim, o pasteleiro é só um laranja. Encontrado por DINHEIRO, ele se mostrou assustado ao descobrir que se tornara protagonista de um problema federal. ?Pensei que a empresa tivesse sido fechada há três anos?, disse. ?Só sei que assinei uns papéis para o Chicão, conhecido da minha ex-mulher?.

?Essa empresa frágil e essas notas frias provam que o Planalto faz uso de fornecedores precários para justificar saques em dinheiro vivo?, acusa, à DINHEIRO, o senador Álvaro Dias, que descobriu a FR. ?Se já estávamos todos impressionados com a lambança dos esquemas do PT, agora vamos ficar chocados com a bagunça que virou o uso dos cartões corporativos?, acrescenta. Há duas semanas, reportagem da DINHEIRO revelou com exclusividade que cerca de dois terços das movimentações efetuadas com os cartões de crédito corporativos do governo federal eram, na verdade, saques em dinheiro vivo. Após a denúncia, o Tribunal de Contas da União determinou uma devassa nas prestações de contas do Palácio do Planalto. Na tarde de quinta-feira 1º de setembro, quatro auditores do Tribunal de Contas da União começaram o trabalho ? com foco especial nos saques em dinheiro vivo. Coincidentemente, no mesmo dia o Palácio do Planalto reviu suas posições sob o tema. Na véspera, Dilma Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil, justificara as relações comerciais do Planalto com a empresa FR, dizendo que ela fornece material de escritório para o palácio desde o ano 2000 ? portanto, seria herança do governo FHC. Também negou com virulência a existência de notas frias nas prestações de contas. ?Isso é uma leviandade?, afirmou Dilma. No dia seguinte, a ministra voltou atrás. A Casa Civil divulgou uma nota admitindo que a Secretaria da Fazenda do Distrito Federal informara que a FR vem emitindo notas fiscais ?inidôneas? desde junho de 2002. Ou seja, que as notas eram frias. ?A Casa Civil está remetendo o resultado da sindicância à Secretaria da Receita e ao Ministério Público Federal para a apuração de eventuais crimes de sonegação fiscal?, informa a nota.

Não é preciso ir muito longe para concluir que há algo de muito estranho com a FR. A empresa já está, desde maio, sob investigação da Delegacia de Crimes Contra a Ordem Tributária do DF. É suspeita de sonegação fiscal e falsificação de notas fiscais. De acordo com o inquérito, a última impressão de nota quente ocorreu em 2002, durante o governo FHC. A partir de 2003, todas as notas emitidas pela FR seriam falsas ? inclusive aquelas entregues ao Palácio do Planalto. Existe um segundo inquérito contra a FR, desta vez correndo na Justiça de Goiás. O promotor Marcelo Lobão está apurando o envolvimento da empresa em fraudes no fornecimento de merenda escolar à Prefeitura de Águas Lindas, aglomerado de favelas com 200 mil habitantes, a 60 quilômetros de Brasília. A FR chegou a emitir R$ 1 milhão em notas de fornecimento de alimentos ? que não foram entregues. ?Essa empresa não passa de fachada?, disse Lobão à DINHEIRO. ?Sua única atividade comprovada é vender notas frias?.

Consta na Receita Federal que a FR é especializada em venda de alimentos, material hospitalar, cama, mesa e banho ? entre outros 32 itens. Vende também material de informática. A empresa foi descoberta por conta de alguns detalhes curiosos. Ano passado, o TCU fez uma rápida inspeção nas contas do Planalto. Levou então uma pequena amostra de 52 notas fiscais, referentes a cinco prestações de contas de saques em dinheiro vivo com cartões de crédito corporativos. O senador Álvaro Dias pediu uma cópia dessas notas ao TCU e descobriu que quatro delas eram da FR. Todas se referem a compras de cartuchos de impressora. Têm valores idênticos, datas sucessivas, numerações consecutivas e validades vencidas. Somam R$ 2,96 mil, valor quase tão miúdo quanto os ganhos de Tonhão – mas suficientes para preocupar o Planalto.

Mas afinal, quem estaria por trás da FR? O pasteleiro Tonhão lembra-se de ter assinado uma procuração para Chicão, apelido de Francisco Ramalho. Um assessor de Álvaro Dias telefonou para o número do celular pré-pago que consta em uma das notas fiscais do palácio e gravou um breve diálogo com Chicão. Ele confirmou que toca a empresa, mas os negócios com o Planalto seriam de um parceiro seu, um tal de Edmilson, cujo sobrenome diz que não sabe. Edmilson, segundo Chicão, compra suas notas e as repassa para o Planalto. Pelo menos 24 delas, totalizando cerca de R$ 11 mil, são frias. Elas aparecem nas prestações de contas da ecônoma Maria da Penha Pires, responsável pelo pagamento de despesas da Secretaria de Comunicação do Governo, então comandada pelo ex-ministro Luiz Gushiken. Segundo o levantamento feito pela DINHEIRO que deu origem à devassa do TCU, seus saques em dinheiro vivo com o cartão corporativo do governo somaram R$ 74 mil em 2004. Diante das evidências, a Casa Civil, que antes negara qualquer irregularidade nos saques, informa agora que ?continuará com os trabalhos de sindicância para apurar se houve conivência de servidores públicos com os fatos apurados?. E tomou uma medida, tardia, para evitar que novas empresas suspeitas tenham acesso aos cofres públicos. ?Finalmente, a ministra Dilma Rousseff determinou à Secretaria de Administração da Casa Civil a organização de um cadastro de fornecedores de bens e serviços de contratação direta (com dispensa de licitação), melhorando os procedimentos de controle interno dos gastos com cartões?, diz a nota divulgada na quinta-feira. Finalmente.