28/07/2025 - 12:44
Programa oferece aos moradores de nação insular ameaçada pelo aumento do nível do mar a opção de se mudar de país com direitos de residência permanente.Na nação insular de Tuvalu, na Polinésia, mais de 3 mil pessoas – quase um terço da população local – estão se candidatando para deixar a ilha. Sua terra natal, uma cadeia de nove atóis no Oceano Pacífico situados a apenas 4,5 metros acima do nível do mar, está sendo gradualmente engolida pela água.
Em 2021, o ministro das Relações Exteriores de Tuvalu, Simon Kofe, chamou a atenção do mundo com uma assombrosa imagem do futuro: vestindo terno e gravata, colocou-se de pé, com água até os joelhos, atrás de um púlpito instalado junto às ondas, e gravou ali seu discurso para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26).
Depois disso, a Austrália entrou em cena com um plano inovador: por meio do Tratado da União Falepili, assinado em 2023 durante reunião de líderes no Fórum de Ilhas do Pacífico, criou uma via de migração que está sendo popularmente chamada de o primeiro “visto climático”.
Oficialmente, a iniciativa é chamada de visto de comprometimento com o Pacífico e visa proteger a identidade e a soberania de Tuvalu, oferecendo ao seu povo a opção de se mudar.
Por que a mobilidade climática é importante
Para o diretor-geral do Centro Global para a Mobilidade Climática da ONU, Kamal Amakrane, “não se trata de um visto para refugiados climáticos”, mas de “um caminho para a mobilidade climática”.
Segundo ele, essa distinção é crucial porque o deslocamento forçado como refugiado geralmente ocorre após um conflito ou um desastre, privando as pessoas do direito de retornar e roubando-lhes a autonomia.
Em contrapartida, a mobilidade planejada visa desenvolver a resiliência climática. Ela oferece às pessoas uma rede segura para migrarem antes que uma emergência as force a isso, permitindo que se adaptem em seus próprios termos.
O Tratado de Falepili consagra esse princípio: por meio da cooperação bilateral, a Austrália concederá benefícios de residência permanente aos tuvaluanos, sem exigir que eles comprovem que já foram deslocados.
Multiplicador de ameaças
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) afirma que as mudanças climáticas costumam agir como um multiplicador de ameaças, gerando conflitos e aumentando a pobreza.
No norte de Camarões, em 2021, por exemplo, a escassez dos recursos hídricos provocou confrontos mortais entre pastores e pescadores, forçando dezenas de milhares de pessoas a fugir – um alerta de como as pressões climáticas podem ampliar a instabilidade.
Nesse sentido, o acordo entre Tuvalu e Austrália se destaca. Como afirma Jane McAdam, professora da Universidade de New South Wales, “para algumas pessoas, será uma oportunidade de proporcionar aos filhos uma excelente educação na Austrália. Para outras, uma chance de conseguir um emprego e enviar remessas à família e à comunidade”.
O visto garante acesso à educação e ao sistema de saúde pelos tuvaluanos. E permite que idosos ou pessoas que necessitam de cuidados se mudem livremente, sem restrições.
A Austrália também se comprometeu a reconhecer a soberania de Tuvalu mesmo que fisicamente o território seja coberto pelo mar, preservando, assim, a nacionalidade de seus cidadãos.
Como outros países agem
A maioria dos países promove ações do tipo somente depois que algum desastre acontece. A Argentina, por exemplo, lançou em 2023 um programa de visto humanitário para 23 países da América Latina e do Caribe afetados por desastres climáticos, mas apenas depois que as pessoas já haviam se deslocado, e até agora ninguém usou o programa.
Os Estados Unidos mantêm há muito tempo acordos de livre associação com as Ilhas Marshall, Micronésia e Palau, permitindo que seus cidadãos entrem, vivam e trabalhem no país sem visto. Mas esses migrantes têm acesso limitado a benefícios públicos, o que os deixa vulneráveis à exploração e à pobreza.
Combustíveis fósseis sem resolução
O caminho para um acordo com a Austrália nem sempre foi fácil. Em 2019, o ex-primeiro-ministro australiano Kevin Rudd sugeriu aceitar migrantes de Tuvalu apenas em troca de suas águas territoriais e reservas pesqueiras. Ele chegou a propor um “condomínio constitucional” que alteraria as leis de ambos os países.
O então primeiro-ministro de Tuvalu, Enele Sopoaga, chamou isso de “conceito imperialista”. Apontando para as exportações de carvão da Austrália, ele disse: “Quanto mais [a Austrália falha com] a redução da mineração de carvão… Mais problemático se torna o aquecimento global e mais temos que nos adaptar”.
Em vez disso, Sopoaga havia defendido, na época, uma união semelhante à proposta atual, sob o lema “Estados Unidos do Pacífico”, para coordenar o desenvolvimento sustentável e amplificar as vozes na região.
Agora, apesar do tratado, a ameaça ao clima continua. Em 2023, os combustíveis fósseis ainda representavam 65% da geração de eletricidade na Austrália, com o carvão detendo a maior parte.
Pacífico é problema central
Entre 2008 e 2018, mais de 80% dos novos deslocamentos causados por desastres em todo o mundo ocorreram na Ásia, especialmente na região do Pacífico. Tuvalu, situada em frágeis bancos de areia, está bem no centro dessa ameaça.
No entanto, segundo especialistas, a maioria das pessoas não quer abandonar suas casas. É por isso que, como argumenta Kamal Amakrane, estruturas de mobilidade climática são importantes: elas recuperam o poder de escolha, oferecendo opções para os 280 tuvaluanos elegíveis a cada ano no âmbito do programa australiano.
Ainda assim, a imagem assombrosa de Simon Kofe – de pé, no mar, de terno e gravata – ressalta uma verdade mais profunda: o nível da água está subindo mais rápido do que nunca, e as estratégias de adaptação para aqueles que desejam permanecer precisarão de muito mais atenção.