21/11/2024 - 8:47
Para alunos da rede pública o termo “nem-nem” é pejorativo e contraproducente para abordar as amarras familiares, sociais e econômicas que levam muitos jovens a ficar sem trabalhar e estudar.Mais de 20% dos jovens brasileiros de 15 a 29 anos – ou um em cada cinco – não estão na escola ou universidade e também não estão inseridos no mercado de trabalho. A problemática aqui apresentada não é apenas brasileira, ocorre em muitos outros países e a esses jovens foi dado o apelido de “nem-nem”: aqueles que nem trabalham nem estudam.
Li algumas produções acadêmicas sobre o tema e a maioria é focalizada em uma abordagem mais macro, no sentido de identificar variáveis que podem explicar as razões pelas quais existem tantos jovens sem ocupação alguma.
Nesse sentido, senti a vontade de saber o que os próprios jovens acham sobre o tema.
Faço mestrado em políticas públicas na UFRJ e produzi um artigo para uma disciplina no qual fiz justamente isso: entrevistei 308 jovens. O objetivo central era a abordagem do tema sob a ótica deles. Já adianto que me surpreendi com a quantidade de estudantes altamente atentos à sociedade, às questões sociais e com falas e sugestões incrivelmente maduras, responsáveis e contributivas.
Não pude deixar de achar uma pena o quanto são, muitas vezes, subestimados, sobretudo na construção de políticas públicas de educação.
Termo “nem-nem” pode ser problemático
Quase 40% dos estudantes acreditam que o termo nem-nem é pejorativo. Sobre isso, Letícia de Souza, estudante mineira, disse: “O termo é bem direto e eficiente para descrever a realidade de muitos. Mas é grosseiro, pois acaba deixando de lado as razões complexas que levam os jovens a essa condição. O assunto é preocupante, pois muitos jovens não estão nessa condição por escolha, mas por falta de acesso à educação de qualidade, emprego com remuneração justa ou apoio para superar desafios”.
Esse grupo de alunos não está só. Há autores que acham o mesmo e também acreditam que o termo pode resultar em algum tipo de exclusão social, na medida em que generaliza um grupo altamente heterogêneo.
Além disso, essa excessiva generalização pode minar o potencial de políticas públicas. A razão é que não existe uma única política mágica que resolverá o problema, mas é necessária uma simultaneidade de políticas e com abordagens diferentes.
Por que há tantos jovens sem trabalhar e sem estudar?
Mais de 60% dos entrevistados acreditam que a alta porcentagem de “nem-nem” ocorre devido à falta de oportunidades. Sobre isso, Maria Clara, jovem mineira, diz: “O mercado de trabalho tem se tornado um verdadeiro campo de batalha para muitos de nós, exigindo sempre o que raramente os jovens das periferias são capazes de oferecer. Os estudos, para muitos, não deixam de ser outro campo pouco estimulante, muitos profissionais formados nas áreas não são valorizados, além de que uma boa educação não é assim tão acessível”.
Agora, recortando por área, trabalho e estudo, há alguns pontos interessantes. Primeiro, vamos analisar o mercado de trabalho. Para os jovens entrevistados: a falta de experiência é disparada a maior variável explicativa dos desafios de ingressar no mercado de trabalho. Em seguida vem a falta de qualificação.
“Além dos salários baixos e péssimas condições de trabalho há também um padrão irreal cobrado pelas empresas, por exemplo: para garantir uma vaga é preciso ter X tempo de experiência. Se todas as vagas procuram experiência por onde eu começo?”, diz Lilian dos Santos.
Já em relação aos estudos, a maior parte associa a evasão escolar às desigualdades sociais. Depois disso, às questões financeiras e, por último, familiares.
Aqui entra, com força, a importância da dinâmica familiar. Esta é, sem dúvida, afetada pela estrutura social, ou seja, pela desigualdade social.
Nesse ponto, Sara Vitória, estudante do Rio Grande do Norte, diz: “Responsabilidades em casa por diversos motivos. Por exemplo, ajudar os pais na economia doméstica [um dos maiores responsáveis pelo interrompimento dos estudos], cuidar de algum familiar doente ou dependente de alguém para sobreviver [caso de irmãos mais velhos que cuidam dos mais novos]. Resumindo: a maioria dos motivos gira em torno da economia das casas brasileiras e da necessidade de tomar essa triste decisão”.
Quais políticas podem entrar em cena?
Ao fim das entrevistas, cada estudante foi convidado para assumir o papel de um responsável pelo planejamento de políticas públicas com objetivo de inserir jovens no mercado de trabalho e/ou na educação.
A maioria citou políticas já existentes, como o “pequeno aprendiz” e o “pé-de-meia”. Não apenas citaram, mas também elogiaram. No entanto, frisaram que há espaço para melhorias, sobretudo em relação à cobertura e ao valor.
Especificamente em relação ao mercado de trabalho, 70% dos estudantes citaram políticas de “qualificação”.
Sobre isso, Maria Denisvânia, jovem piauiense, diz: “criar programas de capacitação que mostrem que não é necessário ter experiência prévia para conseguir um emprego. Muitas vezes, os jovens têm habilidades valiosas, mas não têm a oportunidade de demonstrá-las. Esses programas poderiam incluir estágios e parcerias com empresas para oferecer oportunidades de aprendizado. Além disso, oficinas sobre habilidades interpessoais e técnicas, como comunicação e trabalho em equipe, seriam úteis. Também é importante fornecer orientação profissional para aumentar a confiança dos jovens ao entrar no mercado”.
Em relação às políticas para evitar a evasão escolar e garantir a continuidade dos estudos, foram citadas: melhorias nas escolas, conscientização acerca da importância da educação e políticas que trabalhem a saúde mental.
Precisamos ouvir mais os jovens
Não muito pontualmente, sinto que subestimamos muito nossos jovens. Agimos como se eles não tivessem conteúdo ou maturidade para opinar, mas e isso não é verdade. Há anos trabalho diretamente com jovens de todo o país e muito frequentemente me impressiono com alguns, em relação à maturidade, à inteligência, à forma de ver o mundo e os problemas da sociedade. Sobretudo, me impressiono com o potencial que eles têm para a construção do Brasil com o qual tanto sonhamos.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.