20/09/2006 - 7:00
No final do século XIX e início do XX, Londres vivia coberta por uma neblina permanente, cuja natureza nunca foi completamente explicada. O fog virou marca registrada da capital da Inglaterra, como a garoa de São Paulo. Ambos os fenômenos sumiram com o tempo, e nos dois cenários os cientistas ainda não foram capazes de explicar o que houve para a mudança climática. Em um fascinante casamento da arte com a ciência, telas do impressionista francês Claude Monet (1840-1926) podem ajudar a esclarecer o enigma. Monet viveu durante três períodos em Londres, de 1899 a 1901. Ali pintou uma série de telas em que se vê a Casa do Parlamento envolta em neblina. As obras-primas estão sendo analisadas por uma dupla de especialistas da Universidade de Birmingham, Jacob Baker e John Thomas. O estudo permitirá determinar a composição química da contaminação atmosférica que envolvia a cidade no período vitoriano. Descobriu-se, a meio caminho das investigações, que as telas a óleo foram produzidas in loco, e não nos estúdios. Ou seja: Monet trabalhou como se fosse um fotógrafo. ?O artista pintou essas paisagens do terraço do segundo andar do Hospital de St. Thomas?, diz Baker. Essa certeza levou a um segundo passo no laboratório ? sabendo que as imagens não foram produzidas de memória, e portanto mais acuradas, será possível determinar a incidência do sol e o modo como, a cada período do dia, ele atravessava as camadas da atmosfera. Sabe-se, por relatos extraídos das correspondências do francês, que a observação do Parlamento se deu em dois momentos: de 14 a 16 de fevereiro de 1900 e de 9 a 24 de março daquele mesmo ano.
Para além do interesse científico, o trabalho ajuda a iluminar a genialidade de um dos grandes artistas de todos os tempos e também valoriza telas que há tempos oscilam na casa dos milhões de dólares. Um dos quadros da série, intitulado ?Londres, o Parlamento, efeitos do sol no fog?, datado de 1904 ? costumava-se pôr a data da primeira venda e não a da execução ?, foi arrematado em 2004 por US$ 20 milhões. O comprador foi o financista libanês Samir Traboulsi, que bateu o martelo em um leilão da Christie?s. Desde então, o mercado estima que qualquer tela de Monet, o rei dos impressionistas, não seja vendida abaixo deste patamar. As descobertas da ciência andam agora de mãos dadas com as raridades de um mestre que, no nascimento de um novo século, mudou para sempre o modo como nos habituamos a enxergar o mundo.