08/09/2025 - 15:15
Desastres climáticos bilionários nos EUA quintuplicaram desde a década de 1980. À medida que as mudanças climáticas provocam furacões mais destrutivos, moradores se adaptam para evitar os custos da reconstrução.”A rua virou um rio devastador. Era como um oceano”, lembrou Maria Blancett. “Havia ondas de espuma descendo a rua. Havia peixes.”
Maria e seu marido, Dave Blancett, enfrentaram grandes furacões enquanto moravam na Virgínia e no Texas. Mais tarde, eles se mudaram para a Flórida para viver sua aposentadoria, mas nada os havia preparado para a força do furacão Ian.
Quando o Ian chegou, em setembro de 2022, logo se tornou o furacão mais mortal a atingir o estado desde 1935. Ventos fortes, marés de tempestade e inundações repentinas mataram mais de 150 pessoas e deixaram um rastro de destruição por todo o sudoeste da Flórida. “Você acaba pensando: ‘sei que compramos uma casa muito boa, mas será que ela vai ser levada pelo vento?'”, disse Maria. Felizmente, isso não aconteceu, mas o telhado foi danificado, resultando em custos de 130.000 dólares (R$ 703 mil) para consertá-lo.
Eles não estavam sozinhos. O Ian causou quase 120 bilhões de dólares em danos e se tornou o terceiro furacão mais caro da história dos EUA, atrás apenas do Katrina e do Harvey. Para os Blancetts, não foi apenas uma tempestade. Foi um alerta.
“Todos sempre diziam que o Ian seria um evento único na vida”, disse Dave Blancett. “Mas percebi que se outro Ian passasse perto do bairro em que estávamos – o que vai acontecer, é uma questão de tempo – o valor dos imóveis simplesmente despencaria.”
Como muitos moradores da Flórida, os Blancetts foram forçados a reavaliar seu futuro em um estado cada vez mais castigado por tempestades causadas pelo clima. A solução seria o casal se mudar para pelo menos 48 quilômetros rumo ao interior e para um terreno 9 metros mais alto.
Cidade projetada para resistir
Ao norte de Fort Myers, os Blancetts encontraram o que procuravam em Babcock Ranch.
Anunciada como “a primeira cidade à prova de tempestades da Flórida”, a comunidade de 7.284 hectares foi projetada tendo a resistência como fundamento.
Plantas nativas estão por toda parte, ajudando a absorver a água da chuva que escorre das estradas sem curvas e retorna ao meio ambiente. Antigas pedreiras foram convertidas em lagos, que fazem parte de um sistema de águas pluviais que bombeia o excesso para áreas úmidas próximas antes da chegada das tempestades.
As casas são construídas com janelas resistentes a impactos e portas especiais que ajudam a proteger os telhados. O ginásio da escola local também funciona como um abrigo contra furacões de categoria 5.
Quando o furacão Ian atingiu a cidade, “ele ficou em cima de nós por oito horas”, disse Syd Kitson, fundador do Babcock Ranch, descrevendo como o olho do furacão passou diretamente sobre a cidade. Após a tempestade, ao amanhecer, ele entrou em seu carro e dirigiu pela comunidade.
“Foi realmente interessante porque as pessoas estavam em grupos, nos bairros, andando, observando e surpresas por não ter havido quase nenhum dano”, disse Kitson.
As comunidades ao redor de Babcock foram devastadas. Mas, além de alguns galhos caídos, a localidade se manteve firme, atraindo atenção nacional e um aumento no interesse de potenciais novos moradores, incluindo os Blancetts.
“Acho que as pessoas simplesmente disseram ‘chega, simplesmente não vale a pena’. Até mesmo 30 centímetros de água em sua casa já causam muitos problemas”, disse Kitson sobre pessoas como os Blancetts, que decidiram deixar para trás suas outrora cobiçadas casas costeiras.
Cerca de 7.000 pessoas agora vivem no local, inaugurado em 2018, que oferece opções de aluguel, além de casas cujo valor de compra varia de 300.000 a 1 milhão de dólares.
Permanecer e reconstruir com mais inteligência
Mas nem todos possuem os meios ou o desejo de se mudar, especialmente aqueles que têm raízes profundas em uma comunidade.
“Minha mãe comprou esta propriedade em 1964. Eu tenho a sorte de ainda estar aqui”, disse Linda Williams, de 71 anos, sentada em sua casa verde-menta, em estilo bangalô, no bairro de Coconut Grove, em Miami.
Williams não é estranha aos furacões. Durante a passagem do Irma, em 2017, ela e sua família se abrigaram em uma igreja local. Depois, voltaram para casa para ajudar os vizinhos e limpar os escombros. Os inspetores da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema) encontraram uma rachadura estruturalmente comprometedora no teto e consideraram a casa insegura.
Sem seguro e sem condições de arcar com os reparos, Williams temia ter que vender sua propriedade. Ela não sabia para onde iria, já que os preços dos imóveis e dos aluguéis no bairro estavam subindo.
Uma amiga a informou sobre um programa de substituição de casas administrado pela Prefeitura de Miami. O programa demole casas com grandes defeitos estruturais e constrói no lugar moradias de três quartos e dois banheiros. Eles construíram a casa de Linda 1,5 metro acima da elevação anterior para protegê-la de inundações.
A cidade cobriu a reconstrução, mas Williams teve que pagar 50.000 dólares de aluguel durante os cinco anos que levou para poder se mudar de volta, um custo que ela não havia previsto.
Ainda assim, Williams estava feliz com sua nova casa e também exultante por poder pagar um seguro residencial novamente, graças aos recursos de resistência a furacões.
“Que bênção! Querida, eu sou crente e digo: aleluia. Vocês não imaginam a dança de alegria que eu faço.”
Entidades ajudam comunidades de baixa renda
Mas muitos dos vizinhos de Williams continuam sem ter um seguro porque é muito caro para as casas que ainda não foram protegidas contra furacões.
“A maioria dos nossos clientes são idosos, todos de baixa renda. Muitos deles moram em casas muito antigas. Portanto, a grande maioria não tem seguro”, disse Martina Spolini, diretora executiva da organização Rebuilding Together Miami-Dade, à DW. “Quando vem um furacão, isso tem efeitos devastadores nas finanças da família.”
A organização sem fins lucrativos ajuda os moradores a reforçar suas casas antes que o desastre aconteça, instalando janelas, portas e telhados resistentes a impactos. Desde a sua fundação, após o furacão Andrew, em 1992, o grupo reformou mais de 1.400 casas a um custo médio de 35.000 dólares por unidade. As reformas não só ajudam as pessoas a recuperar a cobertura do seguro, como também tornam as casas mais seguras antes da próxima tempestade.
“A necessidade é enorme. Estamos apenas começando”, disse Spolini. “Podemos atender de 60 a 80 casas por ano com o financiamento atual, e temos uma lista de espera de 250 pessoas, com ligações constantes.”
Apesar da necessidade urgente, Spolini explicou que convencer os tomadores de decisão a financiar tais projetos é uma luta constante.
“Vemos muita resistência quando nos reunimos com potenciais financiadores em apoiar programas como o nosso, porque eles são caros”, disse. “Isso acontece anualmente, e os furacões se tornam mais fortes e devastadores a cada ano.”
Embora somente a Flórida tenha sofrido cerca de 346 bilhões de dólares em danos relacionados a furacões nos últimos cinco anos, o apoio federal para medidas de mitigação está diminuindo. Os subsídios da Fema, que antes ajudavam comunidades como Miami-Dade a se protegerem contra desastres futuros, estão sendo cortados pelo governo do presidente Donald Trump, que também anunciou planos para fechar completamente a agência, transferindo a responsabilidade para os estados.
Spolini argumenta que o retorno dos investimentos em trabalhos de prevenção e resiliência é evidente.
“Estima-se que, para cada dólar investido em reparos de mitigação, economizamos seis dólares após o desastre”, explicou. “São reparos de alto custo, mas, a longo prazo, economizam muito mais dinheiro.”