22/11/2025 - 9:30
Mulheres tentam trazer mais equilíbrio a centros de poder que decidem rumos do planeta. Atuação decisiva no Acordo de Paris, em 2015, abriu caminho para novas gerações.Com roupas confortáveis e tênis nos pés, Christiana Figueres circula apressada pelos corredores da Conferência do Clima em Belém, a COP30 . A então chefe do órgão das Nações Unidas responsável por fechar o Acordo de Paris agora cumpre um papel mais jornalístico: acompanha as negociações e conta o que ouve em seu podcast.
Há dez anos, Figueres estava de frente para uma plenária lotada com delegações de 195 países e vibrava com a adoção do pacto global para conter as mudanças do clima. Com braços para o alto, ela dava as mãos para uma outra pessoa vital para o sucesso daquela conferência: a embaixadora francesa Laurence Tubiana.
“Havia muitas mulheres em posições de liderança, isso é verdade”, responde Figueres à DW sobre aquele momento. “Na verdade, foi muito divertido, porque quando você tem uma sala cheia de mulheres, surge uma sensação diferente, uma energia diferente.”
A atuação certeira de figuras femininas foi chave para aquela celebração acontecer. Pela primeira vez, nações ricas e pobres concordavam em cortar emissões de gases de efeito estufa.
Uma década depois, mais mulheres transitam nos espaços diplomáticos da COP30 inspiradas por aquela liderança vista em Paris.
“Ela não vai conseguir”
Naquele fim de conferência emocionante na capital francesa, Tubiana também levava os braços para o alto segurando a mão esquerda de Figueres. A embaixadora que ajudou a arquitetar o acordo começou a atuar como assessora especial de meio ambiente do primeiro-ministro Lionel Jospin em 1997. Aos poucos, assumiu novas responsabilidades.
Quando foi escolhida para chefiar as negociações naquela COP21, encontrou uma atmosfera pouco acolhedora. Um colega veterano quis conversar sobre o assunto com Tubiana e disse que ela precisaria de ajuda de um embaixador homem para cumprir aquela missão.
“Até o fim de Paris, eles pensavam que nada de muito impacto sairia daquela conferência. O pensamento era: ‘Ela não vai conseguir'”, resume à DW a atual CEO da Fundação Europeia para o Clima.
A francesa, quase a única mulher em muitos ambientes diplomáticos que frequentou no início de sua carreira, celebra as brasileiras Ana Toni , CEO da COP30, e a ministra Marina Silva.
Jennifer Morgan, que já foi enviada especial do Clima do governo alemão, também reconhece o trabalho das brasileiras. “Ana Toni e Marina Silva são vistas aqui como fortalezas, com poder de influenciar”, diz Morgan à DW.
Sofisticação feminina
Numa das passagens mais críticas da negociação em Paris, a então ministra brasileira de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, foi chamada para destravar um nó. Ao lado de Vivian Balakrishnan, ex-ministra de Relações Exteriores de Cingapura, ela batalhou para deixar claro no acordo a responsabilidade dos países ricos em cortar suas emissões e pagar o custo da crise – o que a diplomacia climática chama de “diferenciação”.
“O Brasil sempre foi um facilitador em todos os momentos difíceis, tanto nos de negociação como nos intervalos”, relembra Teixeira à DW, que cuidava da pasta sob a presidência de Dilma Rousseff.
Respeitada no mundo todo, a sofisticação da diplomacia brasileira não é restrita aos homens, pontua a ex-ministra. “A diplomacia deve ter mais espaço para a mulher que não seja só na biblioteca. Em muitas carreiras a luta ainda é enorme”, analisa.
Em Belém, a atual equipe trabalha intensamente para que os compromissos assumidos pelos países naquela COP21 não se apaguem. Ao lado de André Corrêa do Lago, a embaixadora Liliam Chagas chefia as negociações climáticas.
“Há também cada vez mais ministras liderando as negociações. Há um aumento do time feminino em delegações, e elas estão criando redes para trabalhar juntas e dividir o que aprenderam com foco em bons resultados”, diz Jennifer Morgan à DW.
Representação desproporcional
Para a COP30, Sara Aagese, vice-presidente da Espanha e ministra de Transição Ecológica, veio com um time feminino formado por 50% de mulheres. Na capital paraense, ela tem falado sobre a importância desse tipo de liderança para avançar a agenda climática.
“Não podemos resolver a crise climática sem igualdade de gênero”, disse Aagese num evento no pavilhão espanhol durante a conferência, alegando que as mulheres também enfrentam a maior carga quando pensam no atual cenário.
Mulheres e crianças já são as mais afetadas pelos impactos das mudanças do clima, como em casos de enchentes, secas e outros eventos extremos. Mas as discussões na COP ainda não refletem esta realidade.
“Eu vi em nações-ilhas casos onde esposas foram até agredidas por maridos porque não conseguiam servir alimentação adequada para suas famílias porque havia uma seca em andamento”, cita Morgan.
Outras têm que andar longas distâncias atrás de água. “Essas vozes não são ouvidas nas mesas de decisão. Não temos um equilíbrio justo de poder”, comenta sobre a representatividade.
A presidência brasileira da COP30 tenta dar destaque a este tema no documento que sairá de Belém. Segundo a embaixadora Vanessa Dolce, alta representante para temas de Gênero do Ministério de Relações Exteriores, os efeitos da mudança do clima aprofundam as vulnerabilidades e desigualdades já existentes.
“Garantir a participação de mais mulheres nas mesas de negociação facilita que suas necessidades específicas sejam contempladas, contribuindo para soluções mais inclusivas”, afirma Dolce à DW.
Diplomacia nas florestas
Mãe de duas mulheres, Figueres nasceu na Costa Rica e mergulhou no debate sobre clima em 1995. Ex-embaixadora de seu país na Alemanha, foi lá que passou seis anos à frente da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês), de 2010 a 2016.
Em geral, as mulheres são mais inclinadas para a colaboração e para a sabedoria coletiva, comenta Figueres. Há também um senso maior de responsabilidade com as gerações futuras, talvez pelo fato de serem elas as que trazem filhos a este mundo. “E é por isso que queremos uma mulher como secretária-geral das Nações Unidas!”, exclama na sequência.
Longe dos centros oficiais de poder, muitas mulheres começam a ganhar um protagonismo que pode mudar o rumo de comunidades inteiras. Na Amazônia, por exemplo, onde alguns povos originários se organizam em torno da voz de caciques homens, uma simples fala ao microfone pode acelerar uma revolução.
Foi o que aconteceu num evento paralelo à COP30. Num dos barcos que trazia participantes para a Cúpula dos Povos , cacique Raoni fez um discurso em defesa da floresta e depois pediu para que a plateia ouvisse sua filha, Kokonã Metuktire.
A rep resentante do povo Kayapó disse que as mulheres indígenas tinham interesse em estar ao lado dos líderes masculinos e que se preocupavam com o futuro, já que geram e nutrem a vida dentro do território.
Uma das que ouviam atentas era a jovem Kokokangro Metuktire. À DW, ela disse ter sido a primeira vez que presenciava Kokonã receber o microfone diretamente das mãos de cacique Raoni.
“Antes, eram só os homens que participavam. Por isso eu quero aprender com ela e seguir o que ela está fazendo”, afirma.
