Cada brasileiro produz em média um quilo de resíduos sólidos urbanos por dia. Apenas cerca de metade disso vai parar em aterros sanitários legalizados, e menos de 10% é reciclado.Um quilo de lixo por dia. Isso é o que cada brasileiro em média descarta de itens variados como alimentos, plástico, papelão, vidro, metais, roupas e calçados e equipamentos eletrônicos.

É muito lixo. Em 2023, seria o suficiente para encher dois mil estádios do Maracanã, segundo cálculo da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).

Naquele ano, o Brasil gerou no total 81 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU). E apenas parte disso é coletada e vai parar no destino adequado.

Segundo um relatório da Abrema, o país coletou naquele ano 75,6 milhões de toneladas de RSU, das quais 69,3 milhões foram encaminhadas para disposição final, ou seja, 86% do total de lixo produzido.

Do montante encaminhado para disposição final, apenas 58,5% acabaram em aterros sanitários legalizados – um número considerado baixo por especialistas. Os outros 41,5% foram parar em lixões, aterros irregulares, terrenos baldios, ruas, valas, córregos e rios, segundo o levantamento.

A taxa de reciclagem é baixa. Do total de RSU produzido, 8,3%, ou 6,7 milhões de toneladas de material reciclável como papel, plástico, alumínio e vidros, foram enviadas pela coleta pública ou por catadores para o reaproveitamento.

Disparidades regionais

A região Sudeste é a campeã na geração de resíduos, com 452 kg por habitante ao ano, o que equivale a 1,237 kg por habitante por dia. A região é responsável por gerar 39,9 milhões de toneladas anuais, ou metade do total nacional.Na outra ponta, está a região Sul, com 284 kg anuais por habitante, ou 0,779 kg diários. Os dados estão no Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, da Abrema.

Quando o assunto é coleta, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste estão acima da média nacional, com 97,2%, 98,8% e 95,2% dos resíduos coletados, respectivamente. Já as regiões Norte e Nordeste coletaram aproximadamente 83% do lixo produzido, sendo o restante descartado a céu aberto, como em lixões, terrenos baldios e áreas públicas.

“Se compararmos a situação do Brasil com a da União Europeia ou dos Estados Unidos, por exemplo, a geração de RSU é moderada. O problema não é só consumir demais ou de menos, mas sim a responsabilidade com a qual lidamos com aquilo que é consumido, ou seja, a destinação que damos a esses resíduos”, pontua Karin Brüning, cientista e ambientalista que atua no ramo de educação ambiental.

Atualmente o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico do mundo, ficando atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia.

Caminhos para a melhor gestão dos resíduos

Um dos lixões irregulares que acabam servindo de depósito a céu aberto é o do município de Envira, no estado do Amazonas, próximo da divisa com o Acre. O lixão existe há 10 anos e ameaça a terra indígena Cacau do Tarauacá, onde moram 320 indígenas do povo Kulina.

“A presença de lixões irregulares e a baixa taxa de reciclagem são pontos que precisamos melhorar através de campanhas com a população e incentivo público para os municípios investirem na coleta seletiva e na manutenção de aterros sanitários legalizados”, diz Pedro Maranhão, presidente da Abrema.

Especialistas apontam que uma união de esforços da população e do governo poderiam solucionar o problema. Mas para isso é necessário que se priorize políticas de redução, reutilização e reciclagem para enfrentar o problema da geração de resíduos sólidos urbanos.

“Um ponto importante é incentivar a coleta seletiva. Criar ecopontos, carros de coleta seletiva e medidas educacionais para a população. Todo esse subsídio de informação, de oferecer facilidades para a separação e direcionamento correto do lixo, faz com que se abram caminhos logísticos para que a sociedade possa direcionar o seu lixo e automaticamente aumentar a reciclagem”, diz o biólogo Bruno Reis, especialista em licenciamento ambiental.

Oportunidade para produção de combustível

Já os resíduos orgânicos, que compõem quase a metade dos resíduos sólidos urbanos, podem ser reciclados por meio da compostagem ou biodigestão, o que poderia produzir biometano ou biogás e reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa.

Atualmente, menos de 0,2% desses materiais são transformados em gás natural através da decomposição dos resíduos orgânicos depositados nos aterros sanitários brasileiros. Esse gás passa por uma purificação e então dá origem ao biometano.

Dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), apontam que o Brasil tem seis plantas de produção de biometano localizadas em aterros sanitários, número considerado baixo pelos especialistas ouvidos pela reportagem. Essas plantas ficam três em São Paulo, duas no Rio de Janeiro e uma em Fortaleza.

“Precisamos pensar em outras fontes de combustíveis que não sejam o fóssil, uma alternativa viável é justamente investir na produção de biometano a partir dos resíduos sólidos orgânicos. A sua extração é mais econômica e contribui para a descarbonização”, acrescenta Maranhão.

Ainda segundo Maranhão, com o melhor aproveitamento da estrutura já existente, incluindo a operação de outras sete plantas que estão em processo de autorização, o Brasil teria capacidade para suprir cerca de 5% da atual demanda nacional por gás natural.

Hoje essa demanda é estimada em 58,4 milhões de Nm³/dia pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Esse mercado é formado por diferentes setores econômicos, como industrial, automotivo, residencial, comercial, geração elétrica, por exemplo.

“Para isso, todas as cidades com mais de 320 mil habitantes precisam destinar seus resíduos para aterros sanitários com planta de biometano. Mas para chegarmos a esse patamar é necessário maior investimento na logística desse material”, diz.

A produção de biometano funciona assim: após coletado, os resíduos sólidos são encaminhados para a triagem onde os materiais recicláveis como vidro e plástico são separados dos materiais orgânicos.

A parte orgânica então vai para o aterro onde é encapsulada. Os resíduos são enterrados e começam a se decompor, liberando o biogás. Uma tubulação capta esse gás e o encaminha para filtros. Parte do biogás vai para a produção de energia elétrica e outra parte é purificada e transformada em biometano.

O papel fundamental dos catadores

Para a outra parte dos resíduos, aquela que é reciclável, investir em cooperativas, formalizar e remunerar os serviços prestados pelos catadores é essencial para estimular a reciclagem. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que os catadores são responsáveis por coletar quase 90% de todos os materiais recicláveis no Brasil.

“Reciclar faz com que eu traga de volta esses materiais à cadeia produtiva, reduzindo a necessidade de extração de muitos desses produtos da natureza, como o papel por exemplo. Também reduz a necessidade de criação de novos aterros. Lembrando que está cada vez mais difícil encontrar espaços para isso”, explica Carlos Alberto Moraes, membro do Comitê Gestor da Aliança Resíduo Zero Brasil.

Fora esses aspectos, a conscientização da população sobre consumo consciente e destinação adequada de resíduos deve ser intensificada desde a infância, seja por aulas na escola ou através de campanhas que estimulem o reaproveitamento.

“Por exemplo, as pessoas podem dar preferência para materiais ou objetos que podem ser utilizados várias vezes, como usar ecobags ao invés de sacolinha de plástico. Ou então, preferir o uso de copos que não sejam descartáveis e assim reduzir ao máximo o descarte e aumentar o reaproveitamento de materiais. Mas essa mudança de hábitos é algo que deve ser condicionado desde a infância”, acrescenta Brüning.

Lixões já deveriam ter sido erradicados

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, estabelece diretrizes para o manejo adequado de resíduos sólidos no Brasil e promove a responsabilidade compartilhada entre governos, empresas e população.

A PNRS prevê ações como a destinação correta dos mais diversos tipos de materiais, coleta seletiva, reciclagem e compostagem de resíduos orgânicos. Além disso, ela prioriza a não geração de lixo e a redução de desperdícios, com o objetivo de reduzir os impactos ambientais, proteger os recursos naturais e fomentar uma economia sustentável.

Apesar de mais de uma década desde sua criação, muitos dos objetivos da PNRS ainda não foram alcançados, como a erradicação de lixões, que deveriam ter sido encerrados até agosto de 2024. A estimativa da Abrema aponta que ainda existem três mil lixões no país.

As maiores dificuldades dos municípios para extinção dos lixões e implantação de aterros sanitários estão relacionadas a carências dos municípios, principalmente de quadros técnicos especializados na área de meio ambiente, para desenvolver projetos e acompanhar a implementação das políticas ambientais, bem como a ausência de taxas e tarifas para custear as despesas de implantação, operação e manutenção dos serviços de coleta e destinação de resíduos.

“É imprescindível que ocorra o fortalecimento institucional dos municípios para gerir os sistemas de resíduos sólidos, como a instituição de taxa de resíduos sólidos e a elaboração de planos de resíduos, bem como o agrupamento de municípios em consórcios para ganho de escala e rateio de custos de infraestrutura e gestão (aterros sanitários, caminhões de coleta, equipe técnica, unidades de tratamento, entre outros)”, disse o Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática, em nota enviada à DW. E acrescentou que vem oferecendo apoio aos municípios por meio de programas de apoio e incentivo à reciclagem.

“O governo federal tem apoiado municípios e consórcios públicos em projetos para desvio de resíduos dos lixões por meio da reciclagem, criando as condições adequadas para que se promova a erradicação com a inclusão socioprodutiva dos catadores de materiais recicláveis”, acrescenta a nota.

Paralelamente a isso, em dezembro, o plenário do Senado aprovou um projeto de lei que proíbe a importação de resíduos sólidos, como papel, plástico, vidro e metal pelo Brasil. A proposta altera a PNRS e aguarda sanção presidencial. Entre 2012 e 2021, a importação de resíduos sólidos pelo país mais que dobrou, saltando de 4,12 mil toneladas para 8,62 mil toneladas, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.