17/08/2011 - 21:00
Um clima de déjà vu assolou o planeta na semana passada. O rebaixamento na sexta-feira 5, da avaliação de risco dos Estados Unidos pela agência Standard & Poor’s, de AAA para AA+, trouxe de volta o medo do desconhecido que houve durante a crise de 2008, quando o sistema financeiro americano foi à bancarrota. Embora o mundo todo acompanhasse, em tempo real, há três anos, o esforço dos líderes globais para fortalecer as fragilizadas economias americana e europeia, ninguém calculava que – pela primeira vez na história – haveria uma mudança de patamar do mais seguro porto financeiro. Houve histeria dos investidores e as bolsas de valores despencaram mundo afora (leia mais sobre a reação dos mercados nas matérias de Finanças e Dinheiro do Investidor). Porém, desta vez a situação é bem diferente – e muito mais tranquila para o Brasil.
Pânico no mundo financeiro, otimismo no Brasil: mercado interno e bons fundamentos blindam o País das oscilações
Apoiado por um mercado interno aquecido e pela demanda em alta de commodities, a economia brasileira está preparada para quebrar o gelo de uma eventual retração das atividades nos países desenvolvidos. O otimismo do bilionário Eike Batista, o empreendedor mais arrojado do País, serve de exemplo para quem se deixa abater pelas más notícias vindas do Exterior. “A economia do mundo real nas minhas áreas de atuação está cuspindo fogo!!!”, escreveu o dono do grupo EBX em sua página no microblog Twitter, na mesma segunda-feira negra, logo após aprovar um aumento de salário de 8,5% a todos os funcionários de suas empresas. Na quarta-feira 10, ele conversou com a DINHEIRO. “No mundo de verdade, todo mundo quer produzir”, afirmou. “Há 20 empresas estrangeiras vindo ao Brasil para se instalar no Porto de Açu, no norte do Rio de Janeiro. Temos um memorando de entendimento com outras 60.”
Assim como ele, um alto executivo de uma das maiores companhias exportadoras do País, que viu o preço de suas ações despencar nas bolsas, minimiza o impacto da crise nos negócios. “Não perdemos o sono numa hora dessas”, disse à DINHEIRO. “Olhamos com atenção para 2012 e 2013 para saber se haverá queda de consumo em alguns países e quais ajustes seriam necessários. Mas sem estresse.” Como ele, muitos exportadores de commodities se tranquilizam pelo fato de os contratos de venda de 2011 já estarem assegurados. E, ainda, porque o epicentro da crise está, de novo, nos Estados Unidos, que já perderam para a China a posição de maior parceiro do comércio exterior do Brasil.É verdade que pode haver um ajuste de preços de commodities no ano que vem, se a demanda estiver mais fraca. Mas como a maior parte do consumo desses produtos está aquecida nos países emergentes, como China, Índia e Brasil, não é o caso de seguir a manada apavorada das bolsas de valores.
Eike Batista, da EBX: “No mundo real todos querem produzir no Brasil”
Coube à presidente Dilma Rousseff e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, lembrar que o País hoje está mais preparado para enfrentar a crise global do que em 2009. “Temos quase 60% a mais de reservas internacionais do que há dois anos – são quase US$ 350 bilhões hoje –, e um pouco mais que o dobro em depósitos compulsórios dos bancos, ou cerca de R$ 420 bilhões”, disse a presidente no início da semana. As reservas garantem ao País um colchão para proteger a moeda, e os depósitos podem ser afrouxados, caso haja necessidade de incentivar o consumo num eventual quadro de recessão global. Dilma pondera que os bons fundamentos não tornam o Brasil totalmente impermeável. “Não somos imunes, pois não vivemos numa ilha”, afirmou.
É verdade. Mas a expectativa em Brasília é de que, se o mundo crescer menos do que o esperado, isso não deverá afetar o crescimento da renda ou do emprego no País. “Estamos preparados para tomar todas as medidas necessárias para garantir a manutenção dos investimentos, do crédito e dos empregos”, disse o ministro Guido Mantega à DINHEIRO, na quarta-feira 10. Algum contágio da crise poderia ocorrer por conta da queda de preço das commodities, que representam quase 70% das exportações brasileiras. O efeito das cotações menores, entretanto, não vai aparecer na balança comercial deste ano, estima José Augusto Castro, presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB). “O peso agora é mais psicológico do que econômico”, diz Castro.
O geólogo Luciano Borges: ”Contratos para entrega de commodities nos EUA e na Europa não serão interrompidos”
O que mantém a confiança do setor privado é o vigor do mercado interno, que teve seu ímpeto refreado desde o final do ano passado pelas medidas macroprudenciais. “Não devemos cultuar o caos”, diz o presidente da Whirlpool para a América Latina, José Drummond Júnior. “O mercado brasileiro é sólido, temos renda e demanda”, afirma o executivo, que investirá US$ 216 milhões este ano, 20% a mais do que no ano passado. “A crise internacional não vai atrapalhar os negócios da Whirlpool nem de nenhuma grande companhia brasileira que tenha planejamento estratégico de longo prazo.” O País ainda se beneficia das boas relações comerciais com a China. “Um terço de nosso minério de ferro segue para o mercado chinês, em função da infraestrutura necessária para o processo de urbanização do país”, diz o geólogo Luciano Borges, ex-secretário de Minas e Energia no governo de Fernando Henrique Cardoso. Outro terço da produção é embarcada para Estados Unidos e Europa.
E os projetos que já estão contratados nessas regiões não devem parar. “Pode haver problema para novos contratos, mas o que está encomendado não vai se perder”, afirma. Outro fator do qual o Brasil pode tirar partido, neste momento, é a pressão menor sobre a inflação, que rondou o teto da meta (6,5% ao ano). Com preços de commodities menos pressionados, o caminho estaria aberto para a interrupção do ciclo da alta de juros. “Dependendo do impacto da crise, o Banco Central pode começar a reduzir a taxa Selic”, diz o economista-chefe do banco Pátria, Luís Fernando Lopes. O economista britânico Jim O’Neill, chefe de pesquisa do banco Goldman Sachs, lembra que não há como alterar os ventos favoráveis que sopram para os emergentes, em função de sua demanda doméstica. E que as bolsas ainda podem ter uma nova injeção de ânimo no próximo mês. “Os mercados financeiros poderão ter um novo rali de compras na metade de setembro”, prevê O’Neill.
Colaboraram Denize Bacoccina, Cristiano Zaia e Tatiana Bautzer