Nos anos 1950, maioria dos casais se conhecia em eventos familiares. Hoje, internet passou a ser o cupido da nova geração.Eliana Carvalho do Amaral Coutinho e Alberto Coutinho Filho estão prestes a completar 60 anos de casados. Ainda jovens, se conheceram durante uma festa na casa de uma tia em comum, em 1961. Foram apresentados por familiares, começaram a conversar e estão juntos até os dias de hoje.

“Nosso relacionamento sempre foi tranquilo, com muito amor e bastante compreensão. O início do namoro, nesta época, era bem diferente dos atuais. Sair sozinhos era quase impossível. A liberdade era restrita e os encontros eram em casa, sob os olhos das famílias. Mas o importante é que sempre superamos e apoiamos um ao outro. Creio que isto foi fundamental para a nossa união”, conta Eliana Coutinho.

Cinco décadas depois de Eliana e Alberto, foi a vez de Catarina Leal Brener e Pedro Lemos da Silva Araújo começarem a namorar. Com 24 e 26 anos, respectivamente, o casal teve o primeiro contato por meio de um aplicativo de relacionamento. Eles completam sete anos juntos, em 2024.

“Eu não acreditava nos encontros pela internet, por isso, baixei o aplicativo sem nenhuma expectativa. Até que encontrei o Pedro. Marcamos de beber em um bar e confesso que saí do date apaixonada, querendo vê-lo novamente”, disse Catarina.

O ponto de partida na trajetória dos casais se distancia em pouco mais de 50 anos. E ao longo dessas décadas, mudanças também ocorreram na forma como casais se conhecem e apaixonam.

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em parceria com o Instituto Ipsos, detalhou como o encontro de parceiros evoluiu ao longo da história. Por muito tempo, casais se conheciam por amigos em comum, família, trabalho, escola e eventos na igreja.

Hoje não mais. Atualmente, seis em cada dez casais têm o primeiro contato pela internet. E depois, após horas estabelecendo laços de forma online, marcam um encontro presencial. A pesquisa, que teve os dados atualizados em 2023, escutou cerca de 2,3 mil pessoas espalhadas por todos os continentes.

Evolução ao longo das décadas

A pesquisa de Stanford inicia a cronologia dos relacionamentos a partir da década de 50. No período, 26% dos parceiros se conheciam em eventos familiares, enquanto 19% eram apresentados por amigos em comum. Logo em seguida, apareciam as escolas e eventos na igreja entre os lugares com maior propensão em unir novos casais.

Nas duas décadas seguintes, uma nova tendência. De acordo com o estudo, 23% dos relacionamentos passaram a ter início durante atividades realizadas entre amigos. Os encontros em eventos familiares caíram para 20,5%. As escolas apareciam na terceira posição, com 17%.

Nos anos 80, uma outra mudança. O ambiente de trabalho passou a figurar entre os principais lugares responsáveis pelo primeiro contato dos casais, com mais de 20%. A faculdade também passou a ter relevância, a partir deste período, com 14%. No caminho oposto, as reuniões familiares e os eventos na igreja perderam, ano após ano, a importância quando o quesito era formar novos casais.

“Depois da Segunda Guerra Mundial, existiu um movimento muito claro onde as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho. Com isso, naturalmente, homens e mulheres conviviam mais tempo juntos, o que fomentou novos relacionamentos. Antes da guerra, os espaços de trabalho eram majoritariamente masculinos e isso se reflete nos números”, explicou à DW Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação.

Já o boom da internet começou a engatinhar no fim da década de 1990. Uma tendência promissora, que se desenvolveu ao longo dos anos e criou um fenômeno responsável pelo encontro de milhões de casais ao redor do mundo.

Em 2015, a internet se tornava o maior hub de encontros no mundo, intermediando a união de 40% dos casais. A preferência pelos aplicativos de relacionamento explodiu ainda mais durante a pandemia de covid-19, momento em que a vida social foi interrompida. Nos dias atuais, a internet é responsável pela formação de 60% dos casais.

“Tudo muda brutalmente com o advento da internet. Antes, só era possível se relacionar com pessoas geograficamente próximas a você. Ou seja, ficava limitado a um determinado espaço físico. Essa realidade está ultrapassada e a era dos aplicativos tende a predominar cada vez mais”, completou Igreja.

E, segundo Alyne Melo, mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP), essa revolução digital está longe de acabar. Para ela, os novos arranjos vinculares ainda estão em processo de consolidação.

“É impossível dizer quando esse processo deve se estabilizar. Estamos em um período de transição entre os valores tradicionais e as relações contemporâneas. A pandemia aumentou a velocidade desse movimento, e todos os arranjos vinculares passam por uma transformação drástica e diária”, acrescenta Melo.

Relações modernas

No entanto, o mundo digital não influenciou apenas positivamente os relacionamentos, segundo Melo. Ao passo que a internet democratizou o encontro de pessoas, ela criou um processo de individualização do ser, as tradicionais “bolhas”, termo utilizado entre os jovens.

“A verdade é que estamos com uma dificuldade em nos reconhecermos como grupo. A internet trouxe isso nas pessoas. Principalmente nesta nova geração. Cada um vivendo a sua realidade, o que dentro de um relacionamento precisará ser administrado”, ressalta.

No entanto, essa situação pode ser facilmente contornada, afirma Larissa Gonçalves, mestranda em Psicologia Clínica e Neurociência na Universidade de Pavia, na Itália. “O background de cada indivíduo e o primeiro encontro, seja online ou presencial, são apenas pontos de partida, mas de forma alguma determina o futuro de um casal. Todo relacionamento é construído diariamente, nos pequenos esforços”, explica.

Gonçalves lembra ainda que relações sólidas demandam dedicação constante, com trocas cotidianas. “Pequenos gestos de atenção, diálogo constante e a vontade mútua de construir algo juntos. Tudo isso faz o vínculo do casal se fortalecer cada vez mais”, conclui.