Na França de Luís 14 o jardim era símbolo de controle sobre a natureza. A moda se espalhou e perdura, mas em tempos de crise climática e falta d’água, os dias dos gramados impecáveis podem estar contados.Gramados são como pequenos oásis, uma fatia pessoal da natureza. Mas ao longo da história eles também têm sido usados como símbolos poderosos de ordem e riqueza.

Quando o monarca francês Luís 14, o “Rei Sol”, se mudou para Versalhes, em 1661, ele contratou o paisagista André Le Nôtre para projetar os jardins do palácio. O famoso arquiteto compreendia que esses espaços, com seus elaborados gramados, eram manifestos políticos: através deles o soberano comunicava que tudo estava em ordem e sob controle.

Uma peça importante era o tapis vert, o “tapete verde” que ligava o palácio aos jardins: ele não era para se caminhar, fazer piquenique ou para animais pastarem, mas sim um símbolo de status, poder e vitória.

“Olhando-se de perto, o capim de um prado clássico tem todo tipo de outras plantas, margaridas, violetas, trevo e morangos, por exemplo”, comenta o arquiteto paisagista aposentado Ian Thompson, da Universidade de Newcastle, Inglaterra. Porém os impecáveis gramados de Versalhes são da grama pura que venceu essas flores e ervas: eles expressam domínio sobre a natureza, sobre essa entidade desconhecida, potencialmente hostil e perigosa.

No século 17, as ideias sobre a relação do ser humano com a natureza estavam em mutação. O filósofo René Descartes argumentava que a natureza, representada pelo corpo, é caótica e distinta do espírito, da razão humana mais elevada. E essa noção do jardim como mente racional colonizando o corpo irracional perdurou por séculos.

Através do Canal da Mancha e do Oceano Atlântico

O gramado à la Luís 14 foi em parte adotado do outro lado do Canal da Mancha. Porém no século 18 a aristocracia inglesa introduziu um toque individual, passando a incorporar prados e bosques de árvores e arbustos em seus jardins mais “naturais” – ainda que altamente bem-cuidados e estilizados. Por sua vez, a rainha Maria Antonieta da França adotou essa variante, criando um minijardim inglês em seu palácio.

Enquanto isso, nos Estados Unidos da América o jardim inglês dominava. O presidente George Washington ordenou a criação de um campo de boliche ao ar livre, o bowling green, e um parque de veados em sua vasta residência e plantação cultivada por escravos de Mount Vernon. Consta que ele teria mandado importar sementes de grama inglesa para esse fim.

Thomas Jefferson, o terceiro presidente americano, autor da Declaração da Independência, também cultivava em sua residência uma área verde apelidada “The Lawn” (o gramado). Algumas décadas mais tarde, a moda tinha tomado conta do país: o primeiro cortador de grama puxado a cavalo foi patenteado em 1830.

Ocaso dos gramados minimalistas?

Inicialmente relegados ao fundo da casa, em breve essas bem mantidas faixas de vegetação ração passaram a ser orgulhosamente exibidas na frente dos lares americanos. Assim como os jardins da realeza francesa e da aristocracia inglesa, nos Estados Unidos do século 20, o quintal de entrada se tornou uma espécie de local de exposição, símbolo de domínio da natureza.

Mas com a condição de que fosse minimalista e imaculado: “É basicamente um pedaço de grama com nada em cima”, resume a historiadora ambientalista Jenny Price. “É muito uma coisa de classe, em geral não é permitido colocar nada no jardim de entrada: nada de cadeiras, decoração, nada.”

Ainda hoje, o gramado verdejante é um dos orgulhos da Casa Branca, por exemplo. Contudo a era dos gramados perfeitos pode estar chegando ao fim: Price lembra que eles exigem muita irrigação e pesticidas, e num contexto de mudanças climáticas e escassez d’água, cresce a preferência por árvores e biodiversidade.

“Estamos voltando para o prado florido”, afirma Thompson. “E na verdade o jardim suburbano é um dos locais que pode ser um santuário de vida selvagem. Acho que isso deve ser encorajado.”