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NOS ESTADOS UNIDOS, O PREsidente George W. Bush exercia seu primeiro mandato e a ofensiva militar contra o Iraque era apenas um plano de ataque. No Brasil, as pesquisas apontavam que, pela primeira vez em quatro disputas presidenciais, Luiz Inácio Lula da Silva seria eleito. Diante do que parecia um risco, o dólar disparava, a economia nacional afundava e já se falava até em moratória da dívida externa. Foi nesse contexto que, em 23 de junho de 2002, os principais falcões do Partido Republicano rumaram para um encontro anual em Beaver Creek, no Colorado. Havia convidados de várias partes do mundo e o único brasileiro presente era o empresário Mario Garnero, sócio do grupo Brasilinvest e amigo dileto da família Bush. A certa altura, Garnero teve uma conversa reservada com Dick Cheney, o vice americano. Pretendia falar da situação política brasileira, que já preocupava a Casa Branca. Sem meias palavras, Cheney o interrompeu. ?Where is Serra??, indagou, querendo saber se o então candidato tucano, José Serra, estaria presente. Garnero disse que não, mas levava algo mais importante: uma carta escrita por José Dirceu, à época presidente do PT, encaminhada a Cheney. Nela, Dirceu indicou que seu partido pretendia abrir um canal de diálogo com os republicanos e que, em breve, organizaria uma visita de Lula aos EUA.

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A carta, que foi obtida com exclusividade pela DINHEIRO e está registrada num cartório em São Paulo, marcou o início da distensão entre o PT e o governo americano. O mesmo documento foi também entregue por Garnero a outros líderes republicanos, como Donald Evans, secretário de comércio, e Lawrence Lindsey, assessor direto de Bush. Muitos perguntavam sobre os riscos que um governo Lula representaria para a economia brasileira ? o que se temia, em Washington, era a repetição da crise argentina. Garnero os tranqüilizou e disse que, poucos dias depois, haveria uma prova concreta de que o governo petista não promoveria rupturas. Estava certo. No fim de semana seguinte ao encontro de Beaver Creek, o PT divulgou a Carta ao Povo Brasileiro, que pregava o respeito aos contratos, o pagamento da dívida externa e a continuidade da política econômica. A partir daí, estabeleceu-se uma conexão direta entre José Dirceu e a Casa Branca, com apoio da embaixada americana em Brasília. Dias atrás, o jornal Valor Econômico publicou documentos do Departamento de Estado, que revelaram o aval do governo americano ao candidato Lula. O aspecto positivo, que eles enxergavam, era a possibilidade de que o esquerdismo suave de Lula fosse um contrapeso ao populismo do venezuelano Hugo Chávez ? como de fato tem sido.

O curioso é que a aproximação entre o PT e a Casa Branca começou a nascer antes mesmo da campanha eleitoral. Em 2001, Lula fez uma visita de cortesia ao governo cubano, em Havana, e ouviu um conselho de Fidel Castro. O ex-ditador, hoje aposentado, disse a ele que um candidato de esquerda só conseguiria se eleger no Brasil se obtivesse a neutralidade do governo norte-americano. O diagnóstico foi relatado ao empresário Garnero em Paris, numa reunião anual do conselho do grupo Brasilinvest, pelo militante petista Luiz Carlos Gaspar, um ex-guerrilheiro que foi exilado em Cuba e hoje atua na Prefeitura de Campinas. A partir disso, Garnero começou a articular reuniões entre Dirceu e a exembaixadora americana no Brasil, Donna Hrinak. E enquanto soavam os alarmes do mercado financeiro em relação ao risco-Lula, Hrinak enviava memorandos ao Departamento de Estado, elogiando o PT. Num encontro com o então candidato Lula na sede do Brasilinvest, ela o conquistou de vez, ao se apresentar não como embaixadora, mas como ?neta de um metalúrgico de Pittsburgh?.

O ápice dessa articulação, que teve Garnero como peça central, foi a decisão de Bush de receber Lula na Casa Branca como presidente eleito, antes mesmo da posse, o que é fato raro na liturgia da Casa Branca. Depois desse encontro, que selou o início da amizade entre os dois, Lula fez um confissão a Garnero, num jantar na embaixada brasileira, em Washington. ?Se vivêssemos sem preconceitos, tudo seria mais fácil?, disse o presidente. ?Bush é completamente diferente do que eu fazia idéia; é simples e direto e por isso nós nos demos muito bem.? O Brasil de Lula, na certa, também se mostrou bem distinto daquele que muitas autoridades americanas imaginavam antes das eleições de 2002.