Governo federal alemão paga 70 mil euros por ano em imposto predial de centro cultural russo situado em endereço nobre da capital. Críticos dizem que local é ponto de disseminação de ideologia do Kremlin.Objeto de disputa acirrada, resquício de uma época de harmonia entre Alemanha e Rússia e há tempos motivo de discórdia em Berlim: a “Casa Russa”. O prédio de sete andares e quase 30 mil metros quadrados localizado no centro da capital alemã foi inaugurado em 1984. Na época, ainda no tempo da Alemanha Oriental, o lugar deveria ser um centro de celebração da amizade com a União Soviética, sediando eventos como concertos, exibições de filmes e leituras de livros.

Os atuais gestores do espaço ainda afirmam que nele se honra a amizade entre os dois países. “A Casa Russa é a embaixada cultural da Rússia no coração de Berlim”, diz o site da embaixada russa. Mas alguns críticos argumentam que os eventos, que, de acordo com a casa, atraem 200 mil visitantes por ano, servem sobretudo como propaganda para o regime de Vladimir Putin.

Sabão em forma de tanques de guerra

A mídia de Berlim, por exemplo, vem relatando sobre alguns eventos no cinema do prédio – em um deles, foi exibido um filme sobre o Holocausto que retrata cidadãos ucranianos como nazistas. Segundo Robin Wagener, parlamentar do Partido Verde, é possível comprar no prédio sabonetes infantis no formato de tanques de guerra. “É hora de reconhecermos que não se trata de um trabalho cultural, mas de propaganda dentro da Alemanha sobre a guerra russa contra a Ucrânia”, critica o deputado.

Por essa e outras, Wagener quer discutir um detalhe particularmente bizarro: a propriedade localizada na rua Friedrichstrasse pertence ao governo alemão, e a gestão do edifício é da agência federal estatal russa Rossotrudnichestvo, oficialmente voltada para assuntos da comunidade de Estados independentes, compatriotas residentes no exterior e cooperação humanitária internacional.

A entidade, que tem como objetivo principal promover a difusão do idioma russo no exterior, está atualmente representada em 62 países em todo o mundo, com 73 organizações semelhantes à de Berlim. A agência está na lista de sanções da UE desde 2022, após a invasão russa na Ucrânia. Na época, a UE justificou a medida afirmando que o objetivo da agência é “consolidar uma percepção pública mais ampla sobre os territórios ucranianos ocupados” pela Rússia. O chefe e o vice-chefe da agência também expressaram claramente seu apoio à guerra de agressão russa contra a Ucrânia.

Dinheiro alemão para propaganda russa?

Entretanto, o Estado alemão deve ao fisco 70 mil euros (R$ 450,4 mil) referentes ao imposto predial de 2024 do imóvel. Isso devido a um acordo de longa data entre a Alemanha e a Rússia, em que é reconhecida a importância do trabalho cultural da entidade. Wagener quer garantir que essa quantia seja cortada nas próximas negociações orçamentárias.

Ele já teve essa ideia há um ano, mas a disputa interna na então coalizão de governo da gestão do chanceler federal Olaf Scholz, entre social-democratas, verdes e liberais, fez com que as negociações sobre o orçamento estatal alemão não pudessem ser finalizadas. O motivo de Wagener para o possível cancelamento é que o objetivo original do centro, ou seja, promover o intercâmbio cultural mútuo, há muito tempo foi esquecido. “A Rússia continua a causar tensão, e isso está exacerbando a situação. A base para esses acordos culturais recíprocos era promover o intercâmbio cultural e científico mútuo”, afirma o legislador.

Wagener encaminhou um questionamento formal ao governo alemão sobre esse assunto. A resposta afirma: “Com relação ao prédio localizado na propriedade, pertencente à Federação Russa, a República Federal da Alemanha paga o imposto predial para a Federação Russa, com base em sua obrigação legal nos termos do acordo bilateral alemão-russo de 2013 sobre questões de propriedade relacionadas a institutos culturais”. Quer dizer, devido a um acordo que foi concluído antes da ocupação russa da Crimeia.

Temor que Moscou feche o Instituto Goethe

É mais do que incerto se os fundos serão bloqueados. O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha declarou repetidamente que os funcionários do instituto têm status diplomático na Alemanha. E não chega a ser segredo algum que o governo alemão esteja evitando um conflito aberto sobre a Casa Russa, por temer que o governo russo possa reagir fechando o Instituto Goethe em Moscou.

Wagener, no entanto, quer continuar a fazer campanha pelo fechamento. “Acredito que essa casa russa não tem futuro como mediadora cultural. Quem quiser se envolver seriamente com a cultura russa – o que acho muito louvável – pode recorrer a pontos de encontro da sociedade civil, dos quais participam inclusive perseguidos pela Rússia que vivem conosco na Alemanha, porque não podem mais viver sua cultura livremente na Rússia”.

No entanto, a “Casa Russa” provavelmente poderá continuar organizando seus eventos por enquanto. No coração de Berlim, em uma das ruas mais famosas da capital alemã.