No dia 14 de janeiro último, o executivo Erli Rodrigues, presidente da American Airlines no Brasil, sentou-se à sua mesa na sede da companhia, apanhou uma folha em branco e escreveu: Clientes, Funcionários e Imagem. Essas três palavras norteariam sua atuação nas próximas horas. Minutos antes, ele havia recebido um telefonema do gerente da empresa responsável pelas operações no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, o maior do País. Nervoso, o subordinado narrara que um piloto da companhia, Dale Robbin Hersh, acabara de ser detido pela Polícia Federal por desacato à autoridade. Hersh fizera um gesto obsceno captado pela foto de identificação dos americanos que desembarcam no País. A tripulação, considerada solidária com a atitude do comandante, foi impedida de ingressar em território brasileiro. Em pouco tempo, a imprensa foi avisada e as fotos do piloto ganharam espaço em sites e nos noticiários da televisão. O dedo em riste do comandante e seu olhar levemente irônico tinham potencial para se transformar numa crise diplomática e provocar fissuras profundas na imagem e nos negócios da American no País.

É difícil traduzir em números os efeitos de uma crise desse tipo. A reação mais imediata poderia ser a fuga dos brasileiros dos aviões da American, interrompendo assim uma trajetória de crescimento da empresa no País. Hoje 44 vôos da companhia decolam dos aeroportos brasileiros por semana ? eram apenas sete em 1990. Pior: a notícia foi parar nos principais jornais americanos, como o Washington Post e New York Times. Os próprios viajantes americanos poderiam, condenando o episódio, optar por um concorrente na hora de comprar uma passagem. No mundo onde a marca é o bem mais valioso de uma empresa, até mesmo os investidores estão cada vez mais sensíveis a esses fatos. ?Diversos fundos de pensão só investem em empresas socialmente responsáveis?, alerta Ciro Dias Reis, sócio da Imagem Corporativa, empresa de relações públicas.

Esses riscos certamente foram lembrados por Rodrigues ao receber o telefonema de Cumbica. ?Uma crise acabara de se instalar?, diz Rodrigues. ?Era necessário agir rápido, mas sem precipitação.? Daí surgiram as três palavras mágicas, o trio de prioridades para Rodrigues. O primeiro passo era garantir a operação dos vôos da companhia. Os pilotos e as comissárias detidos no Aeroporto formavam a tripulação de um vôo que partiria no dia seguinte de manhã para Assunção, no Paraguai. ?Esse pessoal não teria condições físicas para embarcar na manhã seguinte. E tínhamos 200 passageiros para embarcar em questão de horas?, recorda Rodrigues. Imediatamente ele ligou para o System Operation Control, uma central de controle da companhia, que comanda a operação mundial de quatro mil vôos diários, a partir de Dalas, nos EUA. Ao mesmo tempo, acionou o chefe dos pilotos em Miami. Em uma hora, a logística de vôos havia sido redesenhada. Uma nova equipe de pilotos e comissários havia sido escalada e embarcaria imediatamente para o Brasil, a tempo de assumir o vôo para Assunção. Apagado o incêndio inicial, Rodrigues dedicou-se ao segundo item de sua lista de prioridades: os funcionários. ?Quanto antes os tirasse do País, mais rápido o foco da antipatia em relação à companhia seria extinto?, diz Rodrigues. ?A atitude de um funcionário não poderia ser vista como política da empresa. Temos relação de respeito com o consumidor brasileiro e faço tudo para manter isso.?

Anistia. A partir daí, Rodrigues mergulhou na tarefa mais delicada daquele dia carregado de tensão: tirar o piloto do País o mais rápido possível ? o que não significou uma anistia em relação ao seu ato. Ao regressar aos EUA, Hersh foi afastado temporariamente de suas funções, e um inquérito administrativo foi aberto para apurar sua postura. Seu destino não está definido, mas nada garante que Hersh continue na companhia.

Antes de ser liberado no Brasil, ele foi levado para um tribunal de Guarulhos. O juiz determinou uma multa de R$ 36 mil a ser revertida para uma instituição de caridade. A American não questionou a decisão. No dia seguinte, uma agência do Citibank abriu as portas mais cedo para que executivos da American sacassem o dinheiro e pagassem a multa. Horas depois, Hersh embarcava em um vôo da TAM rumo aos EUA. A tripulação havia sido liberada horas antes. Em resumo: em pouco mais de 24 horas depois do gesto arrogante de Hersh, nenhum dos protagonistas estava em solo brasileiro. ?Enquanto ele estivesse em território brasileiro, as luzes estariam sobre ele e o assunto não seria enterrado pela imprensa?, afirma João Rodarte, presidente da CDN, empresa de assessoria de comunicação. ?Nesse ponto, a American agiu com eficiência e acerto.?

Ainda restavam resquícios . No dia 25, a American distribuiu uma nota pública lamentando o ocorrido e desculpando-se com o governo brasileiro. Mais alguns dias e Brian Fields, chefe dos pilotos da American em Miami, aterrissava em São Paulo exclusivamente para uma visita de cortesia ao delegado da Polícia Federal no Aeroporto de Cumbica. Rodrigues estava junto. ?Queríamos deixar claro nosso apreço pelo Brasil?, diz ele. Era a luta para recuperar a imagem que o desastrado piloto havia colocado em risco.

Colaborou Darcio Oliveira