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Iafelice: presidente executivo também chefiava o conselho de administração

 

AÇÃO É UM INVESTIMENTO DE RISCO. Nada como um grande escândalo corporativo para lembrar as pessoas deste princípio básico de investimentos. O caso Agrenco, que ganhou as páginas policiais e de investimentos da imprensa na semana passada, já nasce como um clássico do mercado de capitais brasileiro. Ficará na memória de investidores, analistas, reguladores, banqueiros e empresários que se animaram com a onda das aberturas de capital e de IPOs (ofertas públicas iniciais) que inundou a Bolsa de Valores neste início de século. As 799 pessoas físicas, os seis clubes de investimento, os 18 fundos e os 78 investidores estrangeiros que aplicaram a maior parte dos R$ 666 milhões captados pela Agrenco em outubro de 2007 não podiam imaginar o que estava por vir. E quem poderia? Somente oito meses depois de estrear na Bolsa, a multinacional brasileira do agronegócio entrou em dificuldades financeiras, seus principais acionistas e executivos foram presos e suas ações viraram pó, perdendo 88% de seu valor.

Os sócios Antônio Augusto Pires Júnior e Antonio Iafelice – que também presidia o conselho de administração – e o diretor de relacionamento institucional, Francisco Carlos Ramos, foram presos na Operação Influenza. A Polícia Federal suspeita de desvio de dinheiro da empresa, fraudes de balanços, sonegação fiscal e outros crimes. Dentre eles, a simulação de negócios com produtores de soja para possibilitar a lavagem de dinheiro. Se forem comprovadas as acusações, o debate sobre a governança corporativa, a segurança dos investidores e o papel das entidades reguladoras e auto-reguladoras será muito mais interessante daqui para a frente. Muitos dos personagens envolvidos com a Agrenco são ícones do mercado de capitais e a maneira como vão sair dessa encrenca poderá trazer lições importantes para o futuro.

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Várias grifes podem sair chamuscadas do episódio – ou não. Tudo vai depender das diligências policiais e das investigações do xerife do mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com sede na Holanda, a Agrenco tem três experientes conselheiros independentes: José Guimarães Monforte, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); Cássio Casseb, ex-presidente do Banco do Brasil e do Pão de Açúcar; e o consultor James Wright. A empresa de Monforte, a Pragma Patrimônio, atuou como “assessor contratado” da distribuição pública dos Brazilian Depositary Receipts (BDRs), recibos de ações utilizados para a entrada na Bovespa. O banco Credit Suisse foi o principal coordenador da operação no Brasil, junto com o Banco Real ABN Amro. Os escritórios Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados e Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados também atuaram. E a KPMG foi a responsável pela auditoria dos balanços. Até que ponto esses personagens poderiam ter detectado os problemas que teriam ocorrido na Agrenco e levaram os demais acionistas a perder quase todo o dinheiro investido?

OS CONSELHEIROS MONFORTE (À ESQ.) E CASSEB NÃO DETECTARAM PROBLEMAS E TENTAM SALVAR A EMPRESA

O papel de cada um está sob escrutínio da CVM. O xerife ainda não tinha recebido as informações da Operação Influenza até quinta-feira 26. “Casos como esse são raros. Quando acontecem, iniciamos um processo de investigação para apurar as responsabilidades e ver se havia informações faltantes ou enganosas no prospecto da operação”, afirmou a superintendente de relações com empresas da CVM, Elizabeth Machado. Antes de atribuir culpas e aplicar punições, é preciso conhecer os detalhes das supostas fraudes e infrações cometidas na Agrenco. “A própria empresa foi questionada e declarou que desconhecia as acusações”, diz Elizabeth. A BM&F Bovespa suspendeu a negociação dos BDRs e aguarda informações. “É um caso isolado”, diz João Batista Fraga, diretor de relações com empresas da bolsa.

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PIRES JR.: preso pela Polícia Federal junto com Iafelice, Ramos e outros executivos DREYFUS: aproveitou a crise para injetar dinheiro e adquirir o controle da Agrenco

 

Os acionistas e os executivos sob suspeita continuavam presos na quinta-feira 26. Os três mais graduados renunciaram aos seus cargos na empresa, que está sendo comandada por uma espécie de comitê de crise. Ao que tudo indica, os conselheiros independentes tomaram as rédeas da situação e usam suas reputações para salvar a Agrenco do pior: a asfixia econômica. Monforte, Casseb e Wright tornaram-se co-presidentes do conselho de administração e a primeira medida de impacto que conseguiram produzir foi a venda da Agrenco para o grupo Louis Dreyfus Commodities, um dos líderes mundiais do agronegócio. De cara, a empresa do bilionário francês Robert Louis Dreyfus irá injetar pelo menos US$ 33,5 milhões num aumento de capital que poderá chegar a US$ 65 milhões. Com isso, se tornará a principal acionista. Além disso, fará um empréstimo conversível em ações de US$ 35 milhões e tentará levantar uma linha de crédito rotativo de US$ 150 milhões.

A injeção de capital é necessária para salvar uma empresa cuja receita líquida alcançou R$ 3,4 bilhões em 2007 e R$ 1,2 bilhão no primeiro trimestre de 2008. “A Agrenco não é um negocinho. São três fábricas novíssimas, com equipamento de ponta, com clientes no Exterior”, afirmou Monforte em sua única entrevista sobre o caso, concedida ao jornal Valor. Se a estratégia der certo, vão-se os dedos, ficam os anéis. Defensor da transparência das organizações, Monforte terá muitas explicações para dar nos próximos meses. A Agrenco ignorava princípios básicos de governança corporativa que ele tanto defendeu à frente do IBGC: o presidente executivo, Iafelice, também era presidente do conselho de administração da Agrenco e não havia um conselho fiscal.

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Monforte conhece Iafelice há 33 anos e no domingo 22, assim que voltou de uma conferência sobre governança corporativa na Coréia do Sul, começou a articular a venda ao Louis Dreyfus. Se de um lado há quem critique os conselheiros da Agrenco por não terem detectado um eventual desvio de conduta dos gestores, já que têm por missão fiscalizá-los, de outro há quem veja o lado positivo da história. “Uma empresa sem conselheiros independentes de peso teria dificuldades em arquitetar uma solução financeira como essa”, diz João Pinheiro Nogueira Batista, vice-presidente do conselho de administração do IBGC. Ele ressalva que o IBGC não comenta casos específicos e ainda é prematuro para emitir opiniões sobre a Agrenco.

O fato concreto é que os investidores têm um dilema pela frente: nas próximas emissões de ações de empresas pouco conhecidas, como separar o joio do trigo? Como saber os verdadeiros riscos das operações? A Agrenco tem código de ética, surgiu com o respaldo de grifes do mercado de capitais e, mesmo assim, enterrou o dinheiro de seus acionistas. “Por melhor que seja a governança, é difícil prever esse tipo de problema”, diz Nogueira Batista. Os conselheiros, embora tenham acesso aos documentos que solicitarem, não costumam conhecer os detalhes operacionais das companhias. “Se alguém está para o mal, é difícil pegar antes que o mal aconteça”, diz Álvaro Bandeira, presidente da Apimec, que reúne os analistas de investimentos. O negócio é sempre ter em mente que a Bolsa é um ambiente arriscado, em vários sentidos. Ninguém pode reclamar de falta de alertas. O prospecto da Agrenco trazia 135 vezes as palavras “risco” e “riscos”. “Investir em nossas ações e BDRs envolve riscos significativos”, escreveram os executivos da empresa. Inclusive de “perda total”. Dito e feito.