Washington e Bruxelas querem reprimir plataformas chinesas de baixo custo que se aproveitam de isenções alfandegárias para inundar os mercados de produtos baratos vindos da Ásia.Todos os dias, milhões de produtos baratos comprados online são enviados diretamente da China para consumidores nos Estados Unidos, União Europeia (UE) e outras regiões. Ao contrário da maioria das importações, eles conseguem contornar os procedimentos alfandegários.

Em apenas três anos, a Temu se tornou uma grande rival da Amazon e outras plataformas ocidentais de compras, oferecendo até dez milhões de produtos, que vão de roupas a brinquedos, produtos eletrônicos a tratamentos de beleza, a preços ultrabaixos.

Nos primeiros nove meses de 2024, a Temu obteve receitas de 40,3 bilhões de dólares (R$ 235 bilhões), um aumento de quase 80% em relação ao mesmo período do ano anterior. Uma pesquisa da plataforma YouGov publicada em março do ano passado revelou que quase nove em cada dez americanos conhecem a Temu, enquanto um quarto diz que compraria pela plataforma chinesa novamente.

A Shein, uma plataforma especializada em fast fashion (a comercialização de roupas em grande quantidade e em um curto espaço de tempo) voltada para faixas etárias mais jovens, obteve uma vantagem de 10 anos no modelo direto ao consumidor da Temu. Ela cortou os varejistas intermediários e ultrapassou marcas como H&M e Zara em vendas. No ano passado, a Shein atingiu bilhões de dólares em vendas, um aumento de 19% em relação ao ano anterior, de acordo com o jornal de negócios britânico Financial Times.

Brecha alfandegária gera lucros enormes

As plataformas chinesas se aproveitam de uma regra comercial pouco conhecida chamada de minimis, que permite que produtos com valor inferior a 800 dólares nos Estados Unidos ou 150 euros (R$ 915) na UE sejam enviados sem impostos com verificações alfandegárias mínimas.

“Todos esses produtos chegam da China como encomendas individuais, então é impossível para as autoridades alfandegárias abrirem e verificarem todos eles”, afirmou Agustin Reyna, diretor-geral da Organização Europeia do Consumidor (BEUC), à DW.

A ascensão da Temu e da Shein preocupa os reguladores ocidentais em muitas frentes. Primeiro, as plataformas chinesas estão explorando uma brecha que não foi projetada para o comércio eletrônico em larga escala. O de minimis foi criado para não sobrecarregar as agências alfandegárias com o manuseio de pequenos presentes e itens pessoais enviados através das fronteiras.

Em segundo lugar, muitos dos produtos à venda nas plataformas chinesas não atendem aos padrões de segurança ou ambientais. A Toy Industries of Europe (TIE), um órgão industrial com sede em Bruxelas, testou 19 brinquedos comprados via Temu no final de 2023 e descobriu que nenhum estava totalmente em conformidade com as regras de segurança da UE. Todos, exceto um, representavam um risco real para as crianças.

Custos baixos sem intermediários

Em terceiro lugar, está a vantagem injusta que os varejistas chineses obtêm ao explorar essa brecha. Ao enviar produtos diretamente da China para consumidores em todo o mundo, as plataformas chinesas evitam enormes custos de armazenagem que outros grandes varejistas como a Amazon tem de lidar.

Com empresas como Temu e Shein avançando sobre sua fatia de mercado, fabricantes e varejistas ocidentais denunciam trapaça, enquanto os governos se queixam da perda de receita tributária.

“A Temu e a Shein podem produzir em grande escala e se beneficiar de subsídios estatais chineses, o que lhes permite absorver os custos de envio”, explicou Reyna. “Essas vantagens tornam seus produtos muito mais baratos do que os de empresas europeias.”

Atualmente, tanto Washington quanto Bruxelas estão reprimindo a regra de minimis, juntamente com outras medidas – incluindo tarifas – para conter o poder econômico da China. Mas em ambos os lados do Atlântico, os formuladores das políticas percebem que isso é mais fácil de falar do que de fazer.

A meia-volta de Trump

Mais de um milhão de encomendas se acumularam recentemente no aeroporto internacional John F. Kennedy em Nova York e nos portos marítimos americanos após presidente dos EUA, Donald Trump, encerrar a isenção de minimis para produtos chineses baratos que entram no país.

Entretanto, ele foi forçado a dar uma meia-volta temporária, depois de dar apenas três dias de aviso para a ordem entrar em vigor. A Casa Branca insiste que a proibição será restabelecida tão logo os sistemas sejam desenvolvidos para processar e coletar tarifas sobre essas importações.

Clara Riedenstein, assistente de programa do Centro Europeu de Análises Politicas, sediado em Washington, diz que o que houve foi uma atitude “típica de Trump” – primeiro descartando a isenção e depois dando meia-volta. “Mas a principal preocupação permanecerá, então, temos a esperança que ele apresentará uma solução mais escalonada e durável”, afirmou à DW.

Bruxelas também pressiona os Estados-membros da UE a descartarem a isenção de impostos para encomendas que chegam à Europa abaixo de 150 euros. A Comissão Europeia – o Poder Executivo do bloco – propôs a medida em 2023. Desde então, o número de encomendas de baixo valor que entram na UE dobrou para cerca de 4,6 bilhões anualmente.

UE quer novas taxas para compensar burocracia

A Comissão disse recentemente que iria propor uma nova taxa de manuseio para importações de comércio eletrônico enviadas diretamente aos consumidores para compensar o custo da burocracia, que deve ser extenso.

“Vocês terão que contratar milhares e milhares de agentes alfandegários a mais se quiserem acabar com a isenção”, alertou Riedenstein. “Vai ser custoso aos EUA e à UE punir Pequim por tirar vantagem dessas brechas legais.”

Bruxelas também quer tornar empresas como Temu e Shein – ao invés dos vendedores individuais – responsáveis ​​pela venda de produtos perigosos em suas plataformas, sugerindo que verificações poderiam ser feitas antes que os produtos fossem enviados da China para garantir a conformidade.

Christoph Busch, diretor do Instituto Europeu de Estudos Jurídicos da Universidade de Osnabrück, na Alemanham diz que isso se faz necessário porque “da perspectiva do direito contratual, a Temu não é atualmente o vendedor, é apenas um intermediário”.

“O vendedor fica em algum lugar na China, e o comprador é um consumidor nos EUA ou na UE”, afirmou à DW. Ele também disse que a Comissão quer que o operador da plataforma se torne o importador, para que eles sejam obrigados a pagar o imposto alfandegário, o que também cortaria grande parte da nova burocracia enfrentada pelas autoridades alfandegárias europeias.

Ele sugeriu que, em vez de lidar com dezenas de milhares de vendedores chineses individuais, os órgãos alfandegários da UE precisariam se relacionar apenas com um punhado de plataformas de comércio eletrônico que obtêm lucros bilionários com uma brecha que nunca deveria ter existido.