Países asiáticos como Japão, Coreia do Sul e Indonésia são os principais alvos de novo tarifaço de presidente americano. Analistas veem manobra como estratégia para forçá-los a reduzir o comércio com Pequim.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na noite desta segunda-feira (07/07) novas tarifas de importação sobre produtos de 14 países, a maioria deles na Ásiaque devem entrar em vigor em 1º de agosto. Ele, porém, deixou aberta a possibilidade de novas negociações com esses países ao dizer que as tarifas sugeridas seriam “mais ou menos” as ofertas finais.

Entre os países atingidos estão Japão, Coreia do Sul, Camboja, Indonésia, Tailândia, Malásia, Laos e Mianmar. Analistas afirmam que o foco nessas nações asiáticas seria parte de uma iniciativa do governo americano para atingir indiretamente a China, em razão de sua rivalidade comercial e estratégica com o país.

A China é de longe o maior parceiro comercial do Japão, Coreia do Sul, Malásia, Mianmar e Indonésia, e é a maior fonte de importações para o Camboja e a Tailândia. A ação de Trump provavelmente visa pressionar esses países a fecharem acordos com os EUA o mais rápido possível.

No entanto, alguns observadores sugeriram que os planos de incluir as relações comerciais dos países com a China nos acordos podem sair pela culatra. “As negociações podem ser problemáticas se, como alguns relatórios indicam, os EUA tentarem fazer com que outras partes da Ásia excluam a China das cadeias de suprimentos regionais”, avaliou Gareth Leather, economista sênior para a Ásia da empresa de investimentos Capital Economics, em nota.

Desde o anúncio de Trump sobre as tarifas no chamado “Dia da Libertação”, em 2 de abril, a Casa Branca somente fechou acordos tarifários com três países: Reino Unido, Vietnã e China.

O acordo com o Vietnã é um exemplo das exigências impostadas pelos EUA para atingir a China. Washington concordou em reduzir as tarifas sobre produtos do país asiático para 20%, mas impôs uma tarifa de 40% sobre o chamado transshipment de mercadorias, através do qual a China vende mercadorias a países terceiros por meio de intermediários, como o Vietnã.

O que exatamente é transshipment?

Transshipment é o envio de mercadorias para um destino intermediário e, em seguida, para o destino final. Com frequência é um processo normal do comércio global, mas também pode ser um método usado para disfarçar a origem de um produto.

No início desta semana, o jornal britânico Financial Times publicou uma reportagem sugerindo que empresas chinesas estariam enviando volumes cada vez maiores de mercadorias para os EUA através de países do Sudeste Asiático, uma forma de transshipment que visa evitar novas tarifas americanas sobre produtos chineses.

O jornal citou dados do Departamento do Censo dos EUA que mostram que, embora as exportações chinesas para os Estados Unidos tenham caído 43% em relação ao ano anterior, as exportações totais aumentaram 4,8% no mesmo período, sugerindo que o país estaria redirecionando mercadorias para outras partes do mundo.

No auge da confusão tarifária de abril, a equipe de Trump citou especificamente o Vietnã como um exemplo de como o transshipment se tornou um problema.

O assessor comercial de Trump, Peter Navarro, afirmou em uma entrevista à emissora conservadora Fox News que o Vietnã era “essencialmente uma colônia da China comunista”. “O Vietnã nos vende 15 dólares para cada dólar que vendemos a eles, e cerca de 5 dólares desse total são só produtos chineses que entram no Vietnã. Eles colocam um rótulo ‘fabricado no Vietnã’ e enviam para cá para fugir das tarifas”, disse.

“Modelo” vietnamita?

O acordo fechado pelo Vietnã pode ser um exemplo de como outros países asiáticos podem encontrar uma maneira de negociar com Trump antes da entrada em vigor das novas tarifas. No entanto, o economista Gareth Leather expressa algumas dúvidas, chamado atenção para o fato de que esses países podem estar preocupados em não prejudicar em suas relações com a China.

“Isso poderia expor outros países a retaliações da China, que não é apenas um parceiro comercial maior do que os EUA, mas também uma fonte mais importante de investimentos”, escreveu Leather.

De acordo com o economista-chefe para a Ásia da Capital Economics, Mark Williams, o Vietnã teve “uma das mãos mais fracas” nas negociações com os EUA, levando-se em conta a quantidade de produtos que vendeu no mercado americano. Ele acredita que o acordo comercial dos EUA com o Vietnã não é um “modelo que outros países sentirão que precisam seguir”.

“Em vez disso, a principal lição deste acordo para outros países, e do pacto previamente selado pelo Reino Unido, é que se espera que eles restrinjam parte de seu comércio com a China”, escreveu Williams em um comunicado direcionado a seus clientes.

O acordo firmado pelos EUA com o Reino Unido em junho inclui cláusulas que exigem que Londres cumpra os rigorosos requisitos de segurança americanos, como a verificação das cadeias de suprimentos e da origem da propriedade das empresas, uma medida vista como voltada para atingir a China.

Imprevisibilidade de Trump gera desconfiança

Em cartas aos líderes dos países atingidos pelas tarifas de 1º de agosto, publicada por Trump nas redes sociais, o americano descreve os superávits comerciais com os Estados Unidos como uma “grande ameaça à nossa economia e à nossa segurança nacional”. Levando-se em conta que o governo Trump já alcançou uma trégua comercial com a China, as tensões atuais com outros países asiáticos não se limitam a Pequim.

Nas últimas semanas, Trump tem se voltado para o Japão, descrevendo o país como “mimado” e o criticando por não comprar mais bens americanos, especialmente produtos agrícolas. O foco nesses produtos também inclui outros parceiros asiáticos, como a Coreia do Sul e a Índia.

Embora o economista Leather sugira que a maioria dos países estaria disposta a fazer concessões para evitar o retorno às tarifas punitivas, “por exemplo, reprimindo o redirecionamento de produtos chineses”, outros especialistas demonstram mais ceticismo.

Bill Reinsch, consultor econômico sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington, duvida que determinados países asiáticos sejam capazes de apaziguar Trump, dada sua imprevisibilidade intrínseca.

À DW, Reinsch disse que o que provavelmente os impede é a sensação de que “se concordarmos com algo, vocês voltarão duas semanas depois com tarifas setoriais sobre outra coisa?”. Ele destacou que, se não se pode confiar que os EUA não vão mudar de rumo, “é muito difícil imaginar que as pessoas estejam dispostas a assumir compromissos”.