17/10/2017 - 17:16
– Claro, os nossos produtos são feitos com a maior qualidade possível!
O ano era 1991 e eu estava respondendo a uma pergunta de Dorothea Werneck, então secretária nacional de Economia, que queria saber se na Brahma nós praticávamos a qualidade total. Eu tinha ido a Brasília tentar arrancar um aumento de preço para os nossos produtos. Era a época do tabelamento de preços. O que eu não havia entendido era que a Dorothea me perguntava se eu estava cuidando bem da eficiência e dos custos antes de precisar praticar um aumento de preço. Ela, gentilmente, disse que me indicaria uma pessoa para me explicar melhor o que era a qualidade total. Óbvio que, para conseguir o aumento de preços, eu faria qualquer coisa. Por isso, fui a Minas Gerais procurar quem ela havia sugerido: o professor Vicente Falconi.
Falconi deu uma contribuição espetacular para o sucesso da nossa empresa. Esteve conosco desde o comecinho, e o comecinho da Brahma foi heroico: a gente precisava matar um leão por dia. Talvez porque a companhia crescesse tão rápido e as pessoas mudassem tanto de lugar, não havia processos que assegurassem as boas práticas. Quando a gente descobria como fazer alguma coisa, era difícil dar continuidade ou reproduzir aquilo. Ficava a sensação de estar sempre reinventando a roda ou tendo muita iniciativa, mas, às vezes, pouca “acabativa”.
Eu me lembro de uma ocasião, uns 15 anos depois desse início, em que estava assistindo a uma apresentação do professor Falconi. Ao meu lado estava um dos principais executivos da companhia, Luiz Fernando Edmond [então CEO da Ambev]. Depois de assistir à apresentação do Professor – que falou com uma clareza cristalina –, fiz um comentário:
– Puxa, Luiz, o Jorge Paulo [Lemann, sócio de Marcel na cervejaria], que dorme em todas as apresentações, está atentíssimo na do Falconi. Deve estar adorando. Eu mesmo estou aqui vendo como ele foi importante, quanta contribuição deu para a nossa companhia.
E o Luiz respondeu:
– É verdade, Marcel, e se você não tivesse atrapalhado tanto ele teria feito muito mais e melhor.
Concordei. Naqueles primeiros tempos, como falei, não podíamos parar para refletir sobre os processos, e foi ótimo ter alguém ali o tempo todo, fazendo o papel de um missionário da organização, das boas práticas. Muito do que aprendemos e fizemos junto com o professor Falconi já estava no nosso DNA, mas não sabíamos como fazer.
Uma coisa que o Professor sempre diz é que “gestão é abrir e fechar gaps”. Essa era uma ideia na qual nós já acreditávamos, mas não sabíamos muito bem como operacionalizar. A boa administração é procurar sempre o jeito de fazer qualquer coisa com mais eficiência, olhando para dentro do próprio setor, para outras áreas ou braços da companhia às vezes até externamente, para outras empresas. A verdade é que, por mais competente que você seja, sempre vai encontrar quem faça algumas coisas melhor do que você. Então, como diz o Falconi, o negócio é abrir o gap, através de comparação, de estudo, de benchmarking, e depois fechá-lo ao longo do tempo.
Nós éramos muito duros em termos de estabelecer metas agressivas e de criar incentivos como remuneração variável e participação acionária para quem atingisse as metas. Mas o Falconi nos deu o desdobramento das metas, que é a coisa mais importante. Não adianta ter metas para o topo da companhia se elas não descerem até o chão de fábrica. Esse é o poder de, todo ano, descobrir o que você pode e precisa fazer melhor – e depois desdobrar isso para toda a empresa. Aí se torna algo imbatível, uma máquina.
Acho que, até certo ponto, a gente também deu uma contribuição para ele. No fim, houve um amálgama dos dois estilos: nós com um jeito talvez mais brasileiro e ele com um estilo meio japonês. É essa combinação que hoje em dia a consultoria dele pratica de forma tão bem-sucedida em tantas empresas e em tantos governos.
Nós temos vivido experiências de entrar em companhias que já foram extraordinárias, mas, ao longo do tempo, acabaram ficando lentas, gordas, pouco eficientes. Aí entramos, fazemos o que sabemos bem e conseguimos melhorias de 20%, 30% sobre o status quo. É isso que acontece em muitas empresas a que Falconi leva o seu método. Para dar resultado é preciso que exista na companhia alguém com uma vontade inabalável, quase um fanatismo, de realizar melhorias e o poder para levar isso adiante.
As experiências da consultoria dele em governos mostram que é possível alcançar eficiências realmente inacreditáveis, proporcionando benefícios colossais para a sociedade. Acompanhei há pouco tempo uma experiência num hospital público em situação muito difícil, com filas de pessoas esperando em macas no corredor para serem atendidas. Fazendo uma análise, foi possível identificar coisas supersimples. Bastou a Falconi mudar um pouquinho os processos para os resultados aparecerem: o hospital, antes um retrato do Brasil – lotado e incapaz de atender as necessidades da população –, voltou a ter leitos disponíveis. Uma boa gestão pode realizar melhorias fabulosas na área pública.
Ele tem dedicado tanto tempo e tanta paciência para tentar melhorar a gestão das empresas e do governo que eu brinco que é quase um santo. Isso é muito mais que o trabalho dele, é sua missão de vida. Ultimamente, porém, tenho percebido que essa paciência começa a se esgotar. Talvez porque, para Falconi, as coisas a fazer sejam muito óbvias. Ou porque ele já tenha repetido as lições diversas vezes e a ficha ainda não tenha caído para muita gente. Mesmo assim, aos 77 anos de idade, ele continua com uma vontade inesgotável de promover uma grande transformação da sociedade brasileira. Uma transformação que não traga resultados apenas para o Brasil de hoje, mas que se perpetue pelas próximas gerações.
Marcel Telles
Sócio da 3G Capital
Julho de 2017