A possível compra da Gol Linhas Aéreas pela Azul Linhas Aéreas Brasileiras é vista por analistas como complexa e difícil, mas possível.

O assunto veio à tona após a divulgação da informação de que a Azul teria contratado bancos para eventualmente estruturar uma oferta pela Gol. Porém, isso pode estar atrelado ao pedido de recuperação judicial (Chapter 11, nos Estados Unidos) que a companhia aérea criada pela família Constantino realizou no início do ano. Oficialmente, a Azul diz que não negociou nem aprovou nenhuma transação até o momento. Já a Gol disse apenas que examinará oportunidades apresentadas por potenciais fontes de capital.

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Na avaliação de especialistas ouvidos pela Istoé Dinheiro, o negócio seria ótimo para acionistas e credores da Gol, mas geraria uma maior concentração no mercado doméstico, o que acarretaria em maiores preços nas passagens e até mesmo queda na qualidade dos serviços.

“Vejo a atitude da Azul como natural. Eles fizeram isso com a Latam, em um momento que a empresa estava mais frágil. Trata-se de um mercado selvagem, em que uma se aproveita das fragilidades da outra para ganhar escala”, analisa o CEO da Excellance, Max Mustrangi. A Excellance é uma consultoria especializada em melhoria de rentabilidade e gestão de empresas.

Segundo Mustrangi, uma possível aquisição da Gol pela Azul seria uma estratégia para ampliar suas rotas, hoje limitadas à trechos entre aeroportos do interior e capitais brasileiras, além de alguns voos internacionais.

“Você vai encher mais o seu avião e ter mais rotas para explorar, além de um possível ganho de eficiência de capital”, afirma Mustrangi.

Para a Gol, a venda poderia vir a representar uma saída para o alto endividamento da companhia. Acionistas e credores da empresa podem ver a venda como uma forma de garantir o fluxo de pagamentos das dívidas que a aérea possui, e os acionistas receberiam parte do capital da transação sem se preocupar se a companhia está dando resultados.

O desfecho de uma eventual proposta terá de ser chancelado pelos credores da Gol por conta do processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. Pelas regras, são eles que têm a decisão de avaliar as propostas para definir o futuro da empresa, entre elas empréstimos e, eventualmente, oferta de fusão e aquisição (M&A, na sigla em inglês).

“Será que os credores vão enxergar isso como bom negócio? Uma garantia de receber o que a Gol lhes deve? Se verem dessa maneira, é muito provável que eles apoiem a negociação”, diz Mustrangi.

Azul também está endividada

O fato é que ambas as companhias aéreas estão altamente endividadas. Cálculos ajustados pelo banco UBS apontam que a Gol possuía uma dívida de R$ 28 bilhões ao findar do terceiro trimestre de 2023, com indicador de dívida líquida sobre Ebitda de 6,2 vezes.

Já a Azul, também segundo o banco suíço, possuía, também no terceiro trimestre do ano passado, uma dívida declarada de R$ 35 bilhões, o que representa 7,2 vezes a alavancagem da companhia aérea.

Apesar da dívida maior, a Azul é a que detém maior valor de mercado, estipulado em R$ 4,1 bilhões, enquanto a rival é avaliada em R$ 1,085 bilhão.

“Quando a alavancagem é superior a 3 vezes, é porque a empresa está em apuros. Ou seja, apesar dos rumores sobre a negociação, é certo que a Azul terá muitas dificuldades adquirindo ou não a Gol”, completa Mustrangi.

Impactos no mercado e no setor

Caso o negócio seja efetivamente fechado, quem perderia mais seriam os consumidores. Ao menos essa é a avaliação do analista CNPI da Suno Research, João Daronco.

Para ele, haveria uma consolidação do mercado em menos players, o que pode ter efeitos positivos e negativos. Como positivos, pode haver players com maior escala, que podem repassar parte dos ganhos de escala para seus clientes.

“Pelo lado negativo, uma concentração poderia diminuir a concorrência e interferir na qualidade do serviço”, argumenta.

Com menos players atuando no mercado, voar no Brasil ficaria mais caro do que já é. Os preços das passagens aéreas subiram 47,24% em 2023 diante do cenário atual. Em um contexto com menos empresas para concorrer, as passagens podiam subir de preço ainda mais. Mustrangi, da Excellance, vai na mesma linha.

“A concorrência é boa porque os players acabam se equilibrando. O consumidor pode buscar o melhor preço e isso acaba por segurar as altas, ainda que aconteça. A partir do momento que a concorrência é menor ou temos monopólio, os preços naturalmente sobem, o que dá mais margem para ganhos das empresas e inflação para os clientes”, acrescenta.

Cade aprovaria a aquisição?

Na avaliação de Daronco, da Suno Research, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) poderia sim aprovar a aquisição, apesar de se tratar de uma negociação complexa. Ou seja, ela pode colocar algumas restrições, como a não diluição da Gol ou a não criação de uma nova companhia a partir das duas, mas ainda assim dar aval a uma fusão.

“Dado o histórico de consolidação do setor aéreo, vejo que podemos sim ter a aprovação do Cade, talvez com algumas restrições, como essas citadas acima”, opina.