12/08/2022 - 11:08
Recém-casado e com seu primeiro filho a caminho, Wang esperava se mudar para o apartamento que comprou na cidade de Wuhan há três anos, mas seus planos foram frustrados pela crescente crise imobiliária na China.
Com uma dívida de US$ 300.000 e um apartamento longe de ser concluído, o operário de 34 anos se cansou e decidiu suspender o pagamento de suas prestações.
Ele é um dos muitos compradores de casas em dezenas de cidades chinesas que pararam de pagar suas prestações por medo de que construtoras e incorporadoras endividadas e sem dinheiro não terminem suas casas.
“Disseram que a construção seria retomada em breve. Mas nenhum trabalhador apareceu”, diz o homem, que só quis se identificar pelo sobrenome, à AFP.
Morador da capital, Wang planejava se mudar para Wuhan, no centro da China. “Não foi fácil comprar esta casa. Tudo veio das minhas economias. Agora não há casa e ainda devemos dois milhões de yuans (US$ 300.000) em prestações”, lamenta.
Após anos de crescimento explosivo alimentado pelo fácil acesso ao crédito, as autoridades chinesas lançaram uma campanha em 2020 para conter o endividamento excessivo.
Isso limitou as opções de financiamento para gigantes da indústria como a Evergrande, que enfrenta dificuldades para pagar empréstimos e reestruturar suas enormes dívidas acumuladas.
Agora essas empresas também enfrentam a inadimplência dos compradores e a pressão do governo para entregar as casas já vendidas.
Em Wuhan, capital da província de Hubei, compradores como Wang dizem que receberam vários avisos de atraso para seus apartamentos da Myhome Real Estate, que havia prometido entregá-los até o final de 2021.
A empresa disse esta semana que liberou alguns fundos congelados e que espera concluir o projeto até o final de 2022.
Wang decidiu suspender os pagamentos este mês. As queixas às autoridades da cidade, diz ele, foram inúteis. “Não há esperança na vida se você continuar assim com os pagamentos”.
– No limbo –
A “crise de confiança” no mercado imobiliário chinês aponta para falhas estruturais, diz Andrew Batson em um relatório da Gavekal Dragonomics.
Devido à alta dependência de apartamentos vendidos na planta, as incorporadoras desenvolveram um modelo de negócios que expõe os compradores ao risco de não ver suas casas concluídas, explica.
Quando empresas com dificuldades financeiras param a construção de projetos, “esses riscos se materializam dramaticamente”.
Esta crise deixou os compradores no limbo.
“Achei que isso nunca aconteceria”, diz um comprador de Wuhan, de sobrenome Hu, cuja casa está quase pronta.
O jovem de 25 anos explica que sua família se endividou para ajudá-lo com o pagamento de um apartamento de três quartos em 2018, numa época em que Wuhan incentivava os jovens a se mudarem para a cidade.
“Todo mundo estava comprando (…) As pessoas estavam competindo”, garante.
Outro jovem comprador, de sobrenome Xue, diz que quase todo o seu salário agora vai para pagar aluguel e empréstimos.
“Não quero pagar mais”, lamenta o jovem de 24 anos. “Não é que eu não respeite a lei ou os contratos, mas essa situação nos coloca sob muita pressão”, reclama.
A família de Xue adiantou 800.000 yuans (US$ 120.000) pelo apartamento e ele assinou um empréstimo de 600.000 yuans (US$ 90.000) que está pagando há dois anos sem ter sua propriedade ainda.
Esses compradores em Wuhan disseram à AFP que houve protestos na cidade por projetos já vendidos e não concluídos.
– Círculo vicioso –
De acordo com um documento chamado “We Need Home”, compradores de cerca de 100 cidades e cerca de 300 projetos imobiliários diferentes aderiram à campanha de boicote aos pagamentos.
Muitos estão na capital da província de Henan, Zhengzhou, onde as autoridades criaram um fundo para ajudar as construtoras e incorporadoras a concluir seus projetos.
Também houve acusações de má gestão financeira e algumas cidades pediram aos bancos que reforçassem o controle das contas de depósito, segundo a mídia local.
Analistas da empresa financeira Nomura estimam que as incorporadoras imobiliárias chinesas entregaram apenas 60% das unidades vendidas na planta entre 2013 e 2020.
A quantidade de empréstimos imobiliários pendentes aumentou consideravelmente.
Esses problemas ficaram evidentes no ano passado, quando surgiram notícias sobre os problemas da gigante Evergrande para pagar suas dívidas, provocando temores de um colapso do setor que responde por um quarto da economia da China.
Tommy Wu, economista da Oxford Economics, acredita que esta perda de confiança no setor irá agravar a crise e poderá conduzir a um “círculo vicioso”, provocando uma queda das vendas e dos preços das casas que, por sua vez, aumentará as dificuldades das empresas.