Este ano, o e-commerce deve movimentar R$ 22 a cada R$ 100 consumidos no varejo brasileiro. Porcentual que só tem um destino: aumentar. Reflexo evidente dos anos pandêmicos (oficialmente, entre janeiro de 2020 e maio deste ano) que mudaram tudo. Esse é o senso comum, já consolidado. Tiago Mello, CMO (marketing) e CPO (produtos) da Linx, empresa do grupo StoneCo e especialista em tecnologia para o varejo, diz que a pandemia foi uma espécie de alavanca digital. “Houve a consolidação da mudança no mindset dos varejistas, que perceberam o potencial do e-commerce”, afirmou. Mas a pergunta que agora começa a ser feita insistentemente pelos líderes do segmento foca a outra ponta, o consumidor. O que vai permanecer como hábito — e o que voltará ao mundo pré-Covid?

A resposta vai exigir entender ainda mais o que passa pela cabeça deles. Porque na pandemia, enquanto alguns se arriscavam na cozinha ou nas aulas de ioga nunca antes praticadas, cerca de 20 milhões de brasileiros realizaram sua primeira compra on-line, de acordo com dados da Insider Intelligence.

Na leitura de Anne Hamon e Olga Martinez, fundadoras da Amélie Consulting, as compras digitais, assim como as aulas de ioga ou o aumento das práticas Do It Yourself, representaram a busca pelo prazer dentro de casa.

“Depois que a desconfiança com as compras on-line foi se diluindo por causa da necessidade de adquirir itens básicos, essa prática também passou a ser utilizada para suprir os prazeres.”
Anne Hamon, da Amélie Consulting

Essa lógica, entretanto, ganha ressignificação com a reabertura plena das lojas físicas. Voltar a poder sair sem máscara poderia ter representado o retorno full às compras físicas. Mas as respostas não ficaram tão simplistas.

Há uma espécie de sim e não no comportamento de consumo. Pesquisa da Linx mostra que 61 milhões de brasileiros compraram on-line em 2022, o que representa 57% da população economicamente ativa. É muita gente.

Isso indica que o apego à conveniência e a flexibilidade das compras através dos cliques não irá desaparecer nem diminuir. Na opinião das fundadoras da Amélie, quando as pessoas são forçadas a desenvolver novos hábitos, e descobrem os benefícios desses novos comportamentos, há uma boa chance de que os novos hábitos permaneçam.

Esse “novo normal” traz o inevitável: a necessidade de administrar as vendas presenciais com as digitais. Para Mello, o crescimento de vendas tem relação justamente com essa junção. A prática omnichannel, que integra o mundo físico e o e-commerce. “Hoje é muito comum vermos o cliente começar sua jornada de compra em um canal e terminar em outro. Começa no site e termina na loja ou vice-versa.”

Mello afirma que uma das grandes vantagens dessa integração é a possibilidade de o cliente encontrar produtos mais próximos de sua localização, o que contribui com a diminuição do valor do frete e o aumento da taxa de conversão do varejista. E nessa jornada é estratégico entender nosso modus operandi.

As atitudes cotidianas que são tão culturais quanto econômicas. “O brasileiro é um dos que menos gostam de pagar frete, então o frete grátis se tornou um padrão”, disse. “Com o omni, o cliente compra no e-commerce, identifica a loja mais próxima e tem a possibilidade de passar lá para retirar o produto. Essa é uma grande sacada.”

Celular

De acordo com dados da Insider Intelligence, México e Brasil estão entre os principais países que mais digitalizaram seu comércio em 2022.

A penetração do e-commerce em relação ao varejo como um todo foi de 12,4% (México) e 12,3% (Brasil), resultados semelhantes aos dos Estados Unidos e superiores a França e Alemanha.

Segundo Mello, isso tem forte relação com o uso do smartphone. “O brasileiro é muito adepto ao uso do celular”, afirmou. Dados da pesquisa Digital 2023 Global Overview Report, da agência We Are Social, mostram que a média de utilização dos smartphones para acessar a internet pelos brasileiros é de 5h28 por dia.

Entre todos os países, ficamos atrás apenas dos filipinos (5h31) e 1h42 acima da média global (3h46). Avanços tecnológicos auxiliaram fortemente nesse cenário. “Durante muito tempo ficamos atrás em infraestrutura, logística, o que contribuiu para que o Brasil corresse atrás do tempo perdido”, disse Mello.

Entre os setores que mais têm consumo digital em termos porcentuais estão:
* Livros|Músicas|Filmes (67%),
* Computadores|Eletrônicos (47%)
* Materiais para escritório (31%),
* Casa|Decoração (10%),
* Moda|Acessórios (8%).

Apesar de ainda estar na casa de um dígito, em volume financeiro o segmento Moda|Acessórios é o segundo colocado: a receita prevista para 2023 é de R$ 49 bilhões, ficando atrás apenas do comércio de Eletrônicos, com seus R$ 187,3 bilhões.

Na visão de Eduardo Tomiya, sócio fundador da TM20, a expansão das marcas asiáticas, como a Shein, que firmou seu nome no dicionário da moda e entre os brasileiros, pode ser uma das explicações para a expansão da receita do setor.

Estimativas do banco BTG mostram que a chinesa faturou R$ 7 bilhões no Brasil, salto de 250% sobre os R$ 2 bilhões de 2021. “É uma marca que já vinha desenvolvendo seu comércio eletrônico há um tempo significativo”, disse Tomiya. “Vemos um diferencial de preços, atualização diária de novos produtos, tudo muito bem estruturado digitalmente.” Nesse sentido, a marca se tornou exemplo para as varejistas locais.

Prioridades

E tudo volta à mesma resposta: os novos hábitos. As sócias da consultoria Amélie, Anne e Olga, afirmam que o avanço das compras digitais está apoiado em uma maior valorização do tempo, que torna as pessoas menos dispostas ao deslocamento em função de outras prioridades.

Assim como é o caso do home-office. Mas, junto disso, o avanço também pode ser explicado pela acessibilidade. Para Olga, “as pessoas conseguem ter mais acesso a variedade de preços e promoções”. E Anne complementa ao citar a ampliação das possibilidades. “É possível receber produtos de lugares que, não fosse digitalmente, não seria possível acessar.”

O cenário de alta e mudança é apenas parte inicial da nova jornada varejista. Para Tiago Mello, da Linx, há muito para caminhar no comércio digital. E um dos desafios está relacionado com uma tecnologia bem utilizada pelas varejistas asiáticas: a inteligência artificial. “O e-commerce, por essência, coleta muitos dados. Diferentemente da loja física, consigo saber em quais produtos o cliente clicou, quanto tempo ele passou analisando um produto, e muitos outros”, disse Mello. “E sempre que existem muitos dados, existe uma baita oportunidade para aplicar a IA.”