27/06/2025 - 17:25
Imagine um computador capaz de resolver em minutos um cálculo que os maiores supercomputadores do mundo levariam bilhões de anos para concluir. Parece ficção científica, mas um experimento de computação quântica realizado na China trouxe exatamente essa façanha à realidade. Em 3 de dezembro de 2020, pesquisadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) anunciaram na revista Science que seu computador quântico de luz, batizado de Jiuzhang, realizou em cerca de 200 segundos (pouco mais de 3 minutos) uma operação que um supercomputador clássico levaria 2,5 bilhões de anos para executar . Trata-se de um salto impressionante no poder de computação, atingido por meio de uma técnica conhecida como amostragem de bósons (boson sampling), na qual partículas de luz (fótons) atravessam um labirinto complexo de divisores de feixe e espelhos, e o computador calcula a distribuição de saídas possíveis desse labirinto . Resolver essa “bagunça” de caminhos ópticos é um problema praticamente impossível para computadores convencionais, mas foi solucionado pelo Jiuzhang no tempo de passar um café .
Esse resultado marcou a reivindicação chinesa de ter atingido a chamada supremacia quântica – o ponto em que um computador quântico supera drasticamente qualquer máquina clássica em uma determinada tarefa . No ano anterior, o Google já havia reportado um feito semelhante: seu processador quântico Sycamore, de 53 qubits, teria realizado em 200 segundos um cálculo que, segundo a empresa, exigiria 10 mil anos no melhor supercomputador tradicional . Agora, com o Jiuzhang, a China ingressava nesse seleto clube da supremacia quântica . A diferença é que, enquanto o dispositivo do Google usava circuitos superconductores, o Jiuzhang adota uma abordagem fotônica – lasers e fótons controlados em um circuito óptico. O experimento chinês detectou 76 fótons interagindo em 100 trajetórias de entrada e 100 de saída, com centenas de divisores de feixe envolvidos . O resultado final foi a amostragem bem-sucedida dessa distribuição caótica de partículas, algo que, segundo estimativas dos próprios pesquisadores, demandaria onerosos 2,5 bilhões de anos de cálculo se tentado em um computador clássico como o supercomputador Sunway TaihuLight um tempo comparável a metade da idade do planeta Terra . Em outras palavras, o que é praticamente infinito para a computação tradicional se tornou questão de minutos no regime quântico.
Mas o que, exatamente, foi calculado de tão extraordinário? É importante esclarecer que amostragem de bósons não é um problema cotidiano como prever o clima ou quebrar senhas, e sim um teste projetado para evidenciar o poder dos computadores quânticos. Basicamente, o Jiuzhang teve que prever como uma enxurrada de fótons iria se comportar ao passar por diversos caminhos simultaneamente e interferir uns com os outros – um desafio combinatório que cresce exponencialmente conforme aumentamos o número de partículas . Não é uma tarefa com aplicação prática imediata; seu valor está em demonstrar que o paradigma quântico de computação efetivamente pode resolver certos problemas muitíssimo mais rápido que o paradigma clássico. É um marco científico: confirma-se experimentalmente que há cálculos além do alcance de qualquer computador convencional, mas alcançáveis por um computador quântico. E isso naturalmente acende um alerta: quais outros “problemas impossíveis” poderão se tornar triviais com essa nova forma de computar?
Um dos primeiros candidatos que vêm à mente, e motivo de muita inquietação, são os problemas criptográficos. Afinal, grande parte da criptografia moderna – aquela que protege tudo, de transações bancárias a mensagens de WhatsApp – fundamenta-se em problemas matemáticos propositalmente difíceis de resolver. Por exemplo, o famoso algoritmo RSA, amplamente usado para encriptação de dados, baseia sua segurança no desafio de fatorar números enormes (o produto de dois grandes números primos). Para um computador clássico, descobrir os fatores de um número de centenas de dígitos é um esforço que ultrapassa em muito a idade do universo; em termos práticos, levaria milênios ou mais. Essa descomunal dificuldade é o que mantém nossas senhas e segredos seguros. Porém, desde 1994 sabe-se que, em teoria, um computador quântico poderoso rodando o algoritmo de Shor poderia realizar essa fatoração em tempo viável, quebrando a cifragem. Em vez de testar possibilidades uma a uma por milênios, um computador quântico conseguiria explorar múltiplas possibilidades simultaneamente e achar a chave secreta em minutos ou horas . Ou nas palavras do especialista Michele Mosca, seria como dar a alguém um “palpiteiro universal” capaz de abrir qualquer cadeado matemático – um feito que condenaria a criptografia atual à obsolescência.
As implicações de tal poder computacional são profundas. Toda a infraestrutura digital de segurança ficaria vulnerável de uma só vez. E-mails confidenciais, conversas criptografadas, transações financeiras, registros médicos, documentos sigilosos de governos tudo o que hoje está protegido por cifras teoricamente inquebráveis poderia, de repente, ser decifrado sem dificuldade assim que alguém construir um computador quântico avançado o suficiente . Os especialistas em cibersegurança até batizaram esse hipotético momento de “Dia Q”: o dia em que se torna possível quebrar os métodos de criptografia amplamente usados. No Dia Q, alertam, nenhum segredo digital estará a salvo .
Diante disso, a façanha do computador quântico chinês Jiuzhang ganha um tom de alerta, mesmo que indireto. É verdade que o experimento de amostragem de bósons não teve relação com criptografia – os cientistas não estavam decifrando códigos, apenas demonstrando um princípio físico-matemático. Também é verdade que ainda há um longo caminho tecnológico até um computador quântico conseguir rodar de forma confiável algo como o algoritmo de Shor em larga escala para fatorar chaves RSA de 2048 bits (consideradas seguras hoje). Os protótipos atuais, sejam de fótons ou de qubits supercondutores, sofrem com erros e descoerência conforme o número de qubits aumenta, exigindo avanços em correção de erros e estabilidade. Estimativas variam, mas muitos pesquisadores avaliam que seriam necessários milhares ou milhões de qubits físicos (com correção de erros) para quebrar as cifras mais fortes, algo que pode ainda levar uma ou duas décadas de desenvolvimento. Em outras palavras, a criptografia não “caiu” hoje, nem cairá amanhã. Mas a tendência é clara e preocupante: o impossível de ontem torna-se possível. O cálculo que duraria bilhões de anos ontem, hoje já foi feito em minutos. Quem garante que a tarefa de fatorar números gigantes o coração da criptografia RSA não possa sofrer destino semelhante em um futuro próximo?
Governos e instituições ao redor do mundo estão levando essa ameaça a sério. Os Estados Unidos, por exemplo, iniciaram nos últimos anos um esforço coordenado para desenvolver e padronizar algoritmos de criptografia pós-quântica – métodos alternativos de proteger dados que não podem ser facilmente quebrados por computadores quânticos. Em julho de 2022, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) anunciou os primeiros algoritmos pós-quânticos selecionados para padronização, como o CRYSTALS-Kyber (para criptografia de chave pública) e o CRYSTALS-Dilithium (para assinaturas digitais), entre outros . Na esteira disso, a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) publicou diretrizes estabelecendo o ano de 2035 como prazo para que os sistemas de segurança nacional façam a transição completa para essas novas criptografias resistentes a quântica. Até lá, marcos intermediários foram recomendados, como atualizar protocolos e infraestruturas críticas já na primeira metade da década de 2030 . Essas ações deixam claro que, embora o “Dia Q” não tenha chegado, ninguém quer ser pego de surpresa quando chegar ou mesmo se chegar. A lógica é simples: mudar todos os sistemas de criptografia do mundo leva tempo e investimento, portanto é melhor começar ontem do que descobrir amanhã que já era tarde.
“O feito do Jiuzhang é mais do que uma conquista científica – é um marco que redefine as regras do jogo para o futuro dos negócios. A computação quântica está se aproximando de um ponto de inflexão, capaz de colapsar modelos de segurança, transformar cadeias de valor e desequilibrar mercados inteiros. Como conselheiro, vejo aqui um alerta claro: empresas que ainda enxergam a tecnologia como suporte, e não como eixo estratégico, correm sério risco de obsolescência. O tempo para revisar modelos de governança, proteger ativos digitais e antecipar cenários quânticos é agora. O futuro chegou em minutos.” – Hamilton Felix, conselheiro empresarial
Enquanto isso, a corrida tecnológica segue acirrada. Empresas como Google, IBM e Microsoft investem pesado em pesquisa quântica, assim como gigantes chinesas e projetos financiados pelo Estado na China e na Europa . Existe uma espécie de corrida armamentista quântica em andamento, na qual o prêmio não é somente o prestígio científico ou possíveis aplicações benéficas (como avanços em química, novos materiais, IA mais poderosa), mas também, nas entrelinhas, a posse do maior decifrador de códigos da história . Não por acaso, há um componente geopolítico: quem liderar essa corrida ganhará não apenas vantagens econômicas e tecnológicas, mas também potencial controle sobre a segurança da informação global. E isso nos leva a uma questão inquietante: e se alguém já venceu essa corrida em segredo?
Parece coisa de thriller, mas alguns especialistas levantam a possibilidade de que um computador quântico capaz de quebrar criptografias possa ser desenvolvido sigilosamente, sem anúncio público, por alguma potência global. Afinal, se um país ou agência de inteligência conseguisse tal “chave mestra” computacional, o incentivo lógico seria não revelar ao mundo. Ao contrário, seria mais vantajoso usar essa capacidade nas sombras pelo maior tempo possível espionando comunicações inimigas, acumulando informações até que o adversário percebesse. Michele Mosca, do Instituto de Risco Global, aponta que pode haver uma chance não desprezível de o “Dia Q” já ter ocorrido ocultamente em algum laboratório sigiloso . Em 2022, uma pesquisa com especialistas em segurança quântica indicou cerca de 15% de probabilidade de alguém já ter construído, em segredo, um quantum capaz de quebrar códigos, antes mesmo de 2035 . Vale frisar: não há evidências concretas conhecidas de que isso tenha acontecido se houvesse, possivelmente estaríamos diante de incidentes misteriosos como vazamentos súbitos de dados altamente confidenciais sem explicação aparente. Alguns vislumbram cenários hipotéticos em que a ocorrência de apagões estranhos, falhas simultâneas de sistemas ou vazamentos de documentos secretos poderiam, em retrospecto, revelar que um adversário estava usando uma vantagem quântica oculta . Por enquanto, esses cenários pertencem mais ao campo da especulação informada do que da realidade comprovada. Porém, a própria história já nos ensinou lições semelhantes: durante a Segunda Guerra Mundial, os Aliados mantiveram em total sigilo o fato de terem quebrado o código alemão Enigma, explorando essa vantagem em silêncio pelo maior tempo possível. Se uma “Enigma quântica” já foi decifrada hoje, é provável que só saberemos disso muitos anos no futuro talvez tarde demais para reverter os danos.
O que se pode afirmar com segurança é que estamos em uma corrida contra o tempo. A demonstração do computador Jiuzhang foi um lembrete de que a computação quântica não é apenas teoria – ela está avançando rapidamente e atingindo patamares assombrosos. Cada novo recorde, seja ele resolver em minutos o que levaria milênios, ou manipular dezenas de qubits de forma estável, reforça a urgência de migrarmos para protocolos seguros na era quântica. Felizmente, a comunidade científica e os órgãos de padronização já estão em ação nesse sentido, como vimos com os algoritmos pós-quânticos do NIST e planos governamentais. Mas a transição global será gradual e trabalhosa, e durante esse intervalo delicado existe o risco de que dados cifrados hoje possam ser coletados e armazenados por adversários, à espera de um computador quântico futuro que os decifre retroativamente. Esse conceito, conhecido como collect now, decrypt later (“colecione agora, decifre depois”), já motiva agências a proteger informações ultra-sensíveis desde já, mesmo que a ameaça quântica pareça distante.
No fim das contas, a pergunta “estamos perto de quebrar a criptografia?” carrega mais de uma verdade. Se “perto” significar alguns anos ou poucas décadas, muitos diriam que sim considerando o horizonte de tempo de políticas de segurança nacional, 10 ou 15 anos é praticamente amanhã. Se “perto” significar amanhã literal, provavelmente não ainda há barreiras científicas a superar. Contudo, o inevitável progresso da computação quântica aponta que quebrar os códigos atuais não é questão de se, mas de quando. E quando esse dia chegar, seja em 2035 sob os holofotes da comunidade internacional ou já em 2025 nas sombras de algum laboratório secreto, o mundo digital jamais será o mesmo. Resta à sociedade se preparar, adaptando nossa criptografia e infraestrutura, para que o dia em que um computador quântico enfim conquiste aquilo que hoje parece impossível não nos encontre desprevenidos. Afinal, como demonstra o feito do Jiuzhang, o impossível pode se tornar possível em um piscar de olhos ou em meros quatro minutos.