23/09/2021 - 9:35
A questão está no ar desde 15 de agosto, mas esta semana ganhou mais notoriedade: a comunidade internacional deve reconhecer o regime do Talibã no Afeganistão?
O grupo fundamentalista islâmico deve ser integrado às grandes organizações internacionais para forçá-lo a evoluir? Ou deveriam acontecer negociações para uma normalização progressiva e um desbloqueio financeiro em troca de avanços políticos claros?
O debate foi evidenciado durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, que prossegue até segunda-feira em Nova York. O Talibã pediu para participar em nome do Afeganistão, mas o embaixador do governo deposto se declara o representante do país.
Um “espetáculo” do Talibã na ONU “não contribuiria em nada”, reagiu na quarta-feira o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas.
“A Assembleia Geral das Nações Unidas não é a estrutura apropriada para ele”, disse. “É preciso falar com o Talibã. Vários canais foram criados nas últimas semanas”, acrescentou.
A ONU não fará comentários imediatos sobre o assunto.
“Em algum momento, o Talibã deverá escolher entre dinheiro e normalização, ou isolamento absoluto”, resumiu um diplomata europeu na semana passada.
“Somos como São Tomás. Vamos ver se funciona. Por enquanto, não funciona”, explicou.
Mesmo os aliados mais próximos do movimento islâmico não se posicionam. “Ninguém tem pressa em reconhecer” o Talibã, estimou o ministro das Relações Exteriores do Paquistão, Shah Mahmood Qureshi. “Eles devem ser mais sensíveis e receptivos à opinião internacional”, acrescentou.
– Sem pressa –
O Catar, mediador entre o Talibã e o Ocidente, tem um discurso semelhante. Quanto à China, mantém uma postura prudente, embora tenha interesse em nomear interlocutores legítimos e oficiais em Cabul.
“Mesmo que Pequim não confie muito no Talibã, não deve esperar muito antes de reconhecê-lo oficialmente”, escreveu Derek Grossman, especialista em defesa da Rand Corporation em Washington, no início de setembro.
Isso “contribuiria para a ideia de que é Pequim e não Washington que (…) projeta a futura ordem regional”, comentou.
Mas ninguém dá o primeiro passo.
Markus Kaim, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e Segurança (SWP), aponta que o Ocidente tem pouca escolha, tendo perdido seu status de potência hegemônica no Afeganistão em uma saída desastrosa.
“Em uma situação como essa, não pode ditar as condições políticas”, avalia o pesquisador.
As declarações dos chanceleres “camuflam a ausência de poder e perpetuam a arrogância imperial que constitui parte do problema do Afeganistão”, acrescenta.
Mas o Ocidente tem algumas cartas para pressionar Cabul.
Muitas contas bancárias afegãs no exterior foram congeladas. E desde 18 de agosto, o FMI suspendeu a ajuda ao Afeganistão “até que haja clareza na comunidade internacional sobre o reconhecimento do governo”.
– Visão regional –
O problema se torna mais urgente com a aproximação do inverno, dramático do ponto de vista humanitário.
Nem mesmo o Talibã esperava tomar o poder tão rapidamente e algumas funções centrais do Estado ainda não foram totalmente iniciadas.
Isso explica a posição intermediária adotada pelas Nações Unidas. O secretário-geral António Guterres lembrou no dia 10 de setembro a possibilidade de acertar “instrumentos financeiros” com Cabul, independentemente das sanções em curso da ONU ou dos EUA.
“Não estou falando de levantar sanções ou de reconhecimento, estou falando sobre medidas destinadas a permitir que a economia afegã respire”, disse.
Mais recentemente, o alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, considerou necessário discutir com o Talibã. “É por meio do diálogo que podemos garantir a eficácia de nossas entregas humanitárias”.
“Poderíamos criar um espaço para tratar de questões mais complexas como direitos, minorias, mulheres, educação…”, acrescentou.
Por sua vez, os talibãs tentam seduzir seus vizinhos, com quem compartilham interesses estratégicos em questões como rotas comerciais, infraestruturas e energia.
Esses países “adotam uma visão regional consolidada no Afeganistão”, afirma Amina Khan, do Instituto de Estudos Estratégicos de Islamabad.
“A região quer ter um papel maior (na questão) e discutir com o Talibã”, acrescenta.
Este deve honrar suas promessas, especialmente de prevenir ataques de grupos terroristas no Paquistão, Rússia ou China. Neste caso, “veremos os países da região desempenhar um papel muito mais decisivo”, afirma.