27/04/2005 - 7:00
Que ninguém se deixe levar pelo sorriso largo e pelas palavras afáveis. Condoleezza Rice, secretária de Estado norte-americana e a mulher mais poderosa do planeta, desembarca em Brasília na terça-feira 26 trazendo na bagagem recados diretos para o governo Lula. Em dois dias de visita oficial, ela vem avisar que o presidente George W. Bush gostaria de visitar pela primeira vez o Brasil em outubro. Também veio dar o recado de que os EUA continuam com portas abertas para negociar a Área de Livre Mercado das Américas, a Alca. Condi, como gosta de ser chamada, quer marcar uma data para o reinício das negociações, há um ano em impasse. Mas com sua fama de durona, veio também avisar que se o Brasil não quiser a Alca, tudo bem, o livre comércio vai se expandir no continente, com ou sem o Brasil, e que os Estados Unidos prosseguirão com a atual política de firmar acordos comerciais bilaterais. No encontro que terá com Rice, o presidente Lula planeja dizer que seu governo consolidou um ambiente seguro para os investimentos estrangeiros no País, o que é bom para as empresas americanas. E aproveitar para lembrar que o governo Bush pode contribuir para o livre comércio no continente aceitando reduzir barreiras agrícolas. ?Mas os EUA acreditam que o local para discutir essa questão é a Organização Mundial do Comércio?, avisa de antemão Glenda Hood, secretária de Estado da Flórida.
Condoleezza está programando falar com três ministros, algo raro em se tratando de secretário de Estado ? e no seu caso, já apontada como candidata potencial à sucessão de Bush. Com José Dirceu, da Casa Civil, planeja discutir a troca de tecnologias de produção de biocombustível. Com Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, quer discutir ações de combate ao narcotráfico e a vigilância da tríplice fronteira, em Foz do Iguaçu. Foz é considerada pelos EUA uma ponte de entrada de contrabando e pirataria, de lavagem de dinheiro e, para completar, abrigo de grupos terroristas islâmicos. O encontro mais importante será com o chanceler Celso Amorim. Ao brasileiro, interessa discutir a posição dos EUA sobre a ampliação do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil quer uma vaga permanente no Conselho. Japão, Alemanha e Índia também. Dias atrás, os EUA oficializaram seu apoio ao Japão, mas a reação da China foi violenta. O governo de Pequim avisou que os japoneses ainda não se redimiram pelas atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, o que levou a Bolsa de Tóquio a despencar 3,8% em um dia. ?A reação da China é um fato novo que nos afeta?, explicou um diplomata brasileiro envolvido nas negociações com os EUA.
Para a secretária de Estado, contudo, o ponto fundamental dessa visita é a discussão do nosso papel na América do Sul. Ela quer, por exemplo, que o Brasil se responsabilize pela estabilidade política na Bolívia, onde há fortes interesses de empresas americanas de mineração e petróleo. Também deve ser contundente sobre a questão da Venezuela. Os EUA querem apoio do Brasil para conter o ímpeto do presidente Hugo Chávez de fortalecer suas Forças Armadas. Os americanos defendem mudanças na Carta Interamericana da Organização dos Estados Americanos para intervir na Venezuela. Os diplomatas brasileiros estão esperando que Condoleezza toque nesse ponto. Se tocar, Amorim deve dizer não. Condoleezza também deve aproveitar para pedir que os EUA tenham acesso aos dados do Sivam sobre a Venezuela. ?Enfim, os americanos continuam vendo o Brasil como uma espécie de guardião da segurança na América do Sul?, analisa o cientista político Carlos Pio, da Universidade de Brasília.
A visita de Condoleezza sinaliza que no governo Bush do segundo mandato o Brasil finalmente entrou em sua agenda. Em outubro último, seu antecessor Colin Powell esteve em Brasília. Há apenas um mês, Donald Rumsfeld, secretário de Defesa, também esteve por aqui. Agora é Condoleezza e, em outubro, deve ser a vez de Bush em pessoa. Nesse pacote, o governo Bush acaba elevando o cacife do embaixador dos EUA em Brasília, John Danilovich. Empresário e um dos financiadores da campanha de Bush, foi Danilovich o principal articulador dessas visitas. É ele quem organiza aquele que promete ser o ponto alto da visita de Condoleezza ? uma palestra para 450 empresários e autoridades, na quarta-feira em Brasília, sobre a nova política externa dos EUA para o continente. ?As relações bilaterais estão muito boas, como em raros momentos do passado?, diz o experiente embaixador Rubens Barbosa, conselheiro Internacional da Fiesp. ?O problema é que a América Latina não é prioritária para eles. O Brasil é para eles uma referência importante, mas nada excepcional?, acrescenta. Resta saber se a visita de Condoleezza agora, e de Bush depois, abrirão oportunidades concretas de negócios ? ou se os americanos apenas usarão os encontros para tentar convencer o Brasil a assumir um papel de policial da América do Sul.
A agenda de Condi
Aviões da Embraer
Ela irá contestar a compra de armamentos pela Venezuela, como os aviões Super Tucano da Embraer.
Gasoduto na Bolívia
Os EUA querem que o Brasil cuide da estabilidade na Bolívia, onde firmas dos EUA investiram alto.
Conselho da ONU
O Brasil pedirá apoio para uma vaga no Conselho de Segurança. Recentemente, os EUA apoiaram o Japão.
Combustíveis
José Dirceu pretende firmar acordo de troca de tecnologia na área de biocombustíveis, com destaque para a cana.