10/11/2004 - 8:00
George W. Bush assumiu de vez o volante. No primeiro mandato, ainda havia quem questionasse sua legitimidade como presidente dos EUA. Agora, com 59 milhões de votos, ele se sente à vontade para dirigir e comandar as negociações comerciais globais. ?Vou gastar todo meu capital político para isso?, avisou Bush, na quinta-feira 4, em sua primeira entrevista coletiva depois de reeleito. Nela, Bush revelou a agenda econômica dos próximos quatro anos e destacou o desejo de aprofundar os acordos de livre comércio, incluindo a Alca, Área de Livre Comércio das Américas. ?Vamos negociar preferências comerciais com os países andinos e do Caribe?, reforçou à DINHEIRO William Perry, assessor de Bush no Departamento de Estado. ?Queremos a Alca, mas ela não existirá sem o Brasil.?
O discurso vem sendo diplomático e respeitoso em relação à postura do Itamaraty, mas expõe com clareza a estratégia dos EUA. Com um PIB de US$ 11 trilhões e 30% das transações do comércio mundial, o governo americano sabe que tem um poder gravitacional capaz de atrair a maioria dos países latinos para sua órbita, enfraquecendo a posição brasileira. ?Se o Brasil quiser resistir, corre o risco de terminar isolado?, aposta o empresário Mario Garnero, amigo da família Bush e profundo conhecedor dos bastidores de Washington. ?Os republicanos ampliaram seu poder no Congresso e Bush, agora reeleito, terá mais liberdade para cortar subsídios.?
Ao impulso liberalizante do governo Bush, deve-se acrescentar um fato novo na discussão sobre a Alca. Até pouco tempo, as principais lideranças empresariais do País mantinham uma postura crítica ? e até cética ? em relação a um acordo com os EUA. Agora, começam a dizer o oposto. O sinal mais evidente partiu da torre da Federação das Indústrias de São Paulo na quarta-feira 3. Um estudo divulgado pelo embaixador Rubens Barbosa, novo presidente do Conselho de Comércio Exterior da entidade, criticou a estratégia do Itamaraty e revelou que o Brasil vem perdendo espaço no comércio com os norte-americanos. ?Muitos países, como Chile e Peru, já negociam acordos bilaterais diretamente com os EUA?, disse Barbosa. ?Isso é preocupante.? Um ano atrás, a mesma Fiesp havia divulgado outro estudo prevendo que o Brasil perderia US$ 1 bilhão por ano com a Alca. O que explica a mudança é o novo equilíbrio de forças da Fiesp. Quando era presidida por Horácio Lafer, a postura era protecionista. Com Paulo Skaf, que chegou ao poder apoiado por empresários das áreas têxtil e siderúrgica, como José Alencar, da Coteminas, e Benjamin Steinbruch, da CSN, que teriam muito a ganhar, o discurso mudou. ?Temos que ser pró-ativos e pragmáticos?, diz.
O pragmatismo pregado por Skaf é, por natureza, uma postura típica de qualquer empresário. Este ano, as companhias brasileiras investiram US$ 8,8 bilhões no exterior, 40 vezes mais que em 2003. Em muitos casos, foi uma tentativa de escapar das cotas e barreiras protecionistas que marcam a relação entre Brasil e EUA. A Coteminas, por exemplo, inaugurou uma fábrica na Argentina. A Santista escolheu o Chile. ?Lá, a tarifa é zero?, afirma o presidente Herbert Schmid. No setor de autopeças, a Sabó instalou-se no México, um país que tem 31 acordos bilaterais e passou a contabilizar um saldo positivo de US$ 20 bilhões com os EUA depois da formalização de um acordo comercial. É também lá que a brasileira Dixie-Toga, produtora de embalagens, estuda implantar sua nova unidade. ?O México pode vir a ser uma plataforma de exportação?, aposta o presidente Sérgio Haberfeld.
Assim como os empresários, diplomatas da velha guarda do Itamaraty também passaram a questionar, intramuros, a postura da equipe liderada pelo chanceler Celso Amorim. O integrante mais polêmico é o negociador Adhemar Bahadian, que batizou a Alca como ?odalisca de cabaré barato? e ?navio em direção ao iceberg?. Um dos críticos à postura de confronto é Paulo Tarso Flecha de Lima, ex-embaixador em Washington. ?A briga com os EUA é inglória e não leva a nada?. Celso Amorim, por sua vez, ainda aposta na capacidade do Brasil de aglutinar os países sul-americanos num só bloco para negociar com maior poder de fogo com os americanos. ?Estamos negociando um acordo entre o Mercosul e a Comunidade Andina?, disse Amorim, na quinta-feira 4, durante um encontro de chanceleres no Rio de Janeiro. O problema
é que, com Bush reeleito, a aposta de Amorim tornou-se mais arriscada. ?Dos 34 países da Alca, há o risco de que só Cuba e Brasil deixem de ter acordos com os EUA?, disse à DINHEIRO o ex-ministro Delfim Netto. ?Estamos criando um cordão sanitário em torno de nós mesmos?.
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US$ 20 bilhões é o saldo positivo do México |