11/03/2009 - 7:00
A VIDA CORRIA TRANQUILA PARA ANNA Maria Assumpção, uma senhora que vive no Alto da Lapa, bairro de classe média alta em São Paulo. Viúva, ela mora em uma confortável residência de dois andares, próxima à Praça Panamericana. Na garagem, além dos carros de passeio há um furgão específico para o transporte de cavalos, já que o hipismo é uma das paixões da família. Até aí, nada que a diferencie de qualquer outra matriarca da elite paulistana. Mas a tranquilidade terminou quando dona Anna viu seu nome estampado em uma lista com 14 mil nomes de pessoas, fundos e empresas que, segundo a Justiça dos Estados Unidos, têm algum interesse na fraude do século, o famigerado fundo de Bernard Madoff que provocou uma perda estimada em US$ 50 bilhões a investidores do mundo todo. Não só seu nome constava na lista, como também seu endereço, que era o único brasileiro entre todos. De lá para cá, o assédio da imprensa foi intenso, mas ela se negou a dar qualquer entrevista ou esclarecimento. “É um absurdo isso que vocês estão fazendo, vasculhando a nossa vida dessa forma. Para quê?”, desabafou à DINHEIRO, na semana passada.
Não se sabe ao certo se dona Anna perdeu mesmo dinheiro com o esquema de pirâmide de Madoff. Há possibilidade de que ela nem seja a real investidora desse fundo, que aceitava aplicações a partir de US$ 4 milhões. Apenas a citação, no entanto, a coloca no centro de um emaranhado de relações de amizade e negócios que permitiu a Madoff erguer sua fantástica pirâmide financeira. Em uma das vezes que o nome de dona Anna aparece, surge ao lado a referência “C/O David Blumenfeld”. Os Blumenfeld, distinta família da comunidade judaica de Nova York, são um dos sobrenomes mais frequentes na lista de Madoff. E quem são eles? São empresários com inúmeros negócios e interesses. Sob o guarda-chuva da BDG, sigla de Blumenfeld Development Group, a empresa da família atua em mercado imobiliário, investimentos financeiros, design e até uma fábrica de uniformes para policiais. O patriarca, Edward Blumenfeld, é amigo pessoal de Madoff. Em sociedade com ele, inclusive, adquiriu, no ano passado, um jatinho Embraer. Seus filhos, David e Brad, comandam a BDG, com sede na cidade de Syosset, Estado de Nova York. A vida de dona Anna e dos Blumenfeld se cruzou quando sua filha, que também se chama Anna, casou-se com David, há mais de dez anos. Desde então, vive com ele em um charmoso cottage em Old Westbury, no mesmo Estado. Na cidadezinha também residem Peter Madoff, irmão de Bernard, e sua esposa Marion.
JÚLIO BOZANO
GREENWICH: CIDADE ABRIGA ILUSTRES MORADORES, COMO O FILHO DE MADOFF E O BRASILEIRO JÚLIO BOZANO
Dona Anna tem outras companhias ilustres na relação que hoje é examinada à lupa pelas autoridades americanas. Um curioso fato na lista Madoff é a grande quantidade de nomes femininos e, na maioria das vezes, de esposas ou familiares de investidores. Marion Madoff, por exemplo, aparece inúmeras vezes na lista, assim como Susan Blumenfeld, mãe de David. Boa parte delas aparece juntas em fotos de eventos chiques da sociedade novaiorquina. Era nesses eventos que o nome Madoff circulava como sinônimo de prestígio para investidores. No Brasil, por exemplo, vários deles teriam sido apresentados ao fundo pela família Haegler, entre uma taça de champagne e outra no Country Club carioca. Na altíssima roda do Rio de Janeiro, investir com Madoff era sinônimo de status. Era um tipo de grife que separava os “simplesmente ricos” dos “ricos e com bons contatos”. Ser convidado por Bianca Haegler para participar do fundo era o ápice do glamour. Discreta e avessa a esse tipo de ostentação, dona Anna não se encaixa no perfil. Sua filha, porém, era habitué dos melhores salões de Nova York, onde continua aproveitando a dolce vita apesar do desfalque no patrimônio.
Apenas a 30 quilômetros dali, em Greenwich, Connecticut, outro Madoff também leva a vida tranquilamente. Trata-se de Mark, filho de Bernard e um dos diretores da empresa fraudulenta. Até o presente momento, Mark Madoff é considerado inocente. Dizem as más línguas que ele tem aproveitado como nunca o Embraer Legacy 600 que o pai possui em sociedade com Edward Blumenfeld, já que Bernard está em prisão domiciliar em sua cobertura, em Manhattam. Greenwich é um dos principais entrocamentos do jet set financeiro internacional. A cidade abriga elegantes mansões habitadas por gestores de grandes fundos de hedge, além dos Madoff. É lá que residem Walter e Monica Noel, tia de Bianca Haegler. Walter é dono do Fairfield Greenwich Group, que angariava investidores para o farsante e teve perdas estimadas em US$ 7,5 bilhões). Outro brasileiro com casa em Greenwich é o bilionário Julio Bozano, exdono do Banco Bozano Simonsen. Vivem lá também sua filha Patrícia e seu genro, o histórico operador da bolsa da época de Naji Nahas, Alfredo Grumser. Definitivamente, o mundo é pequeno. E Greenwich, menor ainda.
No eixo Manhattan-Greenwich, de alguma forma todos se relacionam e compartilham riqueza e boas intenções. Não são raros os eventos beneficentes exclusivos em que se arrecadam milhões para causas nobres. A presença de milionários atrai empresas interessadas no seu poder de consumo. A brasileira Embraer (que tem em Bozano um dos principais acionistas individuais), por exemplo, é uma das empresas patrocinadoras de atividades filantrópicas da família Blumenfeld junto à comunidade judaica, especialmente na área da saúde. A fabricante brasileira de jatos aparece numa lista dos benfeitores que ajudaram a angariar US$ 40 milhões para a expansão do Schneider Children’s Hospital, em 2007. O evento Building on a Dream, no elegante Hotel Cipriani Wall Street, de Nova York, reuniu mais de 900 convidados para celebrar as doações arrecadadas pela família Blumenfeld. Dentre eles, Bernie Madoff, como era carinhosamente chamado, e sua esposa Ruth. Todos aparecem sorrindo nas fotos do evento, inclusive a brasileira Anna, filha de Dona Anna Maria. Mal sabiam eles que estavam diante do maior fraudador da história de Wall Street.