Apesar de estar sob bombardeio, maioria em Israel aprova ação dos militares contra programa nuclear de Teerã. Analistas veem em campanha tentativa bem-sucedida do premiê de “polir” sua imagem.O tempo parecia ter parado em um dos abrigos antiaéreos subterrâneos de Tel Aviv – pouco mais do que um corredor estreito com paredes espessas.

Sem sinal de internet, não havia como obter informações sobre as explosões ouvidas do lado de fora, em meio ao conflito entre Israel e Irã.

“Agora já conseguimos distinguir o que é interceptação e o que é impacto, mas, obviamente, você se pergunta quão próximo está, ou se alguém que você conhece pode estar em perigo”, disse Lior, um jovem israelense que preferiu não informar seu sobrenome e buscava, em vão, sinal de rede no celular.

Desde que Israel atacou o Irã, em 13 de junho, a vida em Tel Aviv tem sido ditada pelo ritmo dos alertas emitidos pelo Comando da Frente Interna de Israel e pelas sirenes que avisam sobre mísseis balísticos vindos do Irã.

Na manhã da última quinta-feira (19/06), o Irã lançou mais uma barragem de mísseis contra Israel. Embora a maioria tenha sido interceptada pelos sistemas de defesa israelenses, alguns atingiram edifícios na cidade de Holon e no subúrbio de Ramat Gan, na capital Tel Aviv, além do Hospital Soroka, em Beer Sheva, no sul de Israel, deixando um rastro de destruição na ala de cirurgias. Segundo a imprensa local, o complexo havia sido evacuado no dia anterior.

“É um momento muito estranho”

Os alertas podem soar a qualquer momento, e podem durar bastante tempo.

“A vida precisa continuar, e já passamos por muitas outras crises, mas este é certamente um momento muito estranho e inquietante”, disse Lior à DW.

Recentemente, quando um outro alerta foi acionado nas primeiras horas da manhã, um dos mísseis furou os sistemas de defesa e atingiu um prédio a apenas um quilômetro de distância. O abrigo tremeu com o impacto, deixando as pessoas em choque.

“É assustador. Sabemos que os mísseis são mais letais e que a situação parece diferente dos conflitos anteriores. Me pergunto por quanto tempo isso pode continuar. As pessoas já estão no limite por não dormir direito há várias noites”, disse Shira, que também preferiu não revelar seu sobrenome.

Netanyahu mira legado após 7 de outubro

Para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, o Irã é a maior ameaça à segurança de Israel. Teerã insiste que seu programa nuclear tem fins civis, mas Netanyahu acredita que ele serve a propósitos militares. A liderança iraniana já prometeu aniquilar Israel e seu povo, e o país é visto como uma ameaça também devido aos seus mísseis balísticos e aliados na região.

Netanyahu ameaçou por anos atacar o Irã e, segundo relatos, esteve perto disso em várias ocasiões. No fim, um conflito maior foi sempre evitado. Em vez de um enfrentamento direto, Israel travou uma guerra indireta contra o Irã por meio de ataques cibernéticos, ameaças retóricas e ações contra grupos no Oriente Médio apoiados pela República Islâmica, como o Hezbollah no Líbano, o Hamas e a Jihad Islâmica na Faixa de Gaza, e os houthis no Iêmen.

Mas isso mudou em 13 de junho, após Israel deflagrar uma série de ataques contra o programa nuclear do Irã e eliminar diversos de seus generais.

“Por muitos anos, Netanyahu amarelou. Ele não estava realmente pronto para tomar medidas que pudessem resultar em fatalidades e destruição”, disse à DW o jornalista e comentarista israelense Akiva Eldar.

Ele atribui a mudança de Netanyahu a um desejo do premiê de se recuperar do “legado” do massacre de 7 de outubro de 2023.

Até então, Netanyahu se apresentava como o grande guardião da segurança de Israel. Mas essa imagem foi destruída quando militantes liderados pelo Hamas atacaram Israel, matando cerca de 1,2 mil pessoas, em sua maioria civis, e fazendo outras 251 reféns, no que muitos descreveram como o pior fracasso de segurança da história do país.

O atentado desencadeou a guerra em Gaza, onde desde então cerca de 55 mil palestinos já foram mortos, segundo o Ministério da Saúde do território palestino.

Ataques ao Irã têm amplo apoio entre os israelenses

Os críticos de Netanyahu em Israel o acusam de não querer encerrar a guerra em Gaza e de não conseguir chegar a um novo acordo com o grupo militante Hamas para libertar os reféns restantes em troca de um cessar-fogo.

O premiê foi pressionado por seus parceiros de coalizão na ultradireita, que ameaçaram deixar o governo e provocar eleições antecipadas caso ele encerrasse a guerra sem derrubar o Hamas.

Críticos também acusam Netanyahu de usar a guerra como meio de se manter no poder enquanto não é julgado por corrupção.

Após o início da ofensiva contra o Irã – que foi amplamente elogiada na TV israelense –, Netanyahu parece ter conseguido polir a sua imagem: cerca de 83% dos judeus israelenses apoiam as operações militares no Irã, dizem confiar nas instituições de segurança do país e veem o país preparado para um conflito prolongado.

Por outro lado, a maioria dos cidadãos palestinos de Israel afirmou se opor aos ataques e preferir a diplomacia à ação militar.

A sondagem foi feita nesta semana pelas universidades de Tel Aviv e Hebraica, em Jerusalém.

Em Ramat Gan, subúrbio de Tel Aviv, Ronny Arnon observava com incredulidade os danos causados em seu bairro pela queda de um míssil que rompeu o sistema de defesa e atingiu um prédio, matando uma pessoa.

“Sou minoria aqui; muita gente está apoiando”, disse ele à DW no sábado, um dia depois do início do conflito. “Chamam nosso primeiro-ministro de mágico, porque ele sabe fazer um espetáculo, mostrar que estamos vencendo e derrotando todos os nossos inimigos. Mas começamos um incêndio que não sabemos como apagar.”

Janela de oportunidade

Para analistas, um dos fatores que abriram caminho para o ataque de Israel contra o Irã foi o enfraquecimento sistemático dos aliados regionais da República Islâmica nos últimos meses e a queda, em dezembro de 2024, do governo do ditador sírio Bashar al-Assad.

Além disso, durante a última troca direta de ataques entre Irã e Israel, em outubro de 2024, Tel Aviv anunciou ter atingido sistemas vitais de defesa aérea iraniano.

Tudo isso deu a Israel a liberdade de movimentação aérea de que precisava e a chance de agir contra o Irã, disseram militares israelenses à DW.

Dois dias depois do fechamento desta reportagem, na madrugada deste domingo (22/06), Israel ganhou o reforço direto dos Estados Unidos, que bombardearam três instalações nucleares no Irã – uma delas, o complexo subterrâneo de Fordo, era considerada impenetrável pelo aparato militar de Israel.

“[Netanyahu] se sente confortável em também poder arrastar Trump para essa guerra”, disse Eldar antes do bombardeio americano. “E o que ficará para a história? Netanyahu será lembrado como o líder israelense que nos salvou de outro Holocausto”, acrescentou, referindo-se à ameaça do regime iraniano de destruir Israel.

E a guerra em Gaza?

Mas Israel também luta em outra frente.

Na Praça Dizengoff, no centro de Tel Aviv, na quarta-feira (18/06), um pequeno grupo de manifestantes exibia grandes fotos dos reféns israelenses ainda mantidos em Gaza. Entre eles estava a mãe de Matan Angrest, soldado sequestrado em 7 de outubro.

“Quando a guerra com o Irã começou, ficamos realmente com medo de que a nossa joia, meu filho, fosse esquecido lá em Gaza. A situação dele é ruim, a vida dele está em perigo”, disse Anat Angrest à DW. “Mas, algumas horas depois, recebi muitas mensagens de israelenses dizendo que sentiam que, com o sucesso no Irã, isso ajudaria a trazer os reféns de volta.”

Angrest critica o governo Netanyahu por não ter feito o suficiente para trazer seu filho e os outros reféns de volta para casa mais cedo.

Mas ela acredita que um Irã enfraquecido contribuirá para enfraquecer o Hamas e levar ao fim da guerra em Gaza.

“Esperamos que a decisão de agir agora esteja conectada a Gaza, que faça parte de um plano estratégico, e que o governo israelense finalmente consiga acabar com a guerra em Gaza”, disse ela à DW. “Porque, quando eliminarmos os líderes dos terroristas – o Irã –, poderemos concluir o que começamos em Gaza, e não estaremos mais em perigo.”