23/07/2020 - 9:45
A recente declaração do presidente iraniano Hassan Rouhani de que o novo coronavírus provavelmente infectou 25 milhões de iranianos, muito mais do que o balanço oficial, causou perplexidade e preocupação.
O anúncio foi feito no sábado, exatamente cinco meses após o registro dos primeiros casos no país: duas mortes na cidade sagrada xiita de Qom.
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“Nossa estimativa é que, até o momento, 25 milhões de iranianos foram infectados com esse vírus”, disse Rohani ao Comitê Nacional de Luta contra a Pandemia, referindo-se a um relatório do ministério da Saúde.
E ele alertou que de “30 a 35 milhões” de pessoas correm o risco de contrair a doença, sugerindo que as autoridades esperam que a “imunidade coletiva” bloqueie o vírus no país mais afetado do Oriente Médio.
O balanço da AFP desta quinta-feira, com base em fontes oficias, apontava mais de 15,25 milhões de casos em todo o mundo.
No momento da declaração de Rohani, o ministério da Saúde iraniano contabilizava oficialmente pouco mais de 270.000 casos entre os mais de 80 milhões de habitantes.
O Irã registrou na terça-feira um novo recorde diário de mortes (+229). E lamentava nesta quinta 15.074 óbitos, para 284.034 casos registrados.
Rohani não voltou a falar sobre o assunto. Mas várias autoridades deram sua versão, algumas considerando que os 25 milhões não representavam os casos de infecção, mas pessoas que desenvolveram imunidade após serem “expostas” ao vírus.
Segundo o vice-ministro da Saúde, Réza Malekzadeh, as estimativas mencionadas por Rohani foram baseadas em um estudo de março realizado com “cerca de 10.000 pessoas em 13-14 províncias”.
“Desde então, foi demonstrado que a imunidade dessas pessoas era estável, o que significa que elas são como pessoas que foram vacinadas”, afirmou Malekzadeh na segunda-feira junto à agência oficial Irna.
Não há vacina contra a COVID-19 disponível atualmente no mercado.
Aliréza Raïsi, também vice-ministro da Saúde, disse na terça-feira que esse número de 25 milhões veio de testes sorológicos para detectar possíveis anticorpos, marcadores de exposição a um coronavírus.
“Muitos estudos foram realizados sobre a COVID-19 e os 25 milhões vêm de um estudo e não devem ser considerados como outra coisa”, insistiu.
Optar pela imunidade coletiva “não faz parte da política (iraniana) e os países que o fizeram acabaram se arrependendo”, observou Raïsi. “Não haverá imunidade até que tenhamos uma vacina”.
Em uma crítica pouco velada, ele estimou que “focar nesses números é um erro estratégico”.
Para a especialista em epidemiologia molecular da Universidade de Basileia, Emma Hodcroft, esse nível pode ser significativo porque é consideravelmente mais alto do que em outros lugares.
“Uma taxa de soropositividade de 30% em um país, de acordo com os números apresentados, seria de longe a mais alta de todos os países”, disse ela à AFP, enfatizando que essa taxa só foi vista em áreas fortemente afetadas como Nova York, com uma população menor e mais densa que o Irã.
É arriscado, segundo ela, extrapolar os resultados dos testes sorológicos para uma população inteira, especialmente se vierem de uma área muito afetada.
Nas ruas de Teerã, as declarações do presidente iraniano parecem ter causado confusão e preocupação, mas também recriminações por falta de explicações.
“Da maneira como Rohani falou, significa que toda a população iraniana” foi ou será infectada, observou Ashrafi, um empresário de 50 anos.
“Portanto, cumprir as recomendações de saúde não serviu para nada?”, disse ele, chamando esses números de “aterrorizantes”.
Para Ashkan Daliri, cabeleireiro de 20 anos, esses números são reais e “um pouco assustadores”.
Segundo ele, a declaração pretendia “conscientizar as pessoas da realidade, para que elas tenham medo e respeitem as recomendações de saúde”.
Imunidade coletiva? Essa seria uma opção eficaz mesmo “se signifique que mais pessoas vão morrer”.