19/07/2013 - 21:00
Existem algumas verdades inexoráveis na cartilha da política brasileira. Uma delas é que os eleitores são desprovidos de memória de longo prazo. Outra, até por decorrência da primeira, reza que promessas de mudanças, mesmo que não sejam cumpridas, sempre convencem a maioria. Na semana passada, o Congresso Nacional deu mais uma clara demonstração de que nossos parlamentares acreditam que a cena política do País não mudou, mesmo com as massivas manifestações nas ruas, e não mudará por muitos e muitos anos. Depois de encenar publicamente apoio aos movimentos populares nos últimos meses e de prometer a moralização da política nacional com, inicialmente, a suspensão do inexplicável recesso de julho, o presidente do Senado, o alagoano Renan Calheiros, anunciou um tal de “recesso branco” no Congresso, a começar na quarta-feira 17.
A iniciativa teve apoio de seu correligionário Henrique Alves, presidente da Câmara. Trata-se de, no mínimo, uma piada de mau gosto que desafia a inteligência popular. O tal recesso, em outras palavras, não passa de uma manobra para liberar os políticos de suas obrigações parlamentares por duas semanas, entre elas a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014. A LDO define, por exemplo, os parâmetros macroeconômicos para a elaboração do Orçamento da União. Sem ela, o País para. Não bastasse ser algo, digamos, pouco recomendável em um ambiente de levante popular por reformas políticas, essa pausa parlamentar é ilegal.
Pela Constituição, sem a aprovação da LDO ninguém poderia folgar oficialmente. A escapada extraoficial paralisa a agenda política brasileira e ignora o recente apelo nacional por mais lisura no comportamento de figuras eleitas para representar o povo. E mais: deixa sem votação temas importantes e urgentes na pauta pública, como os royalties do pré-sal para educação, o marco civil para a internet e todo e qualquer projeto de lei, Medida Provisória ou Propostas de Emenda à Constituição, as PECs, até que os parlamentares, descansados e fagueiros, retornem a Brasília na primeira semana de agosto.
Com o recesso branco, as MP que desoneram alguns setores, entre eles o de transporte rodoviário e ferroviário de carga, que influenciam diretamente na inflação, perderão validade. As empresas e a sociedade, de novo, pagarão a conta. A autoproclamação das férias do Congresso seria vexatória por si só, mas se torna ainda mais vergonhosa quando os parlamentares decidem defender o recesso e explicar suas razões. O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), afirmou que a pausa é fundamental para que os deputados possam “refletir sobre cada item do texto”, para tentar chegar a um entendimento. O senador Calheiros foi ainda mais enfático.
“Vivemos num tempo em que a sociedade questiona a tudo e a todos, mas já fizemos de tudo para atender aos pedidos das ruas. É hora de descansar.” O controvertido descanso do Congresso escanteou até a principal bandeira de Calheiros diante dos movimentos populares: o passe livre para estudantes. Apesar da promessa feita, ainda não se sabe de onde virão os recursos para cobrir os gastos. Por isso, ninguém tem a menor noção de como e quando o tema será votado. Também ficou para agosto a votação, na Câmara, do projeto de lei que classifica como crime hediondo o delito de corrupção. Ficou, enfim, tudo para o mês que vem. Como se pode ver, nada mudou.