24/10/2016 - 0:00
As diferenças entre o Brasil e a Argentina começam pela língua e parecem ser mais extensas do que a distância entre Oiapoque e Ushuaia. Calma, não vou fazer comparações entre Pelé e Maradona, Cartola e Carlos Gardel, Senna e Fangio ou Jorge Luis Borges e Machado de Assis. Nem da Amazônia com a Patagônia. Tampouco de Vargas e Peron. Quero falar do mercado automobilístico mesmo. E nesse ponto o Brasil parece estar à frente em termos de atualização dos carros mais comercializados.
O veículo mais vendido na Argentina de janeiro a setembro deste ano foi a picape Toyota Hilux (24.907 emplacamentos no período e 3.088 no mês, que também liderou). Embora a Hilux seja apenas a 17ª colocada no ranking brasileiro (25.416 emplacamentos), esse é o único ponto favorável ao país vizinho. Afinal, a Hilux brasileira também é fabricada na Argentina e o fato de ela liderar o mercado mostra a importância dos fazendeiros. No Brasil, a Hilux também é a picape média mais vendida, embora perca para as menores Fiat Strada, Volkswagen Saveiro e Fiat Toro.
Mas a Hilux não é um automóvel de passeio, de uso simples e diário. Portanto, o verdadeiro carro preferido da classe média argentina é o Fiat Palio. Ele é o segundo no ranking geral (21.886 vendas) e ficou em sétimo lugar em setembro (2.012 unidades). No Brasil, o Palio já é considerado um produto envelhecido e faz muito esforço para se manter em quarto lugar (48.653 emplacamentos), o que é pouco para quem foi campeão de vendas há apenas três anos e hoje tem uma procura que não chega à metade dos números do líder.
Outro caso gritante é o do Volkswagen Gol. Na Argentina, ele perdeu só para a Hilux em setembro (2.997 vendas) e segue num seguro terceiro lugar no ano (21.257 vendas). Mas, no Brasil, o Gol ocupa hoje um discreto oitavo lugar, com 43.018 emplacamentos – uma posição pífia para quem liderou o mercado durante 27 anos consecutivos. E nem é culpa da paralisação da fábrica, pois o Gol realmente envelheceu, apesar de ter melhorado bastante com as recentes mudanças introduzidas pela Volks no segundo face-lift do modelo G5.
Se a presença do Palio e do Gol no pódio dos três mais vendidos da Argentina já causa impacto, o quarto e o quinto colocados são a prova de que o país vizinho parou no tempo, em termos de atualidade automobilística. O velho Corsa Sedan, rebatizado lá e aqui como Chevrolet Classic, ainda ocupa a quarta posição, com 18.330 vendas, seguido muito de perto pelo Renault Clio, com 18.247. A posição de ambos no ranking argentino de setembro também foi boa (sexto e terceiro, respectivamente). No Brasil, o mercado aposentou esses dois carros antes que as próprias montadoras o fizessem. Por isso, o Corsa Classic é só o 32º colocado (11.252 vendas) e o Clio é o 34º (10.536).
Tudo isso mostra que o consumidor brasileiro é muito mais exigente do que o argentino. E o faz também porque a economia é mais pujante, as ofertas são maiores. Aqui, o consumidor é rei. Por isso, a indústria automobilística precisa rebolar para conseguir vender carros. Para início de conversa, todas as marcas tiveram que investir na tecnologia dos motores flex. Na Argentina, isso não existe – ou o carro é movido à gasolina ou a diesel.
Segundo a consultoria Focus2Move, a economia argentina estava em recessão profunda no segundo trimestre deste ano, após três trimestres consecutivos de recordes negativos. Mas o setor automotivo é diferente. Tanto a Adefa (associação de fabricantes) quanto a Acara (associação de concessionários) indicam que o mercado está se recuperando lentamente.
Em setembro, a venda total foi de 68.801 unidades, um crescimento de 10,7%. Entre as marcas, a liderança ficou com a Volkswagen, apesar de sua queda particular de 10,7%. Quem cresceu espetacularmente foram as francesas Peugeot e Citroën, que registraram 27,5% e 37,5% de alta, respectivamente. Aliás, é impressionante como o argentino ama carro francês. No ranking anual, Renault (4º lugar), Peugeot (7º) e Citroën (8º) somam 25,6% do mercado. É quase a soma das americanas Chevrolet e Ford (27,8%). Para se ter uma idéia, no Brasil a dupla Chevrolet/Ford tem uma participação similar (25,8%), mas o trio Renault/Peugeot/Citroën ainda patina (10,1%).
E quanto aos carros que lideram o mercado no Brasil? O Chevrolet Onix (105.157 vendas aqui) é apenas o 15º colocado lá (12.636). E em setembro ficou apenas em 31º lugar. O Hyundai HB20 (85.898 licenciamentos aqui) nem é vendido lá. Só vai exportado para Uruguai e Paraguai. Já o Ford Ka (55.366 unidades aqui) é só o 23º lá.
Finalmente, no caso das picapinhas, o banho que a Saveiro toma da Strada aqui (29.335 vendas contra 45.253) não se repete lá. Na Argentina, a Saveiro vende mais, porém nenhuma delas tem relevância: a Saveiro está em 32º lugar (5.620 unidades) e a Strada está em 39º (4.423). Bem diferente do Brasil, onde a Strada ocupa um honroso sétimo lugar no ranking geral. Não é à toa que eu digo: a picapinha é um “veículo jabuticaba” (em referência à fruta que só dá no território brasileiro).
A conclusão disso tudo é que os argentinos podem até dizer que Maradona foi melhor que Pelé (não foi) e que Fangio teve mais títulos do que Senna (teve mesmo). Podem esfregar na nossa cara que ganharam dois Oscar em Hollywood – como contestar isso? – e até fizeram um Papa. Mas, quando o assunto é carro, o mercado brasileiro parece muito mais evoluído.