RESUMO

• Com base em proposta da CNI, governo apresenta plano de R$ 300 bilhões para salvar a indústria
• As metas e ações devem ser implementadas até 2033, e pretendem usar setor industrial para estimular o desenvolvimento do País
• O “plano safra para a indústria” tem o BNDES como principal financiador. Outros recursos virão da Finep e da Emprapii
Sensação do mercado é de que poderá haver favorecimento de aliados
• Analistas veem nos subsídios um estímulo insustentável e uma vantagem competitiva que pode afetar acordo Mercosul-União Europeia
• Algumas das missões do pacote não se alinham diretamente com o objetivo principal de desenvolver a indústria, apontam especialistas
• O receio, dizem, é muito gasto público para o risco de um resultado medíocre

Em maio do ano passado, ainda sob a presidência de Robson Braga de Andrade, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um documento intitulado Plano de Retomada da Indústria – Uma Nova Estratégia, Focada em Inovação, Descarbonização, Inclusão Social e Crescimento Sustentável. Os quatro pilares temáticos que aparecem no subtítulo do estudo foram chamados de missões, em parte porque a inspiração para a proposta foi a missão espacial Apollo 11, aquela capaz de realizar o que parecia impossível: colocar três astronautas na Lua e trazê-los de volta para a Terra. Após meses de gestação, o Plano de Retomada da Indústria foi levado ao governo Lula como a estratégia do setor para “catapultar, catalisar e estimular o investimento privado a partir da indicação e do direcionamento da política pública”, como então definiu a diretora de desenvolvimento industrial e economia da CNI, Lytha Spíndola. Passados oito meses, o governo decidiu não apenas seguir as orientações daquele roteiro como acrescentar duas novas missões — e deixar a proposta com algumas marcas características das gestões petistas.

Entre elas, a participação direta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como principal financiador do programa, incluindo eventuais participações acionárias em empresas. Batizado como Nova Indústria Brasil (NIB), o plano apresentado em Brasília na segunda-feira (22) descreve um conjunto de metas e ações a serem implementadas até 2033 para estimular o desenvolvimento do País por meio do setor industrial brasileiro.

O presidente Lula e o vice Geraldo Alckmin, que acumula a pasta responsável pela indústria, no lançamento do programa Nova Indústria Brasil. Com seis missões e quatro eixos de financiamento, plano incentiva o setor a recuperar a competitividade perdida nas últimas décadas (Crédito:Ricardo Stuckert / PR)

Segundo o Planalto, o texto passou por um amplo diálogo entre o governo e o setor produtivo para chegar a um consenso sobre a direção a seguir rumo à neoindustrialização. A NIB foi elaborada e aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, cujo titular é o também vice-presidente Geraldo Alckmin.

Mas coube ao presidente Lula justificar as razões que impõem ao País a adoção de um “plano safra para a indústria”, como a NIB tem sido chamada, em uma analogia aos incentivos de custeio do agronegócio. “Para se tornar mais competitivo, o Brasil tem de financiar algumas das coisas que ele quer exportar. Essa reunião mostra que finalmente o País juntou um grupo de pessoas que vai fazer com que aconteça uma política industrial. E que muito dela virá por meio de parcerias entre a iniciativa privada e o poder público”, afirmou.

Representantes de diversos ministérios e dos setores que serão envolvidos no programa durante a solenidade de apresentação. De forma reservada, Lula criticou a falta de metas por parte da indústria (Crédito:Ricardo Stuckert / PR)

O valor total do programa é de R$ 300 bilhões até 2026. O montante será dividido em três modalidades:
• R$ 271 bilhões em crédito;
• R$ 21 bilhões em financiamentos não reembolsáveis;
• e R$ 8 bilhões em equity (participação nas empresas por meio da compra de ações).

As fontes dos recursos serão o BNDES, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Emprapii), que atua nas áreas de biotecnologia, materiais e química, mecânica e manufatura, tecnologias aplicadas e tecnologia da informação e comunicação. Do total de R$ 300 bilhões, 28% foram aprovados em 2023, antes mesmo da finalização do plano.

Evidentemente, a NIB foi recebida com grande entusiasmo pelo setor que beneficia. Tanto a CNI quanto a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) emitiram notas de apoio.

• Presidente da CNI, Ricardo Alban afirmou que “o Brasil, enfim, tem uma política industrial necessária, adequada e viável”.

Para o vice-presidente da entidade, Leonardo de Castro, “é preciso recolocar a indústria no centro da estratégia de desenvolvimento, para que possamos retomar índices de crescimento maior e poder ofertar um caminho consistente e alinhado com o que os países desenvolvidos fazem”.

Em nota, a Fiesp afirmou que “uma indústria de transformação forte, inovadora, sustentável e competitiva é fundamental para que o Brasil deixe de ser uma economia de renda média e se transforme em um país desenvolvido, resolvendo nossos problemas econômicos e sociais”.

Mas nem todas as reações foram positivas.

Presidente da CNI, Ricardo Alban disse que o plano é adequado e viável, e que ficar contra ele é ser contrário ao desenvolvimento do País (Crédito:Divulgação)

A reportagem da DINHEIRO ouviu empresários de diversos setores, inclusive da indústria, para avaliar os ânimos do mercado. Não se pode dizer que haja unanimidade.

Enquanto alguns entendem a NIB como necessária para aumentar a competitividade da indústria brasileira, não importando o quanto isso vá custar, os críticos se dividem. Isso porque, entre as medidas estão:
• a criação de linhas de crédito especiais;
• subvenções;
• ações regulatórias e de propriedade intelectual;
• além de uma política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local.

Ou seja, serão priorizadas empresas nacionais.  Isso pode representar um entrave nas negociações para a adoção do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, uma vez que os empresários europeus defendem condições de igualdade com as empresas brasileiras nas licitações para a compra de bens, a realização de obras e a contratação de serviços pelo governo brasileiro.

Para o CEO de uma grande indústria que falou sob condição de anonimato, conceder subsídios não é o melhor caminho. “Subsídio só é bom para quem recebe. Esse recurso sairá do bolso do contribuinte. As empresas precisam ter um modelo que seja sustentável”, disse. “O governo argentino dava subsídios a quase tudo e o resultado foi que o país quebrou sem que sua indústria se desenvolvesse.”

CARBONO

No caso brasileiro, a neoindustrialização não será baseada só em subsídios. Lula afirmou que “a política também lança mão de novos instrumentos de captação, como a linha de crédito de desenvolvimento (LCD), e um arcabouço de novas políticas — como o mercado regulado de carbono e a taxonomia verde — para responder ao novo cenário mundial em que a corrida pela transformação ecológica e o domínio tecnológico se impõem”.

Ainda do lado dos defensores do programa, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) ressaltou, como ponto positivo, a preocupação com a queda das emissões de gás carbônico por meio de iniciativas como o Mover, novo regime automotivo para a produção de veículos mais seguros e menos poluentes.

“Estão contemplados, por exemplo, a sustentabilidade da frota automotiva, o estímulo à produção de novas tecnologias de mobilidade, a compra de máquinas nacionais para agricultura familiar, além da produção e uso do biodiesel”, disse a Anfavea, também por meio de nota.

A defesa do plano por parte da entidade se baseia em uma das seis missões, a que se refere a bioeconomia, descarbonização, transição e segurança energéticas. Ela prevê cortar em 30% emissão de gás carbônico por valor adicionado do Produto Interno Bruto (PIB) da indústria, além de elevar em 50% participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes.

Assim como nas demais missões do programa, as metas de descarbonização foram estabelecidas para o ano de 2033. Parece pouco tempo para alcançar todas elas. Entre as mais ambiciosas estão:
• atingir 70% das necessidades nacionais na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos;
• digitalizar 90% das indústrias brasileiras;
• e triplicar a participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias.

Outra crítica ao programa é o quanto ele tende a se afastar do âmbito da indústria. Um exemplo é a missão denominada Infraestrutura, Saneamento, Moradia e Mobilidade Sustentáveis. Entre as metas está diminuir em 20% o tempo de deslocamento de casa para trabalho.

Embora seja uma preocupação relevante no que diz respeito à qualidade de vida da população, não tem uma relação direta com o desenvolvimento da indústria, diferentemente do objetivo de aumentar em 25 pontos percentuais o adensamento produtivo (diminuição da dependência de produtos importados) na cadeia de transporte público sustentável, também contemplada na missão Infraestrutura, Saneamento etc.

Ao abraçar tantas áreas e estabelecer os mais complexos desafios, o programa corre o risco de ser pouco eficaz. E é aí que reside o maior temor dos analistas: muito gasto público para um resultado talvez medíocre.

Essa desconfiança fez o Ibovespa recuar (na contramão das altas em outras bolsas no mundo) e o dólar subir já na tarde após o anúncio do plano. Na manhã seguinte, a moeda dos EUA chegou a romper a barreira dos R$ 5,00 e fechou o dia cotada a R$ 4,95. O Ibovespa, que na segunda (22) havia recuado para a casa de 126 mil pontos, operava em alta na manhã da quarta-feira, com 129.426 às 11h30.

A rápida recuperação dos índices se deve também a fatores externos e não apenas ao impacto da NIB. Porém, há pontos no programa que preocupam. Um deles é a concentração de uma parte significativa dos mecanismos de fomento à indústria no BNDES, presidido pelo petista Aloizio Mercadante. Apenas para o eixo Indústria Mais Exportadora a verba será de R$ 40 bilhões. Nesse valor entram linhas de financiamento para pré e pós-embarque de bens e aeronaves, além da criação do BNDES Exim Bank, um braço do banco estatal voltado para apoiar as exportações.

Presidente do BNDES, Aloizio Mercadante terá um papel central na aplicação dos recursos e na participação do banco estatal como acionista de empresas investidas. Para promover as exportações, será criado o BNDES Exim Bank (Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

CONTRAPARTIDAS

Outro motivo de preocupação, citado anteriormente, é a exigência de conteúdo nacional, com percentuais mínimos de compra de produtos fabricados no Brasil em obras do PAC. A sensação do mercado é que poderá haver favorecimento de aliados.

Isso não está afastado, mas em tese não deveria comprometer um programa que poderá de fato salvar a indústria brasileira do atraso em que ela se encontra justamente pela falta de uma política pública que a valorize.

Presidente da CNI, Ricardo Alban disse que “ser contra uma política industrial moderna é ser contra o desenvolvimento do País”. Talvez mais grave seja a avaliação feita pelo próprio presidente Lula, para quem o plano peca por não fixar metas e prazos para as empresas que poderão ser beneficiadas. Segundo Alban, governo e indústria, juntos, irão “propiciar os ajustes que venham a ser necessários”.

Inspirado na missão espacial Apollo 11 e desenhado pela própria indústria, o plano talvez tenha deixado de considerar suas eventuais falhas ­— assim como ocorreu com outras missões que não alcançaram a Lua.