24/11/2024 - 9:00
Em três anos, o Brasil pode lançar seu primeiro foguete hipersônico a partir da Base de Alcântara, no Maranhão. A expectativa é que a aeronave faça um voo em uma velocidade de 10.720 km/hora, chamada de Mach 10, ou dez vezes a velocidade do som.
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O projeto, batizado de 14-X, é tratado como o primeiro passo para o Brasil começar a lançar satélites e, a longo prazo, até mesmo a fazer transporte aéreo de alta velocidade para cargas e pessoas.
O projeto de propulsão hipersônica foi lançado pela Força Aérea Brasileira – FAB, por meio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), em 2007. O primeiro voo do 14-Bis havia completado 100 anos um ano antes e, por isso, foi batizado de 14-X, em homenagem ao feito do brasileiro Santos Dumont.
“Em médio e longo prazo, o conhecimento adquirido dentro do projeto proporcionará à indústria aeroespacial nacional a capacidade de se manter competitiva e explorar o mercado promissor da hipersônica”, disse a Força Aérea Brasileira, em nota ao site IstoÉ Dinheiro.
A previsão é que o voo seja realizado no segundo semestre de 2027. Se concretizado, serão 20 anos de pesquisa e desenvolvimento acelerando na atmosfera. E esse é um novo cronograma, já que, lá em 2007, esse voo teste estava marcado para 2020.
“O Brasil já fez grandes avanços nesse projeto. Pesquisa é assim, às vezes não se sabe nem o resultado final. Pesquisa tem em que testar, ter laboratório de ponta, pesquisadores qualificados – lembrando que tem a questão de fuga de cérebros no país – leva tempo. E essa é uma pesquisa extremamente cara”, diz o professor de Engenharia Espacial da Universidade Federal do ABC (UFABC), Annibal Hetem Junior.
Projeto de R$ 120 milhões
Para dar impulso ao projeto 14-X, entrou no circuito a Mac Jee, uma empresa brasileira especializada em defesa militar, fundada há 17 anos. Suas fábricas e laboratórios estão nas cidades de São José dos Campos e Paraibuna, um polo industrial na região do Vale, onde estão também Embraer e o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), por exemplo.
A companhia venceu um edital de R$ 93 milhões da Finep (Financiadora de Fundos e Projetos) que, somando-se à contrapartida prevista no edital, agora tem R$ 120 milhões para desenvolver um sistema de decolagem assistida para veículos hipersônicos e botar a 30 quilômetros de altitude o foguete carregado de tecnologia de ponta e expectativa.
“Esse é um projeto inovador em termos mundiais, vários países perseguem essa tecnologia. Nem os americanos têm lançado hipersônicos. Com esse projeto, o Brasil vai poder ter soberania e independência em tecnologia e defesa”, destaca Alessandra Stefani, CEO da Mac Jee.
A Mac Jee faz parte da chamada Base Industrial de Defesa (BID). Produz uma gama de material bélico, como munição, cabos, sistemas eletrônicos de alta complexidade, radares e tanques lançadores.
Em 2019 adquiriu a Equipaer, que era parceira da FAB, que passa a ser o braço de tecnologia, com foco em desenvolvimento de linhas de produção de material energético, como o motor a propulsão do 14-X. As fábricas da empresa consumiram investimentos de R$ 120 milhões e 95% de suas produções atendem ao mercado internacional.
O que é um foguete hipersônico?
Um motor convencional, em geral, têm um sistema de turbinas, que captura ar, comprime e queima combustível para funcionar. Já no hipersônico, a compressão do ar não é feita por uma parte móvel, ela vem das ondas de choques hipersônicos, ou de alta velocidade. São chamados de scramjet, ou de propulsão aspirada. “A velocidade é tão alta, que entra nesse regime hipersônico”, explica Hetem.
Em velocidade hipersônica, o controle da aeronave é um dos desafios a serem superados. “Ele é muito rápido, é difícil o controle dele”, e por isso, neste momento, entra uma empresa privada para desenvolver essa parte do projeto. “A empresa tem capacidade de criar esse tipo de foguete. A participação da Mac Jee é fazer mais confiável, de melhor controle, um sistema mais inteligente”, diz o professor.
O 14-X está sendo desenvolvido na fábrica da Mac Jee em Paraibuna. O diretor de Engenharia da Mac Jee, Danilo Miranda, explica que o motor do foguete é o maior em desenvolvimento na região. São 15 metros de comprimento, com a aeronave de 2,5 metros posicionada na ponta, e 12 toneladas de combustível. Por motivos de segurança industrial, a empresa não pode divulgar imagens do local.
Ilustração
Nova fronteira tecnológica
Os Estados Unidos já tiveram um projeto de hipersônico desenvolvido pela Nasa. Houve um voo teste em que o foguete acabou caindo no oceano e nunca foi recuperado. A Austrália também já realizou teste semelhante, com recuperação da aeronave. Japão, França e China também fazem parte do grupo de pesquisa com hipersônicos. “Como esses projetos estão relacionados à segurança nacional e defesa, acabam não divulgando tanto o andamento”, diz Hetem.
Para o professor, mais do que o lançamento de satélites, são as tecnologias desenvolvidas para a operação do foguete a maior vantagem de se investir nesse tipo de projeto.
“É sim um avanço de tecnologia. Mas não vejo aplicações práticas por agora. Para colocar um satélite em órbita não é preciso um sistema hipersônico. Por enquanto, o interesse é militar. Para a sociedade, sempre que se tem uma evolução de tecnologia, os benefícios são os avanços científicos envolvidos no processo”
Ele dá o exemplo do telescópio Hubble, que, para além de um super equipamento que retratou os pontos mais distantes do universo, resultou, antes, em avanços na fotografia digital. “Os avanços voltam pra gente, vira eletrônicos, melhorias na medicina, por exemplo. E não só de tecnologia, mas os serviços agregados a ela. Se o hipersônico funcionar, tem toda uma rede de fornecedores e de serviços envolvida. No geral, acabamos ganhando.”
Segundo a Mac Jee, até o momento, são mais de 500 profissionais com alguma participação no projeto, que também tem participação do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do ITA e do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), todos ligados ao Comando da Aeronáutica – COMAer.
“O domínio de tecnologia no setor aeroespacial proporciona a autonomia aos países que a detém, evidenciando a capacidade da indústria nacional, além da grande visibilidade e projeção de poder no cenário mundial”, destaca a FAB.
Fases do projeto
Alguns testes já foram feitos, maior parte deles ainda em ambiente de laboratório, que envolve um túnel de vento hipersônico – único na América Latina, que fica no ITA – ou uma câmera que fotografa o movimento do ar, por exemplo. Agora, explica o professor Hetem, o projeto está no momento de sair do ambiente acadêmico, de modelos teóricos e simulações em computador.
Um teste de voo foi realizado com um protótipo, em dezembro de 2021, na Base de Alcântara. O teste foi a fase I do projeto. O Veículo Acelerador Hipersônico (VAH) desenvolvido pela FAB conseguiu alcançar velocidade Mach 6, percorreu cerca de 200 km e depois caiu em área segura no Oceano Atlântico, conforme programado.
De acordo com a FAB, as fases do projeto são:
I. 14-XS: demonstração em voo ascendente balístico da combustão supersônica
II. 14-XSP: demonstração em voo ascendente balístico da propulsão hipersônica aspirada
III. 14-XW: demonstração em voo planado (sem propulsão) de um veículo hipersônico controlável e manobrável com sistemas de guiamento, navegação e controle (GNC), emprego de materiais avançados, durante o voo hipersônico na estratosfera
IV. 14-XWP: demonstração em voo autônomo de um veículo hipersônico controlável e manobrável com propulsão hipersônica aspirada ativa.