Fazia um sol abrasador, mesmo nesses tempos de fim de outono, quando o vice-presidente Michel Temer desembarcou em Abu Dhabi na segunda-feira 11, para um proveitoso encontro com o príncipe Mohammed bin Zayed Al Nahyan, cuja pauta sugerida da conversa eram negócios. Temer estava especialmente de bom humor naquela manhã dadas as conquistas que havia feito dias atrás, quando de sua passagem pela China, à frente de uma caravana que contou também com os ministros da Agricultura, Antônio Andrade, da Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, e da Aviação Civil, Moreira Franco. 

 

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Lá, o vice-presidente havia destravado as exportações de cinco frigoríficos brasileiros que não vendiam para aquele mercado devido a uma longa suspensão sanitária baseada na alegação, infundada, de contaminação do gado nacional. Problema superado, Temer ainda arrebatou na China contratos da ordem de US$ 4 bilhões em encomendas de milho e soja. Em Abu Dhabi, almejava mais. O vice-presidente não esconde sua pretensão de se converter numa espécie de mascate das potencialidades brasileiras. 

 

Nos últimos tempos visitou mais de 30 países em missões comerciais, sempre acompanhado de um séquito de empresários ávidos por desbravar fronteiras em busca de novos clientes. Ano passado ajudou diretamente o Grupo Braskem, do setor petroquímico, a resolver uma pendência com os alemães a partir de uma conversa direta sua com a chanceler Angela Merkel. Nos Emirados, naquela manhã, no elegante salão do Palácio do Mar, residência oficial do Emir, Michel Temer se perguntava por que os árabes, com toda a fartura dos petrodólares, mantinham um fluxo de negócios ainda relativamente tímido com o Brasil. 


Bem aquém da capacidade. Definitivamente, o País não estava até ali na rota preferencial, muito embora a corrente de comércio bilateral tenha crescido do ano passado para cá. O saldo da balança vem sendo favorável ao Brasil, que fechou 2012 com superávit de US$ 2,1 bilhões (alta de 27% na comparação com o ano anterior), mas o problema ainda se encontra no tipo de produto embarcado: apenas commodities e mercadorias não industrializadas, de baixo valor agregado. Os árabes compram açúcar (31,9%), carnes (21,8) e minérios (14,9%), essencialmente. O total da conta é comparável a um pingo d’água no oceano de transações internacionais dos Emirados, que somam cerca de US$ 4 trilhões ao ano. 

 

Temer planeja seduzi-los para investimentos intensivos e mais ambiciosos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Quer os árabes participando da cruzada pelo resgate da infraestrutura brasileira, calcanhar de aquiles da economia. A postura propositiva e o diálogo amigável estão tornando marcante a presença de Temer nas interlocuções. Depois que ele se envolveu diretamente com o assunto do comércio, abrindo novos canais, os resultados parecem estar aparecendo com maior agilidade. O príncipe Zayed, por exemplo, animado com o tom entusiástico do vice-presidente, acenou com o avanço dos entendimentos. Para dar sentido prático às conversas, prometeu enviar logo no início de 2014 uma missão oficial de prospecção ao Brasil. 

 

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No seu giro de contatos em Abu Dhabi, Temer encontrou o príncipe Zayed (acima)

e pediu investimentos em portos e rodovias

 

Lembrou que o primeiro passo de aproximação é a ligação intermodal e que, por isso mesmo, havia acertado rotas da companhia aérea Etihad, de sua propriedade, para São Paulo. “A Austrália está à mesma distância dos Emirados Árabes que o Brasil e há 130 voos semanais entre os dois países. Já o Brasil conta menos de dez”, registrou Temer, que saiu da audiência com a promessa de novos e mais lucrativos acordos comerciais. Não fosse esse motivo suficiente para a dose matinal de alegria de Temer, o jantar na mesma noite, na casa do embaixador brasileiro João de Mendonça Lima Neto, daria o toque final. 

 

Ali, cercado por uma caravana de 30 CEOs e empresários do Lide – a ONG de empreendedores comandada por João Doria Jr. –, ouviu loas a seu desempenho. “O vice-presidente está desenvolvendo um papel vital para os exportadores brasileiros”, apontou Luiz Fernando Furlan, do Grupo BR Foods. Ele mesmo já exerceu tarefa semelhante quando esteve à frente do Ministério do Desenvolvimento do governo Lula. E por isso fala com propriedade sobre o desafio assumido pelo vice de Dilma. Furlan estava em Abu Dhabi na caravana dos CEOs para lançar, juntamente com Temer, a pedra fundamental daquela que será a maior fábrica de derivados de carne dos Emirados, uma unidade da BR Foods com capacidade para processar quatro toneladas de embutidos por mês a partir de um investimento inicial de US$ 140 milhões. 

 

A fábrica, que entra em atividade em junho do ano que vem, está sendo erguida no moderno Porto Kalifa, um dos principais do Oriente Médio, e deverá contratar 400 operários. Estes irão se juntar ao pelotão de quase mil funcionários que a BRF já mantém trabalhando em suas operações na região em áreas de logística, distribuição e marketing. O portento brasileiro fatura hoje naquele mercado mais de US$ 1,5 bilhão com a venda de 850 toneladas de produtos, através de quatro marcas, duas das quais exclusivamente dirigidas ao mundo islâmico com o preparo especial de corte e tempero. 

 

“A fábrica da BRF mostra que saímos de meras propostas para situações concretas”, disse Temer, que, logo após a cerimônia de pré-inauguração da unidade, na manhã da terça-feira 12, tomou o carro e seguiu em comboio para Dubai, onde teria uma nova audiência, desta feita com o sheik Mohammed bin Rashid Al Maktoum, primeiro-ministro e vice-presidente dos Emirados Árabes, primo direto do Emir Zayed. No Palácio Zabeel, ao lado dos empresários brasileiros, Temer tomou o projeto da BRF como senha para falar que o Brasil tem dado firmes demonstrações de interesse na região e que espera reciprocidade. 

 

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O vice lança a pedra fundamental da fábrica BRF. À esquerda, Doria, Furlan

e o embaixador Lima Neto com o primeiro-ministro Maktoum (túnica marrom)

 

Levou uma carta da presidenta Dilma Rousseff com um convite para Maktoum visitar o País e travar contatos com setores do governo para conhecer detalhes dos projetos do PAC e discutir formas de cooperação. É bem verdade que, de uns tempos para cá, prevaleceu em Dubai certa desconfiança em relação às empreitadas brasileiras. Por um motivo pontual. Consta que o próprio Emir Maktoum, dono do fundo Mubadala, chegou a investir cerca de US$ 2 bilhões nas empresas do Grupo X, do empresário Eike Batista. Viu seu dinheiro virar pó na experiência e desde então passou a ter um pé atrás quando o assunto é aventura comercial na América Latina. 

 

Na conversa com Temer, Maktoum queixou-se do que chamou de “insegurança jurídica”. O vice-presidente prometeu cordialmente analisar a situação e trazer soluções no futuro. Para todos os efeitos, o sheik Mohammed Maktoum é tido como um personagem controverso. A mania de grandeza e os sonhos de um paraíso nababesco transformaram Dubai – que ele controla em todos os sentidos, político e econômico – em um canteiro de obras estupendo, repleto de cenários das mil e uma noites, como o do megaprojeto de um aterramento em forma de palmeira em pleno oceano para abrigar hotéis e bairros inteiros. 

 

Arranha-céus envidraçados de arquitetura que desafia a gravidade (tortos, ondulares, um deles mais inclinado que a Torre de Pisa), além do trânsito caótico, não deixam dúvidas sobre a vocação para negócios daquele emirado, tal qual a vizinha Abu Dhabi. Lá está o maior shopping center do mundo com inacreditáveis 1.200 lojas, a maior e mais rica mesquita jamais construída – cravejada de pedras preciosas, toda em mármore, cujo tapete em seda supera os dez mil metros quadrados – e o monumental prédio Burj Khalifa, com seus estonteantes 828 metros distribuídos por 163 andares. 

 

Há anos Dubai se converteu no melhor “hub” para quem quer lucrar na rentável rota comercial entre o Ocidente e o Oriente. E não é por menos que o Brasil, através de Temer, decidiu buscar justamente ali parte dos petrodólares para fechar as contas públicas e financiar seus planos de desenvolvimento. De sua parte, Dubai traçou uma estratégia para explorar o mercado global de bens e serviços e, ao lado dos demais seis emirados, conta atualmente com um fundo soberano de estimados US$ 3 trilhões para gastar. “O Brasil, país em constante evolução, pode pegar carona e também fazer parte desse crescimento, com chance de se tornar forte parceiro comercial dos árabes”, diz João Doria. 

 

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Mejren, do governo de Dubai (à esquerda), quer aumentar a cooperação com empresas brasileiras, como a de Furlan (à direita)

 

Animado com as perspectivas, ele abrirá ali em Dubai a 13ª filial internacional do Lide, a ser dirigida pelo português Raul Silva. Na sua vertigem imobiliária e incessante expansão, Dubai importou boa parte da mão de obra para dar vazão aos projetos e conta agora com 80% da população formada por estrangeiros. A opulência fez esgotar parte da riqueza dos petrodólares e, em 2008, como numa tempestade do deserto, Dubai também foi varrida pelo vendaval da crise global e fuga de investidores. O sheik Maktoum teve de pedir ajuda a seu primo Zayed, emir de Abu Dhabi, que lhe emprestou US$ 15 bilhões a serem pagos no ano que vem. 

 

A dívida total ultrapassou os US$ 80 bilhões, mas Dubai tenta por esses dias retomar a pujança de outrora. Por isso está mais aberta do que nunca a parcerias e cooperação comercial. Nessa brecha, empresários brasileiros vislumbraram várias oportunidades de lucro. A fabricante de cosméticos Niely, que integrava a comitiva do Lide de Doria, iniciou entendimentos para exportar pela primeira vez seus produtos para o mundo árabe. O mesmo fez a presidenta da Dudalina, Sonia Hess, que atua no setor têxtil. A rede de ensino Wizard quer implantar escolas de português/inglês nos Emirados. 

 

Nesse campo uma curiosidade: por determinação do sheik Zayed, que se encantou com o jiu-jítsu depois de tomar aulas com a família do brasileiro Gracie, abriu-se um extenso campo de trabalho para conterrâneos do lutador e hoje 300 colégios dos emirados contratam professores brasileiros para ensinar a arte marcial. Temer estava atento e informado de todas essas oportunidades e por isso mesmo as conversas comerciais se transformaram em código diplomático de suas visitas. Nada mais lógico para um país que precisa ampliar negócios. E a recíproca parece verdadeira. 

 

O vice-presidente da Câmara de Comércio do emirado de Abu Dhabi, Khalfan Saeed Al Kaabi, fez questão de promover uma reunião com a delegação brasileira do Lide para abrir entendimentos. “Temos poucos recursos humanos. Não o suficiente para suprir todos os setores, por isso parcerias com países como o Brasil são essenciais”, disse Kaabi, lembrando empresas brasileiras que já estão instaladas nos emirados. A Vale do Rio Doce, por exemplo, abriu escritório ali. O Banco Itaú fincou uma bandeira em Dubai em meados do ano com sua corretora de valores Itaú Securities operando uma base avançada. 

 

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Kaabi, da Câmara de Comércio Árabe (acima), fala em parceria para suprir recursos humanos

 

A gigante da aviação Embraer já está levando os superjatos executivos para aquela praça. Hoje, 30% das vendas do modelo Lineage 1000 – que custa em torno de US$ 55 milhões cada – vêm do Oriente Médio. A Odebrecht, que participou de obras de portos e aeroportos locais, também conquistou a encomenda de uma estação de bombeamento. Na conta do vice-presidente Michel Temer caberá agora aos árabes uma maior contrapartida. Com ele concorda o ex-ministro Furlan, que passou o recado durante o encontro na Câmara do Comércio: “Esperamos poder fazer mais negócios juntos. Nós já descobrimos os Emirados e os Emirados precisam também descobrir o Brasil”. 

 

A tentativa de trazê-los para grandes concorrências, como a que aconteceu na semana passada na área de aeroportos, tem lógica pelo know-how árabe nesse campo. Dubai possui o segundo maior aeroporto do mundo, com um fluxo anual de quase dez milhões de pessoas. O responsável pelo Departamento de Turismo, Comércio e Marketing do país, Hamad Bin Mejren, almeja aumentar essa demanda e não poupa esforços nesse sentido. Para impressionar a delegação brasileira, ofereceu um jantar aos pés do edifício Burj Khalifa, onde, falando em português, disse que todos são muito bem-vindos a negócios ou turismo. O jogo de conquistas de lado a lado parece seguir a pleno vapor. Para o “mascate” Temer é o sinal de que pode estar se abrindo “uma nova e promissora era” entre Brasil e Emirados.

 

Diretamente de Abu Dhabi e Dubai