29/07/2025 - 16:42
Presidindo o bloco, país nórdico diz que cortar emissões ajudará europeis a se defender e competir com China e EUA. Mas não será fácil manter vivo o problemático Acordo Verde Europeu com tantas reações negativas.As ruas de Aarhus, a segunda maior cidade da Dinamarca, estão repletas de indícios de que este é um país com consciência climática. Máquinas de reciclagem de garrafas saúdam os pedestres em intervalos regulares; as ciclovias estão repletas de ciclistas, faça chuva ou faça sol, muitas vezes com crianças ou cargas a reboque. Na baía onde o estreito de Kattegat conecta os mares Báltico e do Norte, turbinas ajudam a gerar mais energia eólica por pessoa do que quase qualquer outro país do mundo.
Foi aqui que o país nórdico escolheu iniciar sua gestão rotativa de seis meses, iniciada mês passado, à frente do Conselho da União Europeia, órgão que representa os 27 Estados-membros da UE.
Na Dinamarca, uma palavra que saiu de moda nos círculos de formulação de políticas europeias entrou nas prioridades declaradas do país: “verde”. “Há muito em jogo”, disse o ministro do Clima e Energia, Lars Aagaard, à DW, no início da presidência dinamarquesa da UE.
Maré virou contra as políticas verdes da UE
Já se foram os dias em que as políticas climáticas dominavam a agenda da União Europeia; quando os manifestantes nas greves pelo clima nas escolas, nos protestos que ocorriam em cidades de todo o bloco, levaram os formuladores de políticas a elaborarem o chamado Acordo Verde Europeu, chamado de “momento homem na lua” da Europa pela Comissão Europeia em 2018.
Desde então, as realidades de uma geopolítica radicalmente mutável têm impactado como uma bola de demolição a consciência política europeia – desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, e a consequente crise energética e inflacionária, até as tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e os crescentes temores existenciais nas indústrias europeias, da indústria automobilística à química.
Os partidos verdes sofreram duras derrotas na maioria dos países nas eleições europeias do ano passado, após o que muitos analistas chamaram de reação contra as políticas ambientais.
Proteção climática enfrenta concorrência
As grandes promessas da UE de reduzir as emissões já foram consagradas em lei, permitindo que o bloco mantenha sua reivindicação de liderança climática no cenário global – especialmente com a saída dos EUA do Acordo Climático de Paris.
Mas, pouco a pouco, elementos menos relevantes da legislação verde europeia estão sendo criticados em debates sobre como aliviar a pressão sobre as empresas para ajudar a UE a competir com países como China e EUA.
“Apoiamos uma política climática impulsionada pela inovação, investimento e responsabilidade; não por proibições radicais ou ideologia”, disseram líderes do maior grupo político no Parlamento da UE, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, em comunicado no final do mês passado. “Somos ambiciosos, mas pragmáticos”, escreveram.
Embora esses líderes tenham elogiado uma série de planos de redução da burocracia apresentados pelo Executivo da UE, os ativistas em defesa do clima rejeitaram as medidas. Recentemente, Bruxelas também provocou a ira dos grupos ambientalistas ao arquivar projetos de regras contra o greenwashing ou lavagem verde – a estratégia de marketing adotada por algumas empresas para projetar uma imagem como sendo melhor para o meio ambiente do que realmente são.
Energias renováveis para a defesa da Europa?
Para manter viva a ação climática, a Dinamarca busca novas maneiras de estruturar sua argumentação, apresentando a transição verde como um elemento-chave na tentativa da Europa de impulsionar sua autonomia militar.
“A mudança climática tem a ver com defesa. A autonomia estratégica da Europa está ameaçada, em parte porque somos extremamente dependentes da importação de combustíveis fósseis”, disse o ministro Aagaard, se referindo à dependência anterior do bloco em relação ao petróleo e gás russos e seus novos planos de proibir gradualmente a compra dessas comodities.
“Levar a Europa a uma posição em que possamos produzir mais da energia de que precisamos, onde nos tornemos mais eficientes em termos energéticos, onde criemos uma economia forte baseada em energia descarbonizada, para mim essa também é a resposta”, acrescentou.
O governo dinamarquês, liderado pela centro-esquerda, colocou a segurança como uma prioridade durante sua presidência da UE, sucedendo à Polônia, que ocupou o cargo rotativo no primeiro semestre de 2025. O Ministério da Defesa dinamarquês também foi mais longe do que a maioria dos países do bloco em sua tentativa nacional de reforçar a autonomia militar, estendendo o recrutamento militar obrigatório às mulheres.
O rearmamento e as emissões de carbono
Ainda assim, pesquisadores reconhecem que a corrida da Europa para se rearmar impõe seus próprios desafios à formulação de políticas climáticas.
Os dados sobre emissões ligadas aos trabalhos militares tendem a ser ultrassecretos. O pesquisador Jens Mortensen afirma que a busca por materiais mais críticos, como metais de terras raras, pode “atrasar ou desacelerar a transição verde”.
“No curto prazo, os gastos com defesa são priorizados e haverá uma preocupação com o que isso fará com nossas emissões”, disse Mortensen, cientista político que leciona governança ambiental global na Universidade de Copenhague, à DW.
“Mas agora provavelmente precisamos fazer isso. Esse é o sentimento no Norte europeu precisamos. [por que] nos sentimos muito expostos.”
Futuras batalhas sobre cortes de emissões
Nem todos os Estados-membros da UE compartilham a avaliação dos dinamarqueses de que a adoção de uma postura verde equipará a UE para se defender melhor e competir internacionalmente.
O desafio político que virá se tornou evidente na semana passada, quando a Comissão Europeia propôs um novo passo juridicamente vinculativo no caminho da UE para alcançar o nível zero nas emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050.
Segundo as propostas mais recentes, a UE deve reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 90% até 2040, em comparação com os níveis de 1990.
“À medida que os cidadãos europeus sentem cada vez mais o impacto das mudanças climáticas, eles esperam que a Europa aja”, disse recentemente a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen.
No entanto, Itália, República Tcheca e Polônia criticaram o projeto de lei, que ainda precisa da aprovação dos Estados e legisladores da UE.
“Nosso país ainda não está pronto para implementar planos tão ambiciosos”, disse a ministra do Meio Ambiente da Polônia, Paulina Hennig-Kloska, na semana passada. “A meta de redução da UE deve ser realista e as contribuições de cada país para alcançá-la devem ser variadas”, disse ela.
Os ambientalistas, por sua vez, ficaram decepcionados com o fato de o projeto de lei permitir que os países incluam créditos de carbono obtidos por meio de investimentos em projetos ambientais fora da Europa em sua contabilidade climática.
“A maioria das compensações internacionais não vale o papel em que estão escritas e não fizeram nada para reduzir as emissões. Elas também são um desperdício de dinheiro dos contribuintes”, disse Michael Sicauld-Clyet, da ONG WWF na semana passada.
Jens Mortensen viu o acordo como um meio para atingir um fim. “Temos que ceder em certas questões”, disse ele. “É controverso, mas era necessário convencer os céticos.”
O poder limitado da Dinamarca
Convencer os céticos será uma tarefa diária para Copenhague até o final de 2025. Questionado se esperava que a República Tcheca e outros países aderissem às metas de redução de emissões, Lars Aagaard disse apenas que “o tempo dirá.”
“Sei que há preocupações de curto prazo em vários países europeus de que as políticas de mudança climática possam ser um desafio para o desenvolvimento econômico”, acrescentou. “Mas também acho importante que todos nós lembremos que cumprir nossas metas climáticas é parte do que deve tornar a Europa competitiva a longo prazo.”
O pesquisador Mortesen afirma que a Dinamarca pode somente esperar manter os países discutindo políticas climáticas, em vez de mudar a maré política, devido aos limites de sua capacidade.
“Trata-se, na verdade, de tentar reformular os desafios atuais e a confusão em que nos encontramos, dizendo: ‘Não se esqueçam da transição verde’. Temos consciência de que ela deixou de ser uma das maiores prioridades.”