Podemos começar esta narrativa pelo que há de novo: os Conselhos de Administração (CAs) das empresas estão melhorando seu perfil. Há maior percentual de membros independentes (profissionais que não foram da própria empresa ou de alguma subsidiária nos últimos três anos), maior equidade de gênero (mas ainda não de cor), maior leque nos modelos de remuneração. Ou podemos começar esta narrativa pelo que existe de velho: eles continuarão majoritariamente brancos e masculinos.

É mais provável que a verdade não esteja nem na primeira hipótese nem na segunda, e sim num ponto entre elas. O ponto da evolução. Porque se existe algo no mundo corporativo que tem sido chacoalhado com intensidade, mais do que os hábitos empregatícios & laborais de millenials (1982-1995) ou da geração Z (1996-2012), esse algo é o mundo dos CAs.

Numa imposição de fora para dentro. “Os Conselhos brasileiros vêm mudando radicalmente a forma como atuam”, afirmou à DINHEIRO o sócio sênior da Korn Ferry, Jorge Maluf.

O recém-divulgado estudo anual Governança e Remuneração dos Conselhos de Administração, conduzido por Maluf, ajuda a jogar luz para vermos a foto mais pelo que ela sugere (amanhã) do que pelo que ela mostra (hoje).

O exemplo mais contundente é o ainda baixo número de mulheres nos CAs. “Estamos ainda aquém do que seria o desejado e aquém do que seria o ideal”, disse Maluf. “Por outro lado, num prazo de cinco anos, o percentual de mulheres triplicou.”

A participação feminina era de 6%, em 2017, e passou a 18% no ano passado. Se o recorte for entre conselheiros independentes o percentual já se aproxima de um quarto. Era de 8% (2017) e passou a 22% (2022). “Ano a ano isso vem aumentando. Você vê um processo que as empresas efetivamente vêm perseguindo.”

Multidiversidade

A mudança dos CAs embute questões cada vez mais múltiplas, e não apenas de gênero. Há nova dinâmica, e ela não acontece por geração espontânea, nem é inercial. O Conselho tem trocado de papel porque o ambiente corporativo moderno tem trocado de papel.

Antes, na estrutura societária brasileira, normalmente o controlador era presidente da companhia, ou dominava o Conselho, o que fazia do órgão uma instância mais passiva e menos atuante. Um carimbador de decisões, quase essencialmente financeiras. A transformação, segundo Maluf, surge com a abertura de capital das companhias, e a chegada de grandes investidores institucionais, do private equity. Eles são mais demandantes. Nada daquele mundo em que as discussões mais relevantes não passavam pelo Conselho. “Isso não existe mais.”

“As corporações querem cada vez mais saber como a gente consegue predizer performance e prever impactos nos negócios.”
Rodrigo Araujo, sócio-gerente da Korn Ferry

Também sócio da Korn Ferry e Regional Market Leader Latam, Rodrigo Araujo diz que parte emblemática do novo papel dos Conselhos, e das lideranças executivas, passa por complexos desafios enfrentados pelas corporações de conviver com a imprevisibilidade.

Uma nova realidade vinda com a pandemia. “São elementos que fogem totalmente ao controle das empresas”, disse Araujo à DINHEIRO. Ele enumera:
* cadeias de suprimentos severamente impactadas,
* os eixos econômicos e de negócios modificados
* e a forte aceleração digital.

“Esses fenômenos, sobre os quais a gente acaba não tendo tantos mecanismos de controle e previsibilidade, chamam bastante a atenção hoje de quem lidera e está à frente dos grandes negócios.”

Araujo afirma que todo o acervo de décadas em data & analytics da Korn Ferry é reunido em soluções que antecipem o máximo possível esse universo de incertezas. “Tem sido fortemente requisitado pelos clientes. Eles querem saber como a gente consegue predizer performance e prever contribuições e impactos.”

O que vale não apenas para a agenda de transformação organizacional, mas até mesmo em processos de transformação cultural. Segundo Araujo, as organizações vão demandar cada vez mais que múltiplos elementos entrem na equação para que a tomada de decisões estratégicas possa ser feita com precisão.

“O que leva à necessidade de você olhar a importância de componentes comportamentais”, disse. “As organizações de sucesso trabalham com um grupo mais heterogêneo de lideranças e profissionais.”

“Os Conselhos de Administração vêm mudando radicalmente. E organizações transformadas transformam as pessoas.”
Jorge Maluf, Sócio Sênior da Korn Ferry

Tudo leva à pergunta do US$ 1 milhão. Como se colocar no papel de uma empresa abrangente, multicultural, global, multifacetada se eu não tenho essa representatividade no meu corpo de liderança, no meu corpo executivo? Como ser uma organização para todos e para todas se não tenho essa representatividade dentro de casa?

“São as perguntas que nossos clientes se fazem. E nos fazem”, afirmou Araujo. Uma dimensão que ganha muita força. Não só para as lideranças, mas também e principalmente dentro do CAs, já que existe uma missão acima de todas para os Conselhos: cuidar do legado e da perpetuidade das companhias.

Araujo diz que pessoalmente busca como legado transformar a vida “das pessoas e das organizações”. E, como resume, sermos quem faz as corporações melhores do que estavam quando chegamos. Deixar a barra sempre mais alta.

“O que para mim é um desafio até maior, porque recebi [a Korn Ferry] das mãos do Jorge [Maluf] num nível muito bom.” Jorge Maluf vai pelo mesmo caminho. Para ele, “as organizações transformadas transformam as pessoas.” Bons conselhos aos Conselhos.