06/06/2019 - 11:15
Um consórcio responsável por fiscalizar a execução das obras do Rodoanel Norte em São Paulo afirmou em documento enviado à Dersa no fim de 2018 que recebeu “orientação” da própria estatal para não participar das medições dos serviços feitos pela empreiteira na construção, destaca o jornal O Estado de S. Paulo. São as medições que atestam o que realmente foi executado em uma obra viária e servem de base para o pagamento mensal feito à construtora.
O documento, que também foi encaminhado ao Ministério Público Federal e à Procuradoria-Geral do Estado, é assinado por um representante do consórcio formado pelas empresas Geribello Engenharia, Geosonda S.A. e Urbaniza Engenharia.
Elas foram contratadas em fevereiro de 2013 pela Dersa, por R$ 19,3 milhões, para prestar serviços de apoio à fiscalização, supervisão e acompanhamento das obras do lote 6, que estava a cargo da construtora Acciona Infraestructuras.
No ofício, ao qual o Estado teve acesso, ele afirma que o consórcio foi orientado a apresentar mensalmente somente os quantitativos dos serviços realizados pela construtora, mas não informa de quem partiu a “orientação”. “Durante todo o período contratual, as medições foram realizadas única e exclusivamente pela fiscalização da Dersa no sistema Sigero, sem qualquer participação das equipes do consórcio, que nunca tomou conhecimento dos valores efetivamente pagos para a construtora”, diz o texto.
Ainda segundo o ofício, o consórcio só foi “orientado a participar do processo de medição da construtora” após a troca de comando da Dersa, com a saída do ex-presidente Laurence Casagrande, nomeado no governo Geraldo Alckmin (PSDB), e a posse de Hamilton de França Leite, indicado pelo ex-governador Márcio França (PSB). Casagrande chegou a ser preso em 2018 junto com ex-diretores e fiscais da Dersa na Operação Pedra no Caminho, do Ministério Público Federal, que apontou desvios de R$ 480 milhões na obra. Todos negam as acusações.
Ao todo, a obra do Rodoanel Norte foi dividida em seis lotes, sendo que em cada um deles havia um consórcio de empresas para fiscalizar o trabalho das empreiteiras. No lote 2, por exemplo, a ação da OAS era fiscalizada por um consórcio do qual participava a empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia, que tem como sócio o coronel aposentado da PM João Baptista Lima Filho, acusado de ser intermediário do ex-presidente Michel Temer em supostos pagamentos de propina da Odebrecht. Ambos negam.
Conforme o Estado revelou no sábado, dia 1º, um pente-fino feito pelo governo João Doria (PSDB) nos contratos e canteiros de obra do Rodoanel Norte identificou indícios de pagamentos indevidos às empreiteiras. A nova gestão da Dersa contratou uma auditoria do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), órgão do próprio governo, para apurar o estágio real da obra. Segundo os registros oficiais da Dersa, 85% dos 47,6 km do último trecho do anel viário haviam sido executados até 2018, mas a suspeita é de que o índice real seja inferior.
Túnel
Um segundo documento encaminhado à Dersa em dezembro de 2018 pelo consórcio Concremat, Tüv Süd e Bureau Veritas, responsável pela fiscalização das obras do lote 3, a cargo da OAS, aponta problema estrutural na construção de dois túneis, como “falta de espessura mínima de concreto” e “escavação excessiva”, que “agrava o risco de colapso da estrutura”.
O jornal apurou que, neste lote, o levantamento preliminar feito pela Dersa constatou que um trecho incompleto – que deveria ligar um viaduto a um dos túneis – foi lançado como integralmente executado nas planilhas da estatal, que pagou pelo serviço como se ele tivesse sido concluído.
Os contratos dos três primeiros lotes do Rodoanel Norte foram rescindidos ainda em dezembro de 2018 pelo governo Márcio França, e dos três últimos no mês passado pela gestão Doria por atrasos no cronograma e paralisação dos canteiros. As empresas reivindicavam um reajuste contratual para conseguir concluir todo o trecho. Uma nova licitação deve ser feita para terminar a obra, mas ainda sem prazo.
Defesas
A defesa do ex-presidente da Dersa Laurence Casagrande afirmou que ele “nunca foi informado” sobre a suposta orientação dada às empresas para não participar das medições do Rodoanel Norte. Para o advogado Eduardo Carnelós, o ofício enviado pelo consórcio indica que as empresas “teriam descumprido suas obrigações contratuais, sem comunicar os impedimentos que agora afirmam terem existido aos órgãos internos encarregados de apurar ou impedir a ocorrência de atos lesivos aos interesses da companhia”.
A reportagem entrou em contato nesta quarta-feira, 5, com o consórcio Geribello, Geosonda e Urbaniza, mas não obteve resposta. A reportagem não conseguiu localizar representantes da construtora Acciona. O consórcio da Concremat não se pronunciou e a OAS afirmou que “sempre executou os serviços com qualidade técnica e segurança, seguindo a rigor todas as normas acordadas”.
A Argeplan informou que não era líder do consórcio e que supervisionou os itens qualidade e quantidade, “sem adentrar nos preços praticados”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.