DINHEIRO ? Quais fatores o levaram a pedir vista do parecer do conselheiro Carlos Ragazzo no caso BRFoods?

RUIZ ? O grande problema apontado foi a falta de controle sobre a cadeia produtiva que a empresa entrante teria, conforme estava previsto no Termo de Compromisso de Desempenho (TCD), que subsidiou o voto do conselheiro Carlos Ragazzo. Se o voto prevalecesse como estava, a empresa que comprasse os ativos restantes da fusão não teria autonomia para definir que tipo de produtos levaria para o mercado, o que justificaria o veto à fusão. Era preciso começar lá atrás, preservar os fornecedores exclusivos das marcas Sadia e Perdigão, conhecidos como integrados, que passariam a fornecer para a nova empresa. E seria necessário manter, ainda, os contratos de venda já firmados com as duas marcas. Em casos anteriores do Cade, percebemos que, se a estrutura não fosse mantida intacta, o entrante chegaria fragilizado para competir com as empresas líderes. Ficou estabelecido, então, que não se deve perder nível de atividade, que não se romperão contratos de fornecimento até a venda das 12 marcas, o que deverá acontecer até 2012 para preservar a BRFoods. Quem entrar para competir também não pode romper esses contratos. 

 

 

 

DINHEIRO ? Passaram-se 34 dias entre o voto do conselheiro Ragazzo e a celebração do acordo que permitiu a fusão. Como foi costurar um acerto tão complexo em prazo tão curto?

 

RUIZ ? Já vínhamos trabalhando intensamente nesse caso há uns dois meses. Havia uma troca de informações, embora nós só tenhamos tido acesso ao parecer do Ragazzo, condenando totalmente a fusão, após a leitura do documento. O voto dele tinha toda a análise dos mercados relevantes, nos quais havia problemas de concentração, falta de competição, além do problema dos fornecedores integrados. Quando eu pedi vista, parti de um acúmulo de conhecimento magnífico. Por causa desse subsídio, foi possível fazer a discussão a partir dali.

 

 

 

DINHEIRO ? Por que na última semana antes do julgamento ainda havia a impressão de que pouco havia se avançado em direção a um acordo?

 

RUIZ ? Tivemos momentos tensos em várias ocasiões. Com o parecer negativo à fusão, no voto do Ragazzo, partimos praticamente do zero. Construímos uma nova empresa, com dez fábricas de alimentos, dois abatedouros de suínos e dois de aves, mais quatro de ração e oito centros de distribuição, entre outros. Ou seja, com capacidade produtiva e logística garantidas. Os executivos da BRFoods já sabiam, desde o início, que teríamos de tirar algumas marcas da empresa. Mas era preciso construir a solução: primeiro discutir com os integrados, depois analisar a capacidade produtiva e a estrutura de distribuição. Tivemos uma discussão intensa para cada mercado. 

 

 

 

DINHEIRO ? A BRFoods, inicialmente, não gostou da restrição à criação de novas marcas…

 

RUIZ ? Eles entenderam que, do nosso ponto de vista, seria necessário. As marcas foram a última fase, deixamos para discuti-las na última semana. Ficou mais apertado porque começou a chegar muito perto do limite para o julgamento e gastamos muito tempo no debate das etapas anteriores. Nosso medo, tanto da parte do Cade quanto da BRFoods, era que houvesse pouco tempo para discutir as marcas. E foi o que aconteceu. Isso nos deixou preocupados. 

 

 

 

DINHEIRO ? Sem a suspensão das marcas, não haveria acordo?

 

RUIZ ? Não. Esse não é um mercado, em que a marca é menos importante que preço, prazo e garantia de entrega. É um mercado de produtos diferenciados. Aos olhos do consumidor, há um leque de produtos muito grande. A marca é importante.

 

 

 

DINHEIRO ? Há pontos sensíveis no acordo, como a exigência de que as fatias de mercado das marcas que a BRFoods terá de se desfazer sejam mantidas até a venda para a nova empresa, em 2012.

 

 RUIZ ? Isso foi feito em acordo, sem  imposição. Dissemos que eles precisavam ceder marcas em mercados importantes para que não houvesse uma intervenção mais forte em capacidade instalada ou nas marcas premium. Eles concordaram em vender  marcas e a capacidade produtiva associada a elas, garantindo ao comprador a fatia de mercado atual. Não poderão sangrar a marca antes de vendê-la, o que será acompanhado pelo Cade e pela Nielsen, consultoria especializada em consumo, nos próximos cinco anos. As próprias candidatas a comprar terão interesse em monitorar o  acordo.

 

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“Não queremos desintegrar a cadeia de fornecedores que hoje atende a Sadia e a Perdigão.”

 

 

 

DINHEIRO ? O sr.  sugeriu que o governo entre, por exemplo, com o BNDES para auxiliar na consumação do acordo.  É necessário?

 

RUIZ ? Falei no BNDES e num conjunto de órgãos públicos pensando em como eles podem ajudar a concretizarmos o acordo, dando apoio, inclusive para preservar os concorrentes da BRFoods. O governo tem vários instrumentos que podemos usar ? sem excluir o setor privado. Talvez os concorrentes pequenos e médios precisem de mais tecnologia, de capital de giro, de financiamento e é aí que o BNDES pode entrar, como financiador, para ajudá-los a crescer. Isso reforça a franja (empresa com pequena participação de mercado [NR]).

As empresas de menor porte precisam se tornar mais robustas, pois funcionam também como reguladoras de mercado. 

 

 

 

DINHEIRO ? Como o sr. vê a política do governo de incentivar a criação de campeões nacionais com apoio do BNDES, que acabam barrados pelo Cade?

 

RUIZ ? Há muita confusão e corre-se o risco de haver uma análise precipitada. As grandes empresas e concentrações não são necessariamente ruins. O problema concorrencial mais crítico é o aumento de preço, que pode não ocorrer quando uma fusão tiver grandes ganhos de eficiência. Há casos, e não são poucos aqui no Cade, em que o mercado relevante é o internacional e não o nacional. No caso da BRFoods, não foi identificado  nenhum problema na parte destinada à exportação, que permaneceu intacta. No mercado interno, identificamos problemas concorrenciais em um terço dos mercados nos quais a empresa atua e tiramos essa parte. Isso entra em confronto com a tese de campeões nacionais? Não. Não há relação imediata.

 

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“Fizemos o possível para não repetir os erros do passado”

Bavaria: a cerveja ficou com a Molson, do Canadá, e perdeu mercado  

 

 

 

DINHEIRO ? A empresa vice-líder, criada com a venda dos ativos, terá condições de competir com a BRFoods, em pé de igualdade, onde havia concentração?

 

RUIZ ? Quando ocorreu a fusão, há dois anos, ficou um vácuo entre a líder BRFoods e esses concorrentes menores. Nos mercados relevantes, em que havia esse vácuo, nós tamparemos esse buraco com o acordo. O que chamamos de vice-líder será uma empresa pequena em relação à Sadia-Perdigão, mas grande o suficiente nos mercados considerados problemáticos do ponto de vista concorrencial. No total, ela terá um tamanho em torno de 22% da BRFoods, mas, em alguns mercados específicos, ela pode chegar a até 50% da BRFoods. 

 

 

 

DINHEIRO ? Qual foi a maior preocupação do Cade na costura do acordo?

 

RUIZ ? As marcas com toda a estrutura integrada ? abatedouros, centros de distribuição, fornecedores de ração, processadores, granjas ? serão vendidas em bloco para manter o sistema intacto. Não queremos os fornecedores, hoje exclusivos da Sadia e Perdigão, criadores de frango, suíno e peru, desintegrados dos abatedouros e processadores, que passarão para o novo competidor. Não haverá desemprego. Vamos colocar outro produtor que deve querer usar essa estrutura com mais afinco. É um entrante, isso deve criar competição pelos fornecedores. 

 

 

 

DINHEIRO ? Esses cuidados foram pensados para evitar erros cometidos pelo Cade em casos anteriores?

 

RUIZ ? O Cade aprende com os casos  julgados anteriormente, acumulando conhecimento. O  conselheiro Olavo Chinaglia disse: ?Se formos cometer erros, que sejam erros novos.?  Fizemos o possível para não repetir os erros do passado (como ocorreu no caso da Ambev, com a Bavaria, ou da pasta Sorriso, na fusão da Colgate com a Kolynos. A Ambev ?abandonou? a marca Bavaria antes de vendê-la, e a Colgate criou a marca Sorriso para substituir a Kolynos, da Kolynos, da qual teve de se desfazer. [NR]). Demos um tratamento atencioso para a fatia de mercado que as marcas ocupam. Colo-camos a proibição de criar novas marcas e garantimos a manutenção 

dos fornecedores.

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. acha que a alienação dos ativos será tranquila?

 

RUIZ ? Acho. Não é um setor que sofre concorrência dos chineses. É exportador e competitivo, tem acesso ao mercado interno e ao externo, o que significa um espaço bom para crescimento. Tem uma faixa da população que passou a consumir esses produtos e há crédito no mercado. O mercado tem renda. Há um conjunto de perspectivas que dizem: ?Esse mercado é rentável e é por isso que não me preocupo com o entrante. Ele entrará e há vários interessados.? 

 

 

 

DINHEIRO ? O sr. enxerga risco de esse acordo não vir a ser cumprido?

 

RUIZ ? Estou muito tranquilo. Esse acordo foi costurado. Eles não vão querer arrumar problema. Saíram de uma fusão problemática para arranjar confusão desse nível? É óbvio que não.