A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um passo significativo para a modernização do mercado de capitais brasileiro ao lançar a Consulta Pública SDM nº 05/25, que propõe a revisão da Resolução CVM 88. A norma é a principal referência regulatória do crowdfunding de investimento no país, segmento que cresce de forma acelerada e se consolida como alternativa cada vez mais relevante para o financiamento de empresas e projetos.

A iniciativa reflete a necessidade de adaptação do arcabouço regulatório diante da rápida evolução do setor, com foco em ampliar a segurança, a liquidez e a diversificação para investidores e emissores. Os números recentes mostram a dimensão desse avanço: o volume captado saltou de R$ 220 milhões em 2023 para R$ 1,5 bilhão em 2024. Somente no primeiro trimestre de 2025, o setor movimentou R$ 790 milhões, o equivalente a 55% de todo o ano anterior. Entre janeiro e julho deste ano, as emissões já superaram R$ 2,2 bilhões, crescimento de 69% frente ao consolidado de 2024.

Outro dado que chama atenção é a concentração em certificados de recebíveis, que representaram 70% das ofertas no último ano. O movimento evidencia o peso da securitização dentro desse modelo de captação, ao mesmo tempo em que reforça a urgência de regras mais claras e flexíveis para sustentar a expansão contínua do mercado.

Inovações propostas pela CVM

A minuta da CVM traz mudanças que podem redesenhar o futuro do crowdfunding de investimento no Brasil. Entre elas estão a ampliação do rol de emissores, agora incluindo produtores rurais pessoa física, cooperativas agropecuárias e companhias securitizadoras; o fim do teto de faturamento, abrindo espaço para empresas de maior porte; e a criação de novos limites de captação, que chegam a R$ 25 milhões para sociedades empresárias e cooperativas, R$ 50 milhões para securitizadoras e R$ 2,5 milhões por safra no caso de produtores rurais.

Outro ponto sensível é a ampliação da liquidez para investidores, com flexibilização das operações em mercado secundário e a possibilidade de recompra de títulos pelos emissores. A proposta também prevê maior integração com o sistema financeiro tradicional, permitindo a atuação de bancos e corretoras na distribuição por conta e ordem, além de estímulo à diversificação por meio do fortalecimento dos sindicatos de investimento.

“É muito positivo ver a CVM trazendo customizações que dialogam com a realidade do mercado. Essa consulta pública vai gerar mudanças tecnológicas importantes para as plataformas existentes e evidencia a necessidade de o originador estar atento e cercado de parceiros provedores de tecnologia, que viabilizem as ofertas de forma segura e em conformidade com as novas regras”, destaca Carlos Victor, COO da Loor.vc, ofertante pela Resolução CVM 88 e provedor de soluções white label.

O agronegócio no centro das atenções

Um dos principais destaques da consulta pública é a abertura do crowdfunding para o agronegócio, setor responsável por cerca de 25% do PIB nacional. A inclusão de produtores rurais pessoa física e cooperativas agropecuárias como emissores elegíveis cria uma via inédita de captação para pequenos e médios produtores.

Atualmente, mais de 90% do crédito rural vem de bancos e cooperativas de crédito. Com a possibilidade de emissão de CPR-F, CDCA e notas comerciais em plataformas digitais, os produtores poderão acessar recursos de forma mais ágil e menos burocrática. Essa mudança reduz a dependência do sistema bancário e aproxima o investidor de varejo do campo, ampliando as oportunidades em um setor historicamente restrito a grandes fundos. Entre 2023 e 2024, o volume financeiro do agronegócio no mercado de capitais já havia crescido 25%, sinalizando demanda consistente.

Para especialistas, o impacto é também estratégico no cenário internacional. “Esse é um passo essencial para colocar o país no mapa global dos investimentos alternativos, ampliando acesso a capital e oportunidades de forma transparente e competitiva”, afirma o advogado Francisco Menezes Dall’Agnol, especialista em regulação da CVM.

Percepções do mercado e projeções futuras

No mercado, a proposta tem sido interpretada como um verdadeiro divisor de águas. “Finalmente a CVM conseguiu acertar em cheio em múltiplos pontos de evolução e conexão entre as partes envolvidas na estruturação, gestão e distribuição de recursos para pequenas empresas, numa consolidação de agentes que estavam desconectados entre si: as plataformas de investimento coletivo, as gestoras de recursos e o sistema de distribuição de valores mobiliários”, avalia Bruno Dequech Ceschin, sócio da Jupiter.co e cofundador do Escala VC.

O movimento aproxima o Brasil de práticas adotadas em mercados maduros como Estados Unidos e União Europeia, que não impõem limite de faturamento para emissores. Com a entrada do agronegócio, das cooperativas e das securitizadoras, o crowdfunding brasileiro se posiciona como alternativa real ao crédito bancário e projeta um volume superior a R$ 3 bilhões já em 2026.

A lógica por trás da proposta da CVM é tornar o regime mais modular e evolutivo, acompanhando a sofisticação do mercado sem abrir mão da proteção ao investidor. “Ao flexibilizar as regras da Resolução CVM 88, a autarquia impulsiona a expansão dos investimentos alternativos. Se no início o foco estava no equity de startups, hoje vemos teses que se expandem para private equity, securitização e ofertas do agro. A interoperabilidade entre os players do mercado financeiro é fortalecida quando os veículos CVM 88 realizam ofertas públicas com dispensa de registro, desburocratizando a originação e a distribuição de valores mobiliários”, explica Marcos Doudement, advogado e analista do Loor Venture Capital.

Com esse conjunto de mudanças, a CVM sinaliza que o crowdfunding deixa de ser um nicho experimental para assumir papel central no financiamento de empresas, consolidando-se como vetor estratégico para a diversificação de investimentos no Brasil.