16/02/2017 - 12:53
Em tempos de retomada da economia, o setor supermercadista ainda contabiliza perdas. Mas já ensaia algum movimento de retomada, ainda que homeopática, para 2017. Este é o cenário alinhavado pelo presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Sanzovo Neto. Responsável por um setor que representa mais de 5% do PIB nacional, com um faturamento médio superior a R$ 350 bilhões ao ano, o executivo falou com a DINHEIRO sobre perspectivas e tendências. Confira os principais trechos.
O que esperar do setor para este ano?
O cenário é de certa estabilidade e modesto crescimento após um período muito ruim no ano passado. Naquela época, achávamos em algum momento que atingiríamos o fundo do poço. O fato é que existia um “subsolo” no fundo desse poço, reflexo da queda nas vendas em função do receio do consumidor por causa do desemprego crescente. Para este ano, estimamos um crescimento modesto nas vendas em relação a 2016, uma alta de 1,3%. Lembrando que a nossa base de comparação é baixa. Em 2015, tivemos o pior desempenho em vendas nos últimos oito anos, uma queda de 1,09% em relação ao ano anterior. Já em 2016 houve um crescimento modesto, de 1,58% nas vendas. Mas o ponto é que as vendas podem até reagir, mas o volume de compras não. Se você tirar o efeito da inflação e avaliar o quanto efetivamente o brasileiro está comprando nos supermercados, o quadro é ainda preocupante.
Por quê?
De acordo com levantamento da Nielsen, em média o brasileiro comprou, no segundo semestre do ano passado, 3% a menos do que adquiriu no mesmo período de 2015. Isso se considerando o volume de produtos, não o valor pago. A crise fez com que o consumidor ajustasse suas contas à realidade do seu bolso com o fenômeno da “estagflação”, que é a combinação de recessão com inflação segundo os economistas.
Como foi esse ajuste no bolso do consumidor?
Houve uma espécie de efeito dominó, em cascata. O primeiro sintoma é que o brasileiro cortou um pouco mais as idas a bares e restaurantes e passou a consumir mais em casa. Em vez do jantar fora, o churrasco e a cerveja com os amigos em casa. O segundo movimento é o que chamamos de “trade down”, isto é, compra de produtos similares, mas de preços menores. Se antes comprava-se um produto de limpeza premium, da marca A, passou-se a adquirir outro inferior. Em outras palavras, houve um esforço contínuo para que o orçamento se encaixasse na dispensa de casa. Mas este não foi o único fenômeno, houve outros.
Quais os outros fenômenos?
Existiu ainda o que chamamos de substituição. Se o arroz subiu demais de preço, o consumidor passou a comprar massa. Se a carne também teve uma alta, passou-se a consumir mais frango, e assim por diante. O quarto movimento, este mais agudo, é o de corte mesmo de consumo, do que era considerado supérfluo. Refiro-me, por exemplo, às compras de doces para crianças. Esse é um ajuste que ainda persiste. Há também mudanças comportamentais, como as compras coletivas e pontuais da família, em vez de idas constantes ao supermercados.
Os números mostram que houve também aumento do chamado “atacarejo”, que é o mercado atacadista que vende a um preço menor e com menos serviços. Isso é fato?
Sim, é verdade. Houve um crescimento significativo entre 2014 e 2015, quando essas novas lojas aumentaram em média 12% em relação ao que tínhamos. É um modelo que tem muito apelo em uma situação de desemprego elevado como agora, onde os custos ao consumidor são menores porque não há oferta de serviços como se tem nos supermercados normais. Mas acredito que tudo isso seja uma fase, haverá uma acomodação normal de “atacarejo”, supermercados, minimercados, os negócios de comerciantes de bairros. Isso, claro, quando a economia voltar ao normal. Há espaço para todos.
O senhor citou a questão dos minimercados que crescem. Redes como o Carrefour e Pão de Açúcar investiram muito neste nicho. É também uma tendência?
O minimercado de bairro, de conveniência, existe no mundo todo. E aqui algumas redes como as que você citou investiram nisso. Novamente, creio que exista espaço para todos os segmentos. O que se faz necessário é uma melhora da economia, avançarmos nas reformas essenciais como a da Previdência, trabalhista, política e tributária. Se isso ocorrer, volta a confiança do consumidor, gira-se a roda da economia.
Como estão os investimentos do setor?
Houve uma sequência do que já estava contratado, mas nada significativo. Há um momento natural de espera dos empresários, para a retomada da economia, de uma agenda de reformas que avance.
Em relação a tendências, o que o consumidor pode esperar do setor supermercadista daqui para frente?
Há uma aposta de oferecer produtos com melhor qualidade, de maior frescor. Refiro-me aos produtos orgânicos, que estejam de alguma forma ligados à cultura de meio ambiente. O consumidor quer este tipo de produto, que traduza maior saúde em sua mesa.
Em relação às compras pela internet, o chamado e-commerce, como estão os projetos?
Em minha casa há uma espécie de laboratório sobre esse tema. Tenho três filhos: um de 35, uma mulher de 27 e outro de 25 anos. Os mais novos, se puderem, compram tudo pela internet. Não atravessariam a rua para ir ao supermercado. É a chamada “Geração Millenium”, que precisa ser seduzida também para ir à loja. Esse é o desafio.
Quer dizer que o setor quer atrair o consumidor novo para ir à loja em vez de investir no e-commerce?
É preciso que ocorram os dois fenômenos. Óbvio que ter um pé na internet é fundamental. Veja o que gigantes como Amazon e Alibaba estão fazendo, já entregando nos Estados Unidos produtos de consumo, perecíveis. Mas também é preciso seduzir o jovem a ir à loja com melhores serviços e tecnologia. Não podemos esquecer que houve, e existe ainda, um investimento grande nas lojas físicas. Não se pode abandoná-las e focar somente no e-commerce. Seria um erro.
Que tipo de serviços e tecnologia?
A maior feira do setor, a NRF (National Retail Federation), que ocorre nos Estados Unidos, tem mostrado que a tecnologia avança rapidamente com a realidade virtual, realidade aumentada, autopagamento, entre outras coisas. No caso de realidade virtual, por exemplo, é possível hoje ter experiências em casa e no mercado com produtos inexistentes. Com o uso de luvas especiais termos a sensação de textura desses produtos.